Pelos caminhos de minha vida

Pelos caminhos de minha vida – Livro de Archibald Joseph Cronin

Em todas as férias eu saio de casa e rumo para Minas, mais precisamente para Uberaba, onde cozinho meus miolos no calor de lá e castigo meu corpo que ama o frio por obrigações matrimoniais necessárias a todo ser humano. Ali utilizo os momentos de preguiça para me afundar em leituras que geralmente eu não faria em minha própria casa. É aquele ditado: casa de ferreiro.... livro de pau!

Todo mundo precisa de uns momentos para si, sozinhos com seus pensamentos e idéias. No meu caso, me enfio em um canto imaginário e começo a ler um livro, ao qual escolho após muitos momentos de contemplação sentada ao chão em frente a uma pequena estante de livros em minha casa. Religiosamente separo os títulos que quero ler e os que já li e adoraria reler. Os coloco no chão ao meu redor e escolho folheando suas paginas, como quem está faminto em uma fila de um restaurante self service.

Este ano foi diferente, meu ritual foi modificado. O livro me foi escolhido por um amigo especial há mais de 2 meses atrás. E, digamos que foi um ensaio para que pudesse chegar ate minhas mãos. O que tornou a leitura mais aprazível e delicada.

É raro eu saborear um livro palavra por palavra. Geralmente eu o devoro como se tivesse sedenta de informações para contestar e aprender.

Antes de flertar com o livro eu simplesmente falarei de sua aparência externa. Uma capa verde dura de encadernação dos anos 60, páginas há muito tempo lidas por muitos olhos, aparência extremamente antiga (coisa que eu amo em livros!). Não leio apenas com os olhos, uso as mãos para sentir a aspereza ou a leveza das paginas. Uso o nariz para sentir por onde o livro passou, e este, esteve guardado por um bom tempo. Se pudesse, se eu tivesse esse poder, o colocaria o livro aberto em meus ouvidos para ouvir as palavras que foram proferidas por outras pessoas junto daquelas folhas.

Quando uma obra assim passa por mim eu já fico feliz em por minhas mãos inquietas e meus olhos nela. Um livro em que muitas pessoas correram os olhos significa que tem energias de muitas leituras, sensações de muita gente que o acompanhou e, acima de tudo, mostra que pode resistir ao tempo não importa o que aconteça.

Só para deixar um tom de pirraça, eu digo: detesto quando as pessoas falam que só lêem livros novos! Coitadas.... não sabem a força que paginas impressas há mais de 40 anos atrás têm para nos dar!

E uma observação impertinente e desnecessária é a data de impressão da obra: 1961. Faça as contas.... E pasmem, nesta época não existia ficha catalográfica nos livros!

Vou agradecer em silêncio a pessoa que me presenteou com a leitura. Pois, sem querer ou querendo, ao finalizar o as paginas eu mesma estou tomando coragem para voltar aos meus manuscritos e tentar publicar algo fora do mundo virtual. Afinal, como uma boa leitora, eu prefiro apalpar o papel a utilizar um mouse e uma tela.

Voltemos ao livro que narra a biografia de um médico que exerce sua profissão na Europa e permeia suas aventuras literárias por navios da marinha britânica, pelas zonas de mineração escocesas, por cidades grandes européias e pelos verdes campos, tudo recontando acontecimentos que tremulam entre as décadas de 20 e 50. A história é muito simples, em todos os seus aspectos literários. Porém, o carinho e os exemplos de vida que encontramos ao longo da narrativa é o que cativa o leitor, pelo menos cativou a mim.

Não importa de foram pequenos passos em trilhas de terra batida, ou se foram quilômetros de estradas pavimentadas com louvor, ou se simplesmente se passaram pequenas ruas de pedras e flores no jardim; todos nós trilhamos caminhos e nos questionamos se as opções feitas em suas bifurcações foram as corretas.

Tudo isso pinta inúmeros quadros imaginários na mente de quem pára, por alguns instantes, para pensar nas escolhas de sua vida. E este é o mote do livro que acabei de ler neste recesso escolar.

Desde o sofrimento das pessoas nas minas de carvão, à falta de complacência sentida nas cidades, à intempérie do tempo europeu, aos verdes campos narrados mostram uma forte sensação de quem há algo de “mais importante” para ser contato ao longo da história.

“Pelos caminhos de minha vida” é um quadro sensível da vida quotidiana da Europa contado sob o foco de um médico desde sua tenra adolescência até sua velhice e ampliado pelas lentes de um efusivo narrador em primeira pessoa.

É uma novela, a qual os personagens simples e carismáticos, sofridos e diferenciados vão tomando seus lugares em um quadro de vida cheio de pequenos detalhes, que passariam (e passam) despercebidos a muitas pessoas em todas as épocas da humanidade.

Galgando o sofrimento pelo qual passou desde sua época de estudos, mostrando seus passos como iniciante da arte de curar e observando o mundo com um olhar diferenciado, o autor abre páginas e páginas de experiências que eu, como professora, tenho que admitir: que devo aprender!

Traçar uma rota na vida e relatá-la para o mundo não é algo fácil. Preencher as lacunas que temos como seres humanos e aprendermos com as diferenças dos que nos cercam é o ponto crucial do livro que quero mostrar a vocês. Vou pintar com meu pobre pincel de letras um parco quadro de leitura sobre alguns personagens que estão bem vivos em minha mente agora.

Logo no inicio temos a descrição de um sanatório onde é mostrado um trabalho feito com doentes mentais. Em algumas páginas temos a sensação de que o narrador está ressaltando que nem sempre o louco está internado e fechado entre as quatro paredes, mas sim, dentro de cada um de nós.

Passando do firme chão de um hospital psiquiátrico, vagamos para o balanço de um navio em alto mar. Ali encontramos um marujo de braços fortes, um mouro provavelmente, de religião diferente dos demais, que ajuda nosso semi inexperiente medico em uma luta contra uma epidemia dentro de uma embarcação superlotada. Reparar na forma com que os demais tratam o mouro e comparar com a maneira diferenciada que ele é descrito pelo narrador chega a ser algo sublime.

Em outro trecho da narrativa nos deparamos com um velho médico ranzinza que exerce sua profissão em uma afastada cidadela. Temos aqui um experiente personagem atuando como mestre em todas as suas passagens da narrativa. Ele mostra como a dedicação a um objetivo na vida atenua as excentricidades humanas que sempre vemos como defeitos.

Para as pessoas que precisam de mártires para se sentir bem ao ler um romance deste porte, eu cito a simpática e forte enfermeira que aparece em uma cidade que vive da extração de carvão. A penumbra do local, o cinza da paisagem e o sofrimento tanto dos personagens primários quanto dos secundários é de suma importância para a composição do livro. O índice narrativo de um par de rodas atribuídos a enfermeira, indica singelamente que o destino é um circulo que todos estamos fadados a percorrer, e que no fim, tudo se resume a força que conservamos de nosso começo da vida.

Tudo que falei são pequenos pontos em que todas as diferenças fazem do conjunto uma obra de arte silenciosa e colorida. Até a dureza de personagens aparentemente sem sentimentos é pintada de forma a mostrar que sentimentos e idéias pré concebidas devem se esvair quando o narrador pousa seu olhar profundo e dissecador sobre eles.

Posso dizer que li o livro com muita paixão à procura de respostas para as perguntas mais simples que faço toda vez que abro as páginas de algo para ler. Encontrei anotações de donos antigos, inclusive com datas de leituras.

Sempre que isso ocorre, começo a rir, feliz de ter encontrado alguém. Isto me fez entrar em contato com a pessoa que o leu, mas um contato mais singelo, aquele que ocorre apenas as pessoas que lêem livros usados entenderiam: o contato do silêncio das palavras lidas. E, apesar da obra ter me sido emprestada, também fiz as minhas anotações á lápis nas páginas. (peço perdão ao dono do livro e aos demais que o lerão!)

Isso funciona como um código apaixonante, pois quem o lerá depois sentirá o que mais me fez bem ( e mal) ao longo das páginas.

Tudo se resume a energias... mundo de leituras de energias. Um mundo secreto de quem lê. Os caminhos que os olhos leitores percorrem ao longo de uma vida.

Da morbidez ao jubilo, o quadro imaginário do livro se pinta de uma maneira fascinante em suas entrelinhas. O nascer, o viver, o lutar e o morrer são contatos sob varias facetas. É raro podermos ler isso sob o foco de um especialista em letras e especialista em medicina, aproveitem a viagem que o livro nos traz.

A roda da vida esta sempre girando... e se me permitem, vou poetizar os sentimentos que este livro me trouxe:

O nascer é um tipo de morte para a vida

Desde o instante em que ocorre

O viver sem olhar a simplicidade

É a morte para a realidade

O viver

O morrer

Não importa

Tudo é apenas uma continuação

Dos caminhos que temos em nossa existência

Nisa Benthon

20/07/2010