ÁFRICA NEGRA E A FORMAÇÃO DA AFRICANIDADE
MUNANGA, Kabengele. O que é africanidade. In: Vozes da África – Biblioteca Entre Livros. Editora Duetto, edição especial n.6, 2007.
Poliana Pereira Dantas
ÁFRICA NEGRA E A FORMAÇÃO DA AFRICANIDADE
Graduado em Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi, (1969); Kabengele Munanga é doutor em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1977). Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, membro de corpo editorial da África (São Paulo), membro de corpo editorial da Tricontinental - Revista PEC-G (UFPB), também componente de corpo editorial da Humanitas (PUCCAMP) e do corpo editorial da Revista Digital Intolerância. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, atuando principalmente nos seguintes temas: mestiçagem, identidade nacional e Identidade Negra.
Kabengele Munanga mergulha na diversidade Cultural africana, percorrendo vários aspectos cotidianos, desde o uso das palavras, do gesto, da conduta social, da relação com o sagrado até a concepção de morte dos povos afros para explicar o que venha ser a africanidade, partindo dos conceitos de sociedade, “(...) grupo de pessoas cujo conjunto organizado de atividades é auto-suficiente para garantir a cada uma delas a satisfação de suas necessidades materiais e psicológicas” (MUNANGA, 2007, p.8) e Cultura, “(...) conjunto complexo de objetos materiais, de comportamentos, de idéias, adquiridas numa medida variável por cada um dos membros de uma sociedade determinada” (MUNANGA, 2007, p.8).
Munanga aponta duas tendências básicas na realidade africana: a primeira apresenta o continente africano como um mundo culturalmente distinto; a segunda concerne uma fisionomia própria e singular, comum as culturas e civilizações africanas, porém as duas conciliadas formam a riqueza das heranças da África negra. Munanga ressalta: “Não é o sol, nem a pele escura que fundamente essa impressão de comunidade da África, mas sim os traços culturais espalhados por diversos pontos da África subsaariana. (p.9)”.
A arte subsaariana tem um rosto próprio, marcados por características únicas, que não se iguala a outras regiões do mundo, ela é um reflexo fiel das ricas histórias, mitos, crenças e filosofia dos habitantes deste enorme continente. A riqueza desta arte tem fornecido matéria-prima e inspiração para vários movimentos artísticos contemporâneos da América e da Europa. Artistas do século XX admiraram a importância da abstração e do naturalismo na arte africana. As confecções de máscaras são feitas com desenhos elaborados e constituem parte importante da cultura africana. Máscaras são usadas em uma variedade de cerimônias e rituais. A arte africana remonta o período pré-histórico. As formas artísticas mais antigas são as pinturas e gravações em pedra de Tassili e Ennedi, na região do Saara (6000 AC ao século I da nossa era).
A idéia de africanidade passada por Kabengele, além de cultura e arte, abrange outras características como: a língua, as instituições sociais como o casamento, a família, a organização política, os sistemas de crenças e as visões do mundo. “As línguas africanas são numerosas. Segundo os critérios escolhidos, contam-se, segundo autores, de 700 a 1500.” (p.10). A família lingüística niger-congo cobre a maior parte da África subsaariana e é provavelmente a maior do mundo em termo de número de idiomas. Após o colonialismo europeu quase todos os países africanos adotaram idiomas oficiais de fora do continente, embora vários hoje em dia também usem línguas de origem nativa.
Para os africanos, “A morte não é uma ruptura, é uma mudança de vida, uma passagem para outro ciclo de vida (…)” (p.10-11). . Em vista disso, muitas pessoas preparam de antemão o seu próprio funeral, guardando dinheiro. “Os grandes funerais africanos são festas ruidosas que reúnem pessoas de todas as idades num ambiente de excitação sustentado pelas danças, cantos, arengas, ritmos de tambores, comidas e libações. (MUNANGA, 2007).
Em relação ao casamento africano, Munanga nos ressalta sua importância, não só para a vida social, mas para o processo genealógico. “Uma das características desse casamento é o dote “Sempre vai da família do futuro marido à família da mulher.” (p.11). A celebração do conceito de família através da união de duas pessoas; a junção de duas famílias e por vezes até de duas tribos é uma premissa importante no casamento africano.
A organização política africana pode ser dividida como: poder, governo e democracia. “O poder a autoridade do patriarca da linhagem é baseada nos laços de sangue (…)” (p.11). Nas monarquias africanas, o monarca é detentor dos poderes legislativo judiciário e executivo sendo considerado o soberano. A democracia africana caracteriza-se pela unanimidade e não pela maioria parlamentar. “Os velhos discutem horas e horas embaixo de uma árvore (…) até conseguir a unanimidade para tomar a decisão.” (p.12)
No texto O que é Africanidade? Kabengele enfocou traços e características que definem o que venha a ser africanidade, nos lembrando ainda de unidades como a Negritude “posição intelectual” e o Pan-africanismo que uni politicamente todo o continente sem criar distinção social, essas unidades estão inseridas na formação da comunidade Cultural e da africanidade.“(…) è esse rosto cultural único que a África oferece ao mundo.” (p.12)
Somente um filho é capaz de mapear com tanta perfeição as características mais ocultas da sua mãe. Assim o fez Kabengele ao falar do Continente Africano, no texto “O que é africanidade?”. Ele desperta nossa imaginação quando nos fala da máscara bamilikê, bakongo ou bakuba, e de como os africanos lidam com a ancestralidade. De acordo com Eduardo Oliveira, “A ancestralidade é como um tecido produzido no tear africano: na trama do tear está o horizonte do espaço; na urdidura do tecido está o tempo. Entrelaçando os fios do tempo e do espaço cria-se o tecido do mundo que articula a trama e a urdidura da existência.” (2007, p.245)
Kabengele Munanga como filho da mãe África apresenta-nos o conjunto de traços culturais que compõe centenas de sociedades da África subsaariana a dita África Negra formadora da africanidade. A África negra é um continente marcado por conflitos gerados pela cor da pele, um dos principais focos de discórdia que gerou guerras tribais ao longo de muitos anos. Desde 1957 muitas vidas inocentes vêm sendo dizimadas do continente africano. Kabengele é bem realista ao destacar que, “A negação da afirmação das identidades étnicas, e os conflitos resultantes da manipulação política e ideológica das diferenças culturais entre populações que convivem num mesmo território geográfico, constituem sem dúvida uma negação dos direitos humanos.” (2004, p.19)
Mas essa África que sofre por causa da violência e da pobreza é a mesma de onde vieram nossos ancestrais, escondidos e mal tratados em porões de navios. Kabengele ao tentar explicar o conceito de Africanidade partindo dos conceitos de sociedade e cultura, ele busca primeiramente transmir legados históricos fundamentais para uma compreensão lógica de como a África subssariana está viva e interligada com a cultura brasileira, sobretudo com a identidade negra no Brasil. Em Negritude: usos e sentidos, Munanga elucida sobre o tratamento dado ao negro enquanto povo dominado durante toda a colonização ocidental, e as implicações desse tratamento desigual que se perpetua até os dias de hoje.
Na África Negra a africanidade apresenta como um ente essencial do comportamento e da forma de viver da população. Diferentemente dos africanos, as africanidades brasileiras vêm sofrendo um processo de elaboração há quase cinco séculos. Segundo Petronilha Goncalves. e Silva, essa construção de identidade tem ocorrido, “... na medida em que os africanos escravizados e seus descendentes, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles”(2001, p.152-153) . Em seu texto O que é Africanidade? Kabengele Munanga nos convida a fazer um safári histórico pelo continente africano percorrendo e redescobrindo, mitos, costumes e a verdadeira história da África Subsaariana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Aprendizagem e ensino das africanidades
brasileiras. In: MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. 3.ed.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001
MUNANGA, Kabengele. Identidade étnica, poder e direitos humanos. In: Revista Thot África, São Paulo, n. 80, p. 19-30, 2004.
____________________. Negritude: Usos e Sentidos, 2ª edição. São Paulo: Ática, 1988.
____________________. Diversidade, etnicidade, identidade e cidadania. Disponível em: www.acaoeducativa.org.br/base.php?t=conc_negro_textos&y=base&z=08. Acesso em 10 de julho de 2010.
____________________.O que é Africanidade. O que é Africanidade, São Paulo, p. 8 - 13.
OLIVEIRA, Eduardo. Filosofia da ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educação brasileira. Curitiba: Gráfica Popular, 2007.