RESUMO ANALÍTICO DO LIVRO ‘A PROCURA DE JANE’ DE GIZELDA MORAIS

RESUMO ANALÍTICO DO LIVRO ‘A PROCURA DE JANE’ DE GIZELDA MORAIS

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Segundo a autora Gizelda Morais, A Procura de Jane “foi escrito entre 2004 e 2005, e presta uma homenagem a Miguel de Cervantes, cujo Dom Quixote de la Mancha comemorava, naquela época, quatrocentos anos de edições, levando ao mundo a mensagem dos sonhadores em seu confronto com a dura realidade”.

O título é também sugestivo com um elevado tom de ambiguidade: A Procura de Jane pode ser interpretado como sendo a procura da protagonista por um sentido a sua vida, ou a procura de seus escritos que lhe foi roubado. Escrito em terceira pessoa, de forma intimista, a narrativa é caracterizada pela temporariedade: presente e passado se fundem como princípio fundamental para entendimento da obra. O narrador, através de comentários específicos e psicológicos, traça um perfil da personagem ao revelar detalhes que não se limita apenas a um narrador observador, mas também, a um narrador protagonista atento aos sentimentos conflituosos que envolvem a personagem no decorrer da narrativa.

Dividido em três partes, a viagem, a chegada e a busca, o enredo é basicamente a história da protagonista Jane que está de retorno dos EUA para o Brasil, depois de uma longa viagem, realizada com a venda de seu único imóvel e só possível depois de sua aposentadoria. Há questões abordadas de forma crítica e filosófica em relação ao que a protagonista observa atentamente à medida que os fatos lhes são revelados. Esta viagem foi acima de tudo, o sonho da protagonista. E para realizá-lo, não pensou duas vezes. Vendeu o apartamento e com o dinheiro saiu em busca desse sonho.

Na primeira parte da obra, intitulada A Viagem, há uma inversão temporal na narrativa. O início da história se dá com o retorno de Jane ao Brasil. Esse retorno, nada prazeroso, faz com que a protagonista se questione sobre a sua própria nacionalidade e se há sentido para a sua volta. Faz dura crítica ao idioma inglês e a maneira pela qual os americanos tratam seus turistas estrangeiros e a frieza das pessoas que passaram por ela com total indiferença, por ruas, estações de trens e aeroportos. Para ela, professora aposentada de Filosofia, é comum a reflexão sobre o que acontece ao seu redor, a fim de chegar a uma conclusão sobre qual o sentido exato da vida. Jane sente-se desprivilegiada por ser uma professora no Brasil. Entende a desvalorização sofrida pela classe de professores, e pergunta-se para que serve tanta cultura, já que tudo acaba com a morte.

Percebe que somente agora é que a ideia da morte a atormenta, já que o jovem nunca pensa que um dia irá morrer. Somente a eles, os velhos, é que esta ameaça se faz presente, junto com o medo da velhice e da solidão. Questiona sobre o tempo e as mudanças que o ser humano sofre com o passar do tempo. Reflete sobre antigos professores, vivos e mortos e teme ter o mesmo destino de muitos que já morreram solitários, solteiros e velhos. Lembra-se que fora justamente por esses anseios que decidira viajar pelo mundo. Decide então fazer o roteiro de sua viagem, a começar pela Escandinávia e a venda de seu apartamento antes de se tornar ela também uma inválida, afinal não é fácil ser velho no Brasil e contar apenas com a aposentadoria para manter-se viva. A questão da moradia também é abordada por ela como parte da injustiça social. Toda essa reflexão se dá de dentro de um avião, onde Jane se encontra sentada em sua poltrona, fazendo o percurso de volta ao Brasil de sua viagem, através de suas lembranças, mesclando o tempo presente com o passado.

Jane mostra-se indignada pelo fato de seus escritos terem sido roubados pela sua psicóloga. O encontro com a psicóloga se dá após o acidente, o que resulta na entrega de seus manuscritos para que fossem lidos por ela. Neste instante há um momento de introspecção da personagem quando se vê no olhar do outro. Lembra-se do pai e da vida árdua que tivera e de seu difícil nascimento, arrancada a ferros, o que resulta na morte de sua mãe para que ela sobrevivesse. A sua frustração inicial tinha sido pela perda de seus manuscritos. Depois lhe veio o ódio quando o descobriu publicado com o título de “Jane Brasil”, quando se encontrava de férias em Salvador, em um tabuleiro de promoção, numa livraria. Com essa descoberta, mudam-se também seus planos: teria que encontrar a psicóloga e desmascará-la para reaver seus manuscritos numa eterna busca depois de 15 anos.

Depois de muitas tentativas descobriu que o livro tinha sido composto em uma gráfica, sem endereço, apenas indicando a cidade de Aracaju como referência. Dali em diante, encontrar a mulher que lhe roubou os seus escritos tornou-se uma obsessão. O avião sobrevoa a floresta Amazônica e ela encanta-se pela beleza do jovem rapaz sentado ao seu lado. Deixa-se embriagar pela beleza num momento de criação. O velho e o novo perdem suas idades, restando apenas o momento de adoração. Não possui pressa de chegar a algum lugar, pois sabe que vai chegar. Aproveita o máximo o momento de beatitude que o jovem lhe proporciona e deixa-se divagar com as impressões que teve desse encontro: o primeiro causado pela antipatia, pelo fato do jovem estar usando um chapéu do Mickey Mouse. O segundo de fascinação pela beleza, comparando-o a Clark Gable. Outro momento que a remete ao passado é a fragrância do perfume Tsar que o rapaz está usando.

A culpa também a persegue devido a sua concepção. Para ter nascido fora preciso que a mãe morresse num embate entre mãe e filha pela vida. Chega-lhe a visão imaginária da mãe sendo violentada e em seguida a sua condição de filha de um estupro, causando-lhe um trauma pelo seu nascimento forçado e depois a condição de como fora deixada pela avó na porta de um orfanato, onde recebeu o nome de Jane Bahia. O significado do roubo de seus manuscritos está associado a sua identidade. Depois de mergulhar na revisão de sua gestação e nascimento, Jane volta ao presente aceitando a dura realidade e trauma existencial: nascera na presença da morte de sua matriz e de seu irmão gêmeo.

Com a chegada do avião ao aeroporto de São Paulo dá-se também o fim da viagem e a segunda parte da história, intitulada A chegada. A realidade torna-se dura por sua condição: gastara todo o seu dinheiro da venda de seu apartamento e de seu fusca. Nada mais lhe restara. Necessita fazer o movimento de volta, a partir do desenraizamento progressivo, e a triste realidade de regressar para o apartamento que já não lhe pertence. A negatividade está presente na personagem quando se questiona sobre sua profissão. Arrepende-se por ter vivido tanto tempo dentro de uma sala de aula, sua condição como professora regrada em que tinha de submeter-se a regras e cumprir programas. Fora preciso envelhecer para poder apender rápido, usando as conexões de sua experiência. Convenceu-se, por fim, que a sabedoria é adquirida com a idade e a verdade é apenas um fragmento do que lhe é imposto pela realidade a que seus olhos lhe permitem ver.

Não há para ela nenhuma possibilidade de que milagres aconteçam, visto que, a religião para Jane é apenas uma necessidade devido aos medos e desejos não realizados. Acredita, no entanto, em equívocos. Ao entrar no apartamento, recebe o zelador que lhe entrega uma carta escrita em inglês. O destinatário era-lhe desconhecido: João dos Santos Silva. Era uma carta em tom saudosista, com envelope azul e perfume suave. Fica a revirar a folha perguntando-se quem seria o feliz destinatário e a romântica remetente de letra tão primorosa. Deixa fluir então sua imaginação criativa ao compor uma história de amor entre João dos Santos Silva e Yakiko. O vazio instala-se dentro dela. Tenta escrever. E o simples ato que a acompanhou por muito tempo, agora é quase uma impossibilidade. Com caneta e papel a mão, faltou-lhe a inspiração. Desiste pelo fato de estar ela também condicionada ao computador, como algo divino e fundamental para o homem.

A felicidade para Jane perde o seu sentido. Questiona-se o que é ser feliz e o que é a felicidade. Justo ela que após rodar o mundo, continua sem saber explicar o sentido do termo felicidade. A narrativa, neste ínterim, baseia-se nas memórias da personagem a fim de conceituar a concepção de uma vida perfeita. Lembranças de um passado remoto a invade num flashback atemporal. Que importam as causas? Reconhece que teve o direito da escolha. Ao sair do apartamento, dentro de um taxi, faz um balanço dos fatos no mundo. Em 1968, as dificuldades, as guerras, a transformação do mundo, ditadura e repressão. Tece amarguradamente uma crítica específica a guerra: cada geração tem a sua própria guerra. Divaga sobre a sua volta ao apartamento. O significado da Psicologia, num istmo entre realidade e sonhos, comparando-se a personagem Cabíria pelo sentimento de abandono, numa referência direta à “Noites de Cabíria” de Frederico Fellini. Outros personagens ilustres aparecem em sua guerra íntima: Dario, Alexandre, Júlio César, Genghis Khan, Napoleão, Hitler, Saddam e Busch, compondo em fragmentos uma colcha de retalhos histórica e tristezas no coração humano. Convenceu-se de que os sentimentos são universais e a Psicologia é a ciência da alma e que um segundo é quanto dura um olhar, mas pode dizer tudo.

No quarto da pousada sente a falta de seu computador Pentil 1, já ultrapassado, pois em matéria de tecnologia basta um ano para o novo tornar-se obsoleto. As mudanças ocorrem também nos hábitos alimentares. A comida a quilo mudara o hábito dos conterrâneos, mesmo em cidades pequenas. Em um Cyber café depara-se com o fascínio que a internet provoca em seus usuários. Faz a pesquisa pelo nome Jane Brasil e espanta-se com a rapidez da resposta. Depois de várias pesquisas na internet, Jane descobre onde se encontra a autora de livro não autorizado.

Na terceira parte, intitulada A busca, Jane viaja a Poço de Caldas. A busca é interminável. O desencontro entre as duas personagens faz com que Jane permaneça na cidade. Emociona-se ao se deparar numa praça com uma orquestra tocando músicas de Roberto Carlos. Observa as pessoas atentamente e encanta-se pela beleza da diversidade. Sente-se feliz por se encontrar ali no meio de pessoas que dançam, como se estivesse em uma festa medieval, livres da influência da nova tecnologia, das ambições televisivas e de eletrônicos de última geração, especificamente o celular que invadiu o cotidiano das pessoas tornando-as escravas incapazes de resistir à tentação. E neste momento de epifania, depara-se com um cavalheiro de triste figura que a convida para dançar. A veia literária de Jane é aguçada por esta estranha presença, que a remete a Miguel de Cervantes e sua personagem Dom Quixote de La Mancha. Acredita ter dançado com os dois. Nada mais lhe é importante. O que importa se não encontrar agora a trambiqueira?

Resolve então escrever uma carta a autora do livro publicado, expondo a sua indignação com o ocorrido em sua vida. A resposta vem de forma explicativa e defensiva. É a versão da acusada contra Jane. Diante desse novo fato, especula-se a veracidade da história de Jane. A própria Jane é questionada quando mostra a carta para o amigo Ubaldo, afinal, ela sofrera realmente um traumatismo craniano quando fora atropelada e passara por um breve período de esquecimento, causando-lhe uma amnésia parcial e provisória.

Baseando-se em que a dúvida é o melhor para se chegar à verdade, abre o exemplar do livro e começa a lê-lo analisando cada parágrafo como se estivesse em busca de uma certeza. Depois da leitura e a certeza de que o livro é realmente seu, decide voltar à casa da escritora mais uma vez. A tentativa torna-se em vão, pois encontra a casa fechada, como se estivesse abandonada. Decepcionada e cansada, senta-se ao batente da casa e tenta chegar a uma decisão. Lembra-se de como começou essa busca incansável por seu livro roubado. No princípio tinha ido a Salvador em busca de suas raízes, sua mãe inventada, quando se deparara com o livro exposto em uma livraria. Então desviou sua rota.

Nunca suspeitara da adoção. A verdade só veio à tona dezoito anos depois na hora da partilha dos bens. Chocada com a revelação, indagou a todos sobre a sua origem. Recém-nascida foi abandonada na rua, depois entregue ao juizado de menores. Agora precisava procurar elos perdidos, quando deixou a família adotante sem jamais informar o seu destino. Dá-se então início a nova busca. Dessa vez Jane iria à busca de sua mãe e irmãos. Quer reencontrar o elo partido na história de sua vida.

Essa nova busca também começa de forma complicada. Decide-se por procurar o irmão Hildo Brasil na OAB, pois se lembrou de que ele estudava Direito quando ela saiu de casa. O primeiro encontro se dá com o neto de sua mãe adotiva. Depois de alguns questionamentos, Jane recebe o endereço de sua mãe na fazenda, no município de Irecê. Antes, porém, um novo reencontro é decisivo na história: Jane reencontra o sobrinho, que é justamente o jovem que viajara com ela e usava um chapéu do Mickey Mouse.

A narrativa final ganha certa expectativa depois do reencontro entre mãe e filha. Novos destinos são traçados. No café da manhã, surpreendentemente, diante do casal, a mãe declara ter decidido morar com a filha. Diante desse novo impasse, Jane volta para Belo Horizonte a fim de se organizar para receber sua mãe. Na rodoviária se depara com um pedinte em dificuldades que lhe quer vender um bilhete da mega-sena.

Após um breve cochilo, acorda com a voz do repórter anunciando o grande ganhador da mega-sena. O prêmio tinha saído para Salvador. Jane começa a fazer planos para o que iria fazer com o dinheiro do prêmio. Realidade e sonho se misturam na narrativa fazendo com que o leitor acredite ser ela a ganhadora. O desfecho se dá com o retorno de Jane entrando em um ônibus conferindo o bilhete de passagem. Tudo não passara de um sonho. Um relâmpago, um reflexo de seus desejos. Os números sorteados não condiziam com os números em seu bilhete. A alegria, porém se dá, ao se deparar com o sobrinho antes de embarcar. Ele tinha ido comunicar-lhe que não se preocupasse com a reforma de seu apartamento e que iria viver bem com a mãe.

O final da história é surpreendente: Jane embarca no ônibus e o término do romance é sem um final concreto. O narrador deixa o leitor definir um possível final da história. De concreto mesmo só o acerto de contas de Jane Brasil com a sua família.

ginaldo
Enviado por ginaldo em 12/07/2010
Código do texto: T2373644
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