O jogo imortal

Livro: "O Jogo Imortal" de David Shenk. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

O livro proporciona uma leitura muito prazerosa sobre esse fascinante jogo que é o xadrez. O autor fala sobre a sua história, personalidades históricas que se dedicaram ao jogo (seriamente ou não), poesias, lendas e estórias inspiradas no xadrez. O xadrez serviu também como objeto para estudo e análise cognitiva, permitindo uma compreensão maior sobre a memória, velocidade de raciocínio, motivação para resolução de problemas etc.

"O jogo de xadrez - com sua riqueza, complexidade e violência totalmente suprimida - é uma extraordinária metáfora para a condição humana. Alguns dos mais importantes ficcionistas e poetas dos últimos dois séculos - Nabakov, Borges, Tolstoi, Canetti, Aleichem, Eliot e outros - reconheceram plenamente a misteriosa capacidade que tem o jogo de representar as contradições, as lutas e as esperanças da sociedade humana." Daniel Schifrin (pág. 237)

A liberdade de escolha e a sorte

"O jogo de dados - o mais antigo - representava a consciência resignada a um mundo dominado pelo destino. O xadrez representava o novo poder, a idéia de se desbravar o próprio caminho no mundo, com base no esforço e na capacidade pessoais. Essa justaposição chegou mesmo a se incorporar à lei italiana do século XII, que proibia o jogo de dados mas permitia o de xadrez, porque este dependia apenas ´dos próprios talentos. Não se confia nos poderes da fortuna'." (pág. 63)

Reflexão: temos total liberdade de escolha diante do tabuleiro da vida que se configura diante de nós. Somos responsáveis por nossas escolhas, devemos aceitar as conseqüências de nossos lances enquanto o relógio está correndo. Nesse sentido, somos os senhores de nossos destinos. Por um outro lado, não podemos esquecer que também fazemos parte de um tabuleiro maior onde somos apenas uma pequena peça. Desconhecemos as forças maiores que fazem mover todas estas peças deste tabuleiro em uma harmonia misteriosa, fugindo de nossa compreensão o exato desenrolar do enredo da vida. Nessa perspectiva, ficamos à mercê do destino, do misterioso.

Quase infinito

"O número total de jogos distintos de xadrez não é literalmente infinito, porém em termos práticos a diferença é imperceptível. Está verdadeiramente além da compreensão - 'quase inimaginável', segundo um especialista -e além da capacidade do homem ou da máquina de jogá-los em sua totalidade. O total estimado é de 10 [elevado a] 120, na notação científica." (pág. 78)

A metáfora social

"Em primeiro lugar, a interação das peças apresentava um sofisticado comentário sobre a estratificação social e a verdadeira natureza do poder. Enquanto, de início, as diferentes peças pareciam absolutamente desiguais, qualquer jogador experiente sabia que cada uma detinha poderes dignos de consideração. Os peões, especialmente se operassem em conjunto, podiam manter a sua própria região e mesmo, algumas vezes, dominar determinada zona do tabuleiro. A lição que se tirava disso era que cada membro da sociedade possui virtudes particulares, independente de sua posição social.

Em segundo lugar, como um jogo que se vence ou se perde exclusivamente graças à capacidade pessoal, o xadrez assemelhava-se ao que se pode encontrar na sociedade. Na verdade, ele era o epítome da meritocracia, uma arena onde o progresso era obtido exclusivamente com base na capacidade individual. Julgar as pessoas segundo sua contribuição à sociedade - e não pela raça, religião ou riqueza herdade - estava na raiz da campanha pela tolerância social." (págs. 99 e 100)

Treinamento e estudo

"Shanks cita uma série de estudos, todos apontando na mesma direção. Em um deles, os observadores realizaram pesquisas anônimas para separar estudantes de música clássica em três diferentes grupos, de acordo com seu nível de capacidade: (1) superior, (2) muito proficiente, (3) adequado. Em seguida, perguntaram aos estudantes quanto eles já haviam praticado no passado, e quanto praticavam atualmente. As respostas foram incrivelmente coerentes, demonstrando uma elevada correlação com o nível de capacidade. Os melhores estudantes haviam-se exercitado cumulativamente, cada um, por dez mil horas, aproximadamente, em toda a vida. O grupo logo a seguir se exercitara por cerca de oito mil horas; e o grupo menos proficiente ficou em torno de cinco mil horas de exercício cumulativo. Números semelhantes surgiram em estudos sobre mestres enxadristas, atletas, escritores e cientistas." (pág. 137)

Inteligência artificial

O xadrez pôde ser utilizado como uma referência sobre o quanto uma máquina poderia "pensar" como um ser humano. A disputa entre Kasparov e Deep Blue representou algo muito importante, do ponto de vista filosófico, para a sociedade da informação e do conhecimento em que vivemos. A máquina conseguiu não apenas vencer Kasparov mas realizar lances tipicamente humanos. Kasparov admitiu que o Deep Blue fez lances humanos, não ingênuos, muito diferente de lances feito por máquinas e, ao afirmar isso, consagrou Deep Blue como uma proeminente máquina-humana enxadrista. Se a máquina consegue jogar xadrez tão bem quanto um ser humano, será questão de tempo até que possam realizar funções tipicamente humanas com desempenho semelhante ou maior?

Maio de 2009