Cultura
Livro: "Cultura" de Roque de Barros Laraia. São Paulo: Jorge Zahar, 2008.
Este livro deveria ser leitura obrigatória a todos os ingressantes de qualquer curso universitário no Brasil. O conceito de cultura é rico e fecundo de idéias esclarecedores acerca da condição dos seres humanos em suas relações, evidenciando a sua enorme diversidade face a unidade biológica do homem. Pensar a cultura nos torna mais abertos ao "outro", implicando daí uma postura mais receptiva, amistosa e tolerante.
Uma definição
Cultura: "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". Edwar Tylor. (pág. 25)
Ou seja, cultura é tudo aquilo que, diferentemente da herança genética e orgânica, o homem adquire através da educação (ou endoculturação ou socialização). É o mundo de signos em que o homem é imerso na sociedade em que nasceu. A cultura diferencia o homem de outros animais. Existem inúmeras definições de cultura.
Determinismo biológico e geográfico
A cultura do homem não é determinada pela sua composição orgânica-biológica nem pela localização geográfica em que nasceu. Não é correto afirmar que determinada raça é mais inteligente por ser branca e ter nascido no hemisfério norte. Não existe correlação evidente entre tendências crimimosas e as características físicas de uma pessoa. O clima ou qualquer característica geográfica não interfere de modo determinístico na formação cultural de um povo. Todas as pessoas nascem com o potencial de viver "mil vidas" distintas, a composição orgânica permite que qualquer pessoa seja educada conforme a cultura na qual está inserida, independente de sua raça ou cor. Um índio nascido em sua aldeia e imediatamente transportado para a França e criado lá como uma criança francesa, não diferirá em nada, em seu comportamento, costumes, valores e língua, de qualquer outra crinaça cujos pais são franceses.
A cultura condiciona a visão do homem e interfere no plano biológico
A cultura funciona como uma lente para o homem, ela filtra de tal modo a realidade que nos rodeia que enxergamos o mundo de modo a interpretá-lo de acordo com nossa própria cultura. A floresta para uma pessoa na cidade é apenas uma floresta, não havendo qualquer distinção relevante na sua composição vegetal ou animal. Já para o indígena, saber diferenciar os tipos de árvores e animais é fundamental na sua relação com o meio, na sua sobrevivência.
Os mesmos fatos que podem provocar riso em uma cultura pode ser constrangedor e desrespeitosa em outra. Certos animais podem ser comestíveis para um povo e sagrado para outro.
O poder da cultura pode chegar a tal ponto que, em certas tribos onde aquele que assume a posição de feitiçeiro ou mago, pode através de ritual provocar a morte biológica de uma pessoa, tal é a força da crença nos poderes deste. É comum em qualquer sociedade a atribuição de autoridade a certas pessoas cuja posição foram conquistadas legitimamente. Se o médico afirma com convicção que o paciente não tem nada mais grave, o paciente pode melhorar rapidamente. Quando o padre afirma existir demônios que encorporam nas pessoas, alguns mais crédulos certamente serão possuídos.
Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura
A participação cultural de cada indivíduo na sociedade é sempre limitada. Limitada pela sua idade, sexo, formação acadêmica, posição profissional, religião adotada, hábitos e costumes. Ninguém participa da cultura em sua totalidade. Um engenheiro de 45 anos formado por uma célebre universidade, empregado de uma grande empresa e agnóstico, terá uma participação notadamente distinta de uma menina de 15 anos, estudante do ensino médio em uma comunidade rural e praticante da religião católica.
A cultura tem uma lógica própria e é dinâmica
É equivocado afirmar que a cultura se forma através de uma lógica geral, de modo a situarmos cada uma em uma escala evolutiva: os índios em uma ponta e os europeus em outra. Podemos falar que a cultura é multilinear e acêntrica. A cultura não é posta em uma escala de valores comparativamente a outra. Se determinada cultura ainda não descobriu a ciência não significa que está atrasada e que invariavelmente a descobriria com o passar dos anos ou séculos. Significa que o conceito de ciência é próprio de uma determinada cultura, fazendo sentido apenas em sua própria lógica histórica. É comum acharmos que a nossa cultura é melhor, as nossas crenças, hábitos e costumes são os mais corretos. O bárbaro é sempre o outro. O relativismo cultural se faz necessário para que o etnocentrismo não impere e provoque conflitos sociais hoje inaceitáveis.
A cultura, mesmo dos povos aparentemente mais primitivos, sempre é dinâmica, está sempre em mutação. Os fatores internos alteram de modo mais lento a cultura, muito menos do que quando sofrido por influências externas. Denomina-se aculturação o processo em que uma cultura influencia e transforma a outra, em maior ou menor grau, sempre de modo recíproco. O contato cultural nunca ocorre impunemente, em via de mão única, a mútua transformação, mesmo que pequena, sempre daí decorre. Aculturação é o intercâmbio cultural, podendo a influência ser mais forte sobre um lado e menos no sentido oposto, mas ocorre sempre em via de mão dupla.
Março de 2009