O que é educação?

Livro: "O que é Educação?" de Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo: Brasiliense, 2008.

O autor, professor da Unicamp, é atuante na área de Antropologia Social. O livro é marcado, portanto, pelo enfoque antropológico, social, histórico e político sobre a educação. Nada ou quase nada é falado sobre psicologia ou filosofia da educação.

Idéia principal do livro: não existe uma única educação, existem educações. A educação única e formal, instituicionalizada, sob a tutela do Estado, idealizada e "imposta" por pequenos grupos, pode vir a ser benéfica ou maléfica à sociedade. Mesmo ela se mostrando, em tese, justa e correta, pode ocultar interesses elitistas. Lê-se a educação na forma da lei uma coisa mas ela acaba sendo de fato outra.

Cada país, em cada época, em determinada fase de seu desenvolvimento e complexidade social, em cada comunidade, sem ou com um Estado formado, dominante ou dominada, apresenta um tipo particular de educação. Foi assim que, primeiramente, manifestou-se o que chamamos hoje de educação: sem moldes fixos, controle central e leis. A educação existiu e existe de modo difuso e solto no cotidiano da vida e do trabalho, nas relações interpessoais dentro da comunidade. É difícil captar exatamente os momentos ensino-aprendizagem que acontecem a todo momento. Nem uma sombra da formalização ou institucionalização da educação existia nas tribos indígenas, por exemplo. Um esquema espontâneo emergia naturalmente dando vida ao processo educacional. A escola criada sob a tutela do Estado foi invenção posterior dos homens.

"A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destina." Durkheim. (pág. 71)

A medida que uma sociedade "evolui" aumentando a sua produção e gerando cada vez mais riquezas, ocorre progressivamente a divisão do trabalho, a estratificação da sociedade e a restrição do poder a alguns poucos. O mesmo acaba ocorrendo com o saber: uma divisão de tipos de indivíduos merecedores de tipos de saberes. A organização e complexidade social geram condições propícias para que a educação atenda as pessoas de forma desigual: educação teórica voltada aos nobres, dirigentes e políticos preocupados em contemplar a vida através da filosofia e arte; e a educação técnica para os escravos e a classe trabalhadora. Era comum na Grécia Antiga a educação ser vista como mercadoria e, portanto, acessível apenas a alguns poucos capazes de bancá-las.

A educação é um processo de aperfeiçoamento individual ou um processo de transformação social? Ambas. Mas o autor enfetiza a segunda. Não podemos nos ater apenas na preocupação do desenvolvimento da personalidade e intelectualidade individual sem enxergar como este indivíduo vai se encaixar no corpo social. Qual é o projeto educacional para a sociedade? A resposta a esta questão aponta invariavelmente para o Estado. Um poder central a serviço do povo, responsável por uma educação igualitária e democrática.

Voltamos aqui a crítica apresentada anteriormente.

"Quando pensada como uma 'filosofia' ou uma 'política de educação', ela se apresenta juridicamente como um bem de todos, de que o estado assume a responsabilidade de distribuição em nome de todos. Mas se quer as pessoas a quem a educação serve são consultadas sobre como ela deveria ser." (pág.94)

"E, em qualquer tipo de ordem social, quanto mais a educação autoritária e classicista é expressão de um poder autoritário de uma sociedade classista, tanto mais ela procura apresentar-se como uma prática humanamente legítima, exercida em nome de leis legítimas e 'para o bem de todos'." (pág. 96)

"Estas afirmações teóricas ocultam o fato real de que o exercício desta educação consagra a desigualdade que deveria destruir. Afirmar como idéia o que nega como prática é o que move o mecanismo da educação autoritária na sociedade desigual". (pág. 97)

Qual é então a esperança, segundo o autor, na educação?

É a participação popular, a autonomia pedagógica dos costumes, hábitos, crenças etc. da comunidade, daquilo que é seu. As "culturas populares" devem ser respeitadas, incentivadas e financiadas pelo Estado. As escolas prontas que "invadem" as favelas, por exemplo, são vistas como algo oficial, não deles, mas do "dominador". Recorrem a elas mas as vêem como objetos estranhos.

"Eu não tenho dúvidas em afirmar que é entre as formas novas de participação popular, nas brechas da luta política, que, hoje em dia, surgem as experiências mais inovadoras de educação no Brasil". (pág. 107)

Fevereiro de 2009