A sabedoria da natureza
Livro: "A Sabedoria da Natureza" de Roberto Otsu. São Paulo: Editora Ágora, 2006.
Roberto Otsu apresenta neste livro algumas lições da Natureza, mais propriamente lições provenientes do taoismo e do I Ching, que foram apreendidas através de observações minuciosas de elementos da Natureza como as estações do ano, água, bambu, árvore e céu. Essas lições de sabedoria foram construídas através de comparações, metáforas e analogias. A imaginação associativa precisa ser exercitada e uma licença poética é tomada para que tais lições mostrem o seu pertinente valor. Não se trata aqui de fazer ciência ou construir teorias. Trata-se de lições de sabedoria onde a subjetividade e a intuição prevalecem mas nem por isso as tornam menos ricas.
As Estações
Tudo é mutação e impermanência. Nosso mundo é regido por leis onde a lei mais básica de todas é a mutação - tudo muda, tudo está em constante transformação. As estações do ano nos ensinam que, mais do que meras repetições de padrão ou círculos fechados, os fenômenos naturais acontecem em ciclos. Não voltamos exatamente no mesmo ponto, mas no "mesmo" ponto em outro patamar. Como uma espiral ascendente. A primavera volta a ser primavera mas não a mesma primavera, tudo já está diferente.
Reflexão: Durante o inverno temos a certeza de que a primavera chegará, o frio cederá espaço à vida e calor. Tudo a seu tempo, o ciclo acontecerá. E isto é a base da confiança e paciência do sábio.
A água
A água vai pelo caminho mais fácil. Ao encontrar um obstáculo a água não se detém ou luta contra ele, simplesmente dá a volta e segue seu caminho. Ao encontrar um buraco, preenche-o e segue o seu caminho. O caminho mais fácil não é necessariamente o mais rápido ou o mais curto. Ser fácil não significa não ser trabalhoso e demorado. Ser fácil é sentir afinidade e fazer com prazer, mesmo que demore e seja trabalhoso. O caminho difícil é aquele que traz sofrimentos desnecessários, onde não existe afinidade.
A água flui incessantemente. O rio flui, harmoniosamente, da nascente até o oceano. A água evapora-se, torna-se nuvem e cai novamente como chuva em um ciclo infindável. Sempre a mesma água. A água nos ensina que o fluxo é necessário, fluxo é vida. Água parada e sem vida apodrece. As coisas vem e vão em nossas vidas, tudo flui.
O oceano é grande por que está no lugar mais baixo. A humildade nos engrandece. Aquele que se julga importante não merece importância. A água não se julga importante, flui pelo caminho mais fácil e encontra o seu lugar no mundo: a imensidão do oceano.
O bambu
Depois de semeado, o bambu cresce somente após cinco anos. Dentro deste período ele permanece como um pequeno broto, mas a aparente inatividade nestes anos iniciais é falsa pois o bambu mesmo não crescendo em seu exterior, alastra a sua raíz por dezenas de metros dentro do solo. No quinto ano, então, o bambu cresce vertiginosamente até alcançar aproximadamente 25 metros. O crescimento da raíz é necessário para que o bambu tenha uma base sólida em que se apoiar. Firmada a base, cresce exponencialmente em uma explosão acelerada. O bambu sabe da importância da paciência e investimento de tempo e esforço para o crescimento interior (raíz) para então um posterior crescimento exterior.
O bambu conhece o seu espaço e não exige mais do que o necessário, para crescer 25 metros precisa apenas de uma área com raio de 1 metro. O bambu cresce reto e não "invade" o espaço vizinho. Tem desejos moderados. Ele possui nós distribuídos de tal modo que não o deixa muito rígido nem muito frágil. Ele tem flexibilidade suficiente para curvar-se diante do vento ou do peso da neve mas é rígido o bastante para não quebrar. Entre os nós, o bambu é oco, vazio. A física moderna já mostrou que a matéria é essencialmente vazia pois as partículas atômicas são 99% vácuo e 1% matéria ou energia. Não existe limite físico exato entre os objetos, tudo, de certa forma, está conectado e integrado pelo vazio. O pote é útil pelo vazio que nele está contido.
Reflexão: no mundo fenomênico onde tudo é matéria, energia, som, movimento, cores e sabores, o nada parece não ter espaço. Além deste tudo, então, só resta o nada. O nada é complementar ao tudo. Neste mundo material a essência e verdade só pode ser encontrada no nada, no vazio, no invisível. O vazio representa o tudo ao avesso. Esse nada é o Tao insondável, fonte de tudo. Nossa mente não vai além do mundo fenomênico, então só podemos chamar de nada o que está além dele. Mas o que chamamos de nada na verdade é um tudo além de nossa compreensão. Nesse sentido podemos dizer que o nada é tudo, é o Todo.
A árvore
A imagem da árvore é composta basicamente por três partes: a raíz, o tronco e a copa (galhos, folhas, flores e frutos). A raíz é o interior, a nossa mente e alma, a parte subjetividade do nosso ser que não é mostrada. O tronco é o corpo, o nosso eu físico. E a copa é o efêmero que ostentamos ao mundo (casa, carro, roupas, títulos, profissão etc). Podemos ver a copa como um fluxo em que a cada ciclo tudo se renova. As flores e frutos vem e vão, mas o tronco e a raíz permanecem. Devemos nos preocupar primeiramente com o interior pois daí derivará a bela copa.
A goiabeira dá goiaba. "Atarimae". É certo assim. Assim é que é. Se você quer goiaba plante uma semente de goiaba, e não de pêssego. Goiabeira não dá pêssego. É insensato exigir pêssego da goiabeira. A semente é o início, é a intenção. Intenção > ação > hábito > modo de vida > carma > intenção.
O céu
As lições do céu são principalmente sobre a dualidade dia e noite e as estrelas. A dualidade dia e noite remete ao conceito yin e yang, o par que se complementa no todo. Tudo é yin e yang, em maior ou menor grau, nada é absolutamente um pólo. Todos têm a capacidade de ser bom e mau, criar e destruir, amar e odiar. Tudo é luz e sombras. O ideal é buscar o equilíbrio entre os pólos complementares, sem exageros e fanatismos.
Estrelas são direções e não metas. Há certos conceitos nas tradições religiosas que podem ser vistos equivocadamente como metas (alcançáveis), como a Iluminação, Satori, Nirvana, desapego total e eliminação do ego. Tais conceitos não são metas, são como estrelas, apenas nos indicam a direção a seguir. Se tocamos nelas somos instantaneamente desintegrados. As estrelas existem para nos indicar o caminho, como navegadores no mar, apenas isso, portanto não devemos almejar alcançar, possuir ou tocar uma estrela. Esta tarefa não é humana. Se o apego e o ego existem é por que assim é. Podemos minimizar suas conseqüências danosas mas não eliminá-lo completamente. Se temos sombra dentro de nós é por que assim é. Podemos seguir o caminho da luz mas não conseguiremos, enquanto humanos, nos tonarmos seres de pura luz.
Reflexão: o agora é um só, todos os fatos incidem em um só momento, ou seja, tudo co-incide. As coincidências nada mais são que fatos que incidem ao mesmo tempo ou no mesmo lugar. Coincidências significativas são aquelas que trazem algum significado à pessoa que a vivencia, um significado particular.
Janeiro de 2009