Cibercultura

Livro: “Cibercultura” de Pierre Lévy. São Paulo: Editora 34, 1999.

O livro de Lévy traz muitas reflexões sobre o que ele denomina cibercultura, ou seja, sobre as implicações culturais, políticas e econômicas na sociedade planetária em virtude do crescimento exponencial do número de conectados ao ciberespaço.

Dilúvio informacional - o universal sem totalidade

O dilúvio informacional gera uma sensação de confusão e anarquia. O que é relevante no mar informacional do ciberespaço? Como encontrar ou filtrar aquilo que julgamos importante? O ciberespaço traz a idéia do universal sem totalidade. Universal por que é o espaço comum de interconexão e interatividade planetária sem qualquer tipo de fronteira. Sem totalidade por que torna-se inviável a tentativa de abarcar ou sistematizar toda a informação publicada no ciberespaço. Torna-se impossível a criação de uma espécie de enciclopédia. A cada dia, a cada hora, o ciberespaço cresce e transforma-se.

O virtual e o digital

O conceito filosófico de virtual é o potencial existente em algo. É potencial mas real, existente. A árvore existe virtualmente na semente. O conceito de virtual não é, portanto, antagônico ao de realidade. A colocação dos conceitos virtual / real em lados opostos não é verdadeiro do ponto de vista filosófico, salvo quando utilizado em linguagem cotidiana.

A virtualização no ciberespaço foi possível graças a técnica da digitalização. Toda existência virtual no ciberespaço é antes uma digitalização. Cada imagem, texto e som, é atualizado de modo perceptível e compreensível ao usuário do digital à existência virtual. Tudo é, em essência, bits, e estes, seqüências de 0´s e 1´s. A digitalização permite a transformação do conteúdo de forma fácil e rápida pois os dígitos podem ser submetidos a cálculos cada vez mais velozes. A foto, a música e os textos podem ser facilmente editados, transformados e reconfigurados.

A arte na cibercultura

Será desprivilegiado na cibercultura os autores e as gravadoras / editoras. Cada pessoa conectada terá disponível recursos suficientes para a sua própria produção artística no ciberespaço. A música tecno é o maior exemplo disso. Ela é criada coletivamente através de recortes e edições de músicas já existentes e colocadas em domínio público. A troca e a divulgação são abertas.

O Estado

O Estado também precisará articular-se e, portanto, transforma-se com o ciberespaço. A soberania do Estado existe em seu território. A idéia de território e fronteiras é vital para o Estado pois são em regiões geograficamente delimitadas que o Estado cria e faz cumprir as suas leis. Em quais territórios serão aplicadas as leis dos Estados no ciberespaço se esta não possui fronteiras claras?

Outra preocupação do Estado são as técnicas criptográficas que estão sendo disponibilizadas gratuitamente a qualquer pessoa. Trocas de mensagens criptografadas tornam-se inacessíveis aos olhos do Estado. As investigações e controles da comunicação justificadas pela segurança nacional são muito mais viáveis quando a comunicação é feita por rádio, telefone e cartas. A comunicação digital pode permanecer tecnicamente blindada a qualquer terceiro não desejável.

O ciberespaço torna-se um espaço privilegiado para as comunidades compartilharem seus problemas e possíveis soluções. A interatividade e a aproximação dos cidadãos fortalecerá a cidadania nas sociedades.

As grandes mídias e a censura

O ciberespaço é acêntrico não existindo grandes centros de difusão unidirecional tais como a televisão, a imprensa e o rádio. Toda e qualquer pessoa conectada ao ciberespaço pode, potencialmente, colocar a disposição hipertextos ao público internacional, planetário. As idéias e as comunicações são dificilmente controladas pela censura ou editores. O centro está em toda parte no ciberespaço.

Substituição x complexificação

Uma das maiores críticas ao ciberespaço é o argumento de que esta irá substituir algumas funções hoje consideradas vitais. Por exemplo, a afirmação de que a interação virtual substituirá encontros presenciais, o que é uma inverdade. Podemos recorrer a invenção do telefone para contra-argumentar. Quando o telefone foi criado as pessoas começaram a se comunicar cada vez mais a distância, sem a necessidade de uma se deslocar à casa da outra. Isso fez com quem as relações presenciais se extingüíssem? Não, e o que ocorre é justamente o contrário. As pessoas que mais conversam ao telefone são as que mais mantêm contatos presenciais com outras, onde o telefone é utilizado, dentre outras funções, para preparar e agendar encontros.

Outra analogia: quando o olho foi desenvolvido pela primeira vez nos seres vivos. Até aquele momento, a captação e compreensão da luz era algo inconcebível de modo que todos os seres vivos tinham que sobreviver através de recursos sensórios disponíveis, tais como o tato e o olfato. Após o olho ter sido evoluído esta substituiu o tato ou o olfato? Não, mas fez com que estas tivessem funções diferentes. E é isso que Lévy coloca: o ciberespaço não irá necessariamente substituir funções e sim complexificá-las. Perdas poderão existir, mas não uma mera substituição. O que se é feito hoje, o modo como as coisas são feitas, precisarão ser revistas frente a criação do ciberespaço. É o caso da escola. A escola não será simplesmente substituída pela Educação a Distância (EaD), mas sofrerá inevitavelmente reformulações e adaptações. A cultura de modo geral está sendo repensada em sua nova relação com a cibercultura. O ciberespaço articula-se com a realidade.

A crítica da dominação

Outra crítica comum ao ciberespaço é que esta é instrumento de comunicação das sociedades mais desenvolvidas sobre as mais pobres. Isso é verdade, em parte. O ciberespaço não passa de uma criação dentro do contexto do desenvolvimento histórico humano. Não foi um plano de um governo ou de uma grande empresa com objetivos escusos. O ciberespaço foi idealizado e cresceu vertiginosamente e espontaneamente como um processo "natural" dentro da sociedade. Por pequenos atores. Ela pode sim corroborar com a dominação já existente, mas isso só acontecerá por que assim a sociedade funciona hoje. Lévy é enfático neste ponto, considerando-se um filósofo humanista e otimista. Assim como qualquer outra técnica desenvolvida pela cultura humana, as suas utilizações serão definidas por uma escolha coletiva. Tais escolhas, obviamente, trarão conseqüências. O que ele preconiza é o ciberespaço como instrumento da inteligência coletiva e da emancipação do homem. O ciberespaço não pode ser condenado por crimes ou mal usos minoritários.

Abril de 2009