UM DIÁLOGO COM A COMUNIDADE DO DISCÍPULO AMADO

UM DIÁLOGO COM A COMUNIDADE DO DISCÍPULO AMADO

BROWN, R. E. A comunidade do discípulo

Amado / Raymond E. Brown;

(tradução Euclides Carneiro). – São

Paulo: Paulus, 1999.

O livro é divido em quatro fases: Antes do Evangelho, que resumidamente fala da origem da comunidade joanina (p.25), as suas fases de evolução, a sua cristologia e relação com os outros grupos, com os judeus e gentios, ou seja, descreve o assunto do livro especificando (aprofundando) no início, mas também lançando conceitos que são explicados nas próximas fases.

Desde a introdução do livro, na página onze, discute-se a autoria do livro “Pode-se então falar de eclesiologia Joanina? Ou a comunidade joanina é uma associação de cristãos individualistas, cada um unido a Jesus (...)?”. Porém, muito mais que a autoria, aponta neste trecho a diferença dos livros joaninos com os evangelhos sinóticos. Brown não é o primeiro, ou único a apontar esta discrepância, Boyer que segue uma Teologia mais confessional também demonstra esta diferença .

Assim, Brown sugere uma interdependência do Quarto Evangelho. Há controvérsias quanto ao autor, por exemplo, Hendriksen que afirma que o autor do Quarto Evangelho foi um dos Doze.

Existem, entretanto, problemas que desde já são citados para que o leitor se familiarize desde o início com a temática do livro. A primeira são as palavras que o livro não contém comparado aos evangelhos sinóticos, “outro desafio” à eclesiologia joanina é a oposição visível e acentuada a estranhos, questionam se a associação dos cristãos joaninos tornou-se uma seita.

E nesta espécie de sugestão quanto a forma de leitura do evangelho, consecutivamente a sua maneira de abordagem evangélica do livro diz: “O Quarto evangelho deve ser lido em diferentes níveis, de modo que ele nos narre, tanto a história de Jesus, quanto a da comunidade que cria nele” (p.15).

No período primitivo a comunidade joanina constava de judeus , cuja fé em Jesus envolvia uma Cristologia relativamente baixa, os milagres (básicos) são do mesmo tipo encontrado nos sinóticos, porém posteriormente a comunidade joanina passou a ter uma elevada cristologia, onde as diferenças para os sinóticos, basicamente encontram-se na pré-existência de Jesus.

O discípulo amado tinha uma preferência, ou melhor, uma autoridade privilegiada quanto aos outros discípulos no meio da comunidade, assim, “a afirmação de que eles possuíam o testemunho do Discípulo Amado possibilitava aos cristãos joaninos seus pontos de vista peculiares em cristologia e eclesiologia” (p.32). Esta particularidade para com o discípulo amado ocorre devido à semelhança do discípulo e da comunidade na identificação cristológica (p.34).

Porém com esta cristologia mais alta houve uma separação (e um conflito) entre a comunidade e os judeus “que acusam que Jesus está sendo deificado” (p.38), algo inconcebível para os judeus ter Jesus como igual a Deus já que esta foi a atitude de Lúcifer, assim declaravam que a comunidade tinha elementos samaritanos, estavam proclamando um segundo Deus, ou seja, era “uma batalha sobre cristologia” (p.45).

Devido ao confronto cristológico, o cristianismo joanino desvinculou-se do judaísmo (p.52), outra diferença está na escatologia porque “Para os evangelhos sinópticos a vida eterna é um dom que se recebe no juízo final ou no mundo futuro, mas para João é uma possibilidade presente” (p.53).

A segunda fase estuda Quando o Evangelho foi Escrito e como era a relação de João com os estranhos, com os diferentes grupos existentes, tanto os que acreditavam em Jesus e o seguiam de sua maneira particular, quanto aos outros grupos que não aceitavam esta nova religião que estava se fundamentando.

As relações de João com os estranhos são fundamentais para a compreensão do evangelho assim, existe aqueles que são do mundo, ou seja, aqueles que não são de filhos de Deus, mas filhos do diabo por não optarem em crer em Jesus, sendo este o primeiro grupo (p.65); o segundo grupo são os judeus (p.68), que de modo semelhante aos do mundo são filhos do diabo pelo mesmo motivo, discordarem de João quanto a quem é Jesus, este grupo perseguiu os joaninos e expulsaram da sinagoga todo aquele que cresse em Jesus como o Messias. Alguns adeptos de João Batista (o terceiro grupo) juntaram-se a Jesus, porém, para eles João Batista era o “emissário primário” não Jesus (p.72). Além destes que não acreditaram em Jesus, existiu grupos que acreditaram, mas diferente de João, portanto, são também estranhos, como os criptocristãos, que são judeus cristãos que não tiveram coragem de se arriscar, de assumir a sua identidade e permaneceram dentro da sinagoga (p.74). O quinto grupo é formado por cristãos que largaram o judaísmo, mas não se encaixaram na teologia joanina, por exemplo, quanto a cristologia elevada (p.77) e “rejeitaram uma compreensão altamente sacramental da euricaristia” (p.82). O sexto grupo, os cristãos das igrejas apostólicas, discorda de João no “aspecto preciso de cristologia que falta na fé dos cristãos apostólicos é a percepção da preexistência de Jesus e de sua origem do alto”. (p.89). Assim, por se considerarem herdeiros de Pedro e dos Doze marca-se a diferença entre os joaninos (p.84).

Quando foram escritas as epístolas? Questão da terceira fase onde são discutidas e apresentadas as características da época em que provavelmente foram escritas as cartas e os temas nelas discutidos.

No ano 90 d.C. aproximadamente o evangelho foi escrito e a história da comunidade do discípulo amado continua (p.97), assim são escritas as epístolas (segunda e terceira de João) que são cartas de uma página escritas pelo mesmo homem que se chamou a si mesmo “o presbítero”, cuja responsabilidade estava na administração e no cuidado pastoral da Igreja. Provavelmente todas as três pertencem a mesma fase histórica, entretanto, não foram escritas pelo Discípulo Amado (p.99). Existem diferenças do evangelho para as epístolas, entre elas, o grupo de relacionamento da comunidade, “enquanto o evangelho reflete o relacionamento da comunidade joanina com os de fora, as epístolas se ocupam com os de dentro” (p.101).

Os principais pontos de conflitos entre o autor e seus adversários estão na Cristologia; a cristologia da comunidade joanina era elevada, como em todo o livro é falado, este é o cerne de sua mensagem, também motivo que os levaram a separação do judaísmo-mãe e a sofrer perseguições (p.115), assim, cada vez mais eles ficavam mais firmes em suas convicções, já que uns tinham morrido pelo que acreditavam.

E por último, Depois das Epístolas, ou seja, as consequências que provocaram na História da Igreja, como foi a história do quarto evangelho no século II, também neste século Brown fala dos separatistas e heterodoxia e por fim, os adeptos do autor.

Aqui, nesta parte do livro, a introdução do capítulo é feita de maneira espetacular, de modo que resume todo o seu conteúdo. Portanto, transcreverei o seguinte trecho:

“(...) é muito provável que os dois grandes grupos fossem absorvidos respectivamente pela ‘Grande Igreja’ e pelo movimento gnóstico. Os adeptos do autor teriam dado a sua própria contribuição à Grande Igreja. Os separatistas teriam dado a sua contribuição ao gnosticismo.

Mas em ambos os casos a comunidade joanina adaptara de tal modo que a sua própria herança em favor do grupo mais amplo, que a identidade peculiar do cristianismo joanino, que conhecemos pelo quarto evangelho e pelas epístolas, teria deixado de existir”. (p.151 e 152).

Observações:

Estudar este livro foi importante para a minha familiarização com os termos teológicos, como Cristologia Alta e Baixa, entre tantos outros termos que até então eram desconhecidos por mim, além do conhecimento que pude adquirir, ou uma breve noção, de dados históricos dos primeiros cristãos. Estudar a origem do Cristianismo e a formação, escrita, dos evangelhos permite uma maior compreensão da igreja atual, pois: “A cristologia joanina é muito familiar aos cristãos tradicionais porque ela se tornou a cristologia dominante da Igreja (...) pode ser chamada a mais elevada do N.T” (p.47). Ou seja, o que a comunidade joanina definiu como verdade naquele tempo permanece em muitas teologias cristãs protestantes, até porque o protestantismo baseia-se na Bíblia. Eu não conseguia identificar claramente a diferença do quarto evangelho com os sinóticos.

O quarto evangelho por ser teológico e não apenas relatos históricos (como alguns sugerem que sejam os sinóticos) me interessaram, pois transmite mensagens claras, outras vezes obscuras, de quem seja o Cristo na perspectiva do autor.

Achei interessante o olhar histórico, pois se tivesse que resumir a abordagem de Brown em uma palavra diria isso, Brown estudou historicamente o evangelho. E nesta abordagem histórica apresentou diversos estudos já realizados, várias fontes de pesquisas o que confere ao leitor uma gama maior de ferramentas para sua pesquisa pessoal, porém, torna-se cansativa a leitura, já que o conteúdo é muito denso e enfadonho.

Entretanto, recomendo a historiadores e aos meus colegas seminaristas estudantes de Teologia, para que tenham um aprofundamento de conhecimento do evangelho de João, pois observando a autoridade de Brown ao escrever, e seus anos de estudo, é inevitável o reconhecimento de sua capacidade ao abordar tal livro.

Bibliografia

BROWN, Raymond Edward. A Comunidade do Discípulo Amado/ Raymond E. Brown; [tradução: Euclides Carneiro da Silva]. – São Paulo: Paulus, 1999.

DODD, Charles Harold. A interpretação do Quarto Evangelho/ Charles Harold Dodd; [tradução: José Raimundo Vidigal]. – São Paulo: Teológica, 2003.

HENDRIKSEN, William. O Evangelho de João/ William Hendriksen; [tradução: Elias Dantas e Neuza Batista]. – São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

BOYER, O. S. João: O Evangelho do Filho de Deus. Rio de Janeiro, 1964.

GRENZ, S. J. e OLSON, R. E. A Teologia do Século XX: Deus e o mundo numa era de transição; [tradução: Suzana Klassen]. Capítulo 10: Reafirmando o Equilíbrio: o amadurecimento da Teologia Evangélica. P.347. - São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

Priscila Guerra Prado
Enviado por Priscila Guerra Prado em 18/06/2010
Reeditado em 18/06/2010
Código do texto: T2327833