Por que sou gorda, mamãe?

MOSCOVICH, Cíntia. Por que sou gorda, mamãe?. Rio de Janeiro: Record, 2006. 252 p.

Por

Gisélia Evangelista

Ganhadora do Prêmio Açorianos de Literatura, com livro de estréia “O reino das cebolas", lançado em 1996, também indicado ao Prêmio Jabuti, repetindo a premiação com o livro “Duas iguais - Manual de amores e equívocos assemelhados", em 1999, a gaúcha, Cíntia Moscovich, escritora, jornalista e mestre em Teoria Literária, lançou em 2006, pela editora Record, o livro. 'Por que sou gorda, mamãe?'

Este novo livro repete a temática dos anteriores como o judaísmo e relações afetivas e familiares, no entanto inova ao trazer a tona o tema da obesidade com doses de ironia e humor, sendo ao mesmo tempo dramático.

Narrado em primeira pessoa por uma personagem-narradora, cujo nome não é mencionado, que é escritora e engordou 22 quilos em apenas quatro anos, o romance mostra a luta da personagem contra a obesidade bem como a tentativa de descobrir as suas possíveis causas.

A personagem adentra em sua própria história e supõe que as razões de seu sofrimento podem estar no passado.

O enredo se desenvolve a partir de uma carta que a personagem narradora, que é judia, escreve à mãe e avisa sobre o início de um regime. Nesta carta ela não deixa de mencionar a difícil chegada de suas avós, uma gorda e uma magra, ao país, a saudade do pai, já morto, os problemas da adolescência e principalmente a dificuldade de relacionamento com a mãe, que é magra e esbelta, não necessitando passar pelas humilhações que passam os “gordinhos’, nem pelo sacrifício dos exercícios físicos. Não raras vezes são feitas comparações sobre as duas: “eu sabia que não era bonita nem atraente. Era só nos comparar, as duas. Eu era criança, mas não era burra”.

. “Por que sou gorda, mamãe?”, mesmo que induza o leitor a pensar, por causa do título, ser mais um livro de auto-ajuda, não o é, pelo contrário, a base deste romance diz respeito ao que uma geração pode transmitir para a outra, seja transmissão do amor, do ódio, ou até de hábitos alimentares ou características familiares.

É um livro sobre acertos de contas consigo mesma, mas, também, sobre uma escritora que, afinal, assume o seu ofício de escritora integralmente.

Os relatos feitos no romance são longos, com muitas pausas e ás vezes até truncados, grande parte dotada de doses de ironia. A dificuldade de relacionamento entre mãe e filha também é explorado, como no trecho abaixo:

Vovó fora acusada de desamor anos a fio, eu já havia escutado aquela história antes. Mas parecia naquele momento algo mais severo e grave. A vó continuou com o rosto escorado pela mão olhando os bicos dos sapatos, como se tudo dependesse dos bicos dos sapatos – e eu me meti numa conversa de adultos, numa conversa que não era minha, me interpus entre vocês duas, e pedi que a senhora, mamãe, parasse com aquilo, a senhora estava maltratando a avó. (...) E foi só então que a senhora viu que eu estava na sala, e levantou a mão para mim, como quem vai desferir um tapa, e eu cobri o rosto com o braço, e o tapa não veio, felizmente não veio, e a senhora levantou o queixo, orgulhosa como quem diz a verdade de uma vida, e passou os dedos entre os cabelos, ajeitando o penteado desfeito à altura da nuca, e saiu dali com passos pesados de neurose, rejeição e trauma. (MOSCOVICH, 2006)

É obvio que Moscovich não deixa de tratar no livro das crises de auto-imagem dos obesos, do ódio do próprio corpo e da ambigüidade entre o amor ao alimento que lhe dá prazer, e da comida que a engorda. No entanto, como já mencionamos não se trata de livro de auto-ajuda, a obra não sugere nenhuma receita milagrosa para que se saia da crise.

REFERÊNCIAS

SPALDING. Marcelo. Com a palavra, as gordas, feias e mal amadas. Disponível

http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2165. Acesso em 25 mar. 2010.

ENCICLOPÉDIA. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cintia_Moscovich. Acesso em 22 abr. 2010.

www.cintiamoscovich.com. Acesso em 25 abr. 2010.