Preconceito linguístico, Marcos Bagno
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz? 12 ed. São Paulo: Loyola, 2002.
Para iniciar o livro Preconceito lingüístico, o doutor em Lingüística, Marcos Bagno, lança mão de duas assertivas interessantes, que fazem jus as suas idéias. A primeira, de cunho lingüístico, diz que “só existe língua se houver seres humanos que a falem” (p.09) e a segunda retrata a ideologia do filósofo grego Aristóteles, o ser humano “ é um animal político” (p.09). Tal afirmativa respalda a postura politizada do autor ao longo da obra.
Em meio a metáforas e comparações, Bagno frisa que o preconceito lingüístico é engendrado, em boa medida, pelo pouco discernimento que há entre língua e gramática normativa. Ao término do prefácio, o autor explica que a capa do livro em questão é protagonizada por seus sogros e cunhado – nordestinos, negros e pobres – representantes verossímeis dos preconceitos sociais, dignos de homenagem em seu livro que visa diluir idéias excludentes.
Em princípio, na primeira parte do livro são enumerados oito mitos que envolvem a língua portuguesa. Segundo Bagno, o mito inicial, “a língua apresenta uma unidade surpreendente” (p.15), é o mais nocivo, pois é nele que consiste a idéia de homogeneidade do falar de milhões de brasileiros, ou seja, tenta-se impor a norma do português – padrão dominado pela classe hegemônica, independente das diferenças culturais de cada região. Uma vez que milhares de falantes não têm acesso à educação acadêmica e utilizam a língua não- padrão, esta não reconhecida como válida, se falantes são ridicularizados e são alvos de características depreciativas. Para reverter essa realidade, espera-se que as diversidades de normas do português brasileiro sejam reconhecidas não só nos PCNs, mas também que se propaguem nas salas de aulas.
O mito dois emerge das opiniões forjadas impregnadas em nossa cultura. Estas corroboram para inferiorizar o português do Brasil. Há, portanto, os profissionais que adotam o português lusitano, prescrevendo-o em detrimento dos recursos lingüísticos convencionados à fala dos brasileiros.
No âmbito da presente discussão, o mito três enfoca a falta de adequação da gramática normativa ao “português brasileiro” e a perdurável crença de que “português é muito difícil”. Isso ocorre porque o comportamento lingüístico pragmático não condiz com o ensino gramatical tranmitido nas escolas.
Dando seqüência a serie mitológica, o mito quatro fala de um fenômeno que, para muitos, soa como “erro”: o rotacismo – troca do “l” por “r”, nos encontros consonantais. Sob a perspectiva lingüística, tal fenômeno é perfeitamente aceitável.
Cabe ao mito cinco destacar que é lugar-comum afirmar que o dialeto maranhense é o mais correto, graças ao emprego do pronome pessoal “tu”. Em contrapartida, o professor Pasquale Cipro Neto afirma que “no cômputo geral, o carioca é o que se expressa melhor sob a óptica da norma culta”. Entretanto pesquisas sociolingüísticas confirmam que a variedade culta falada pelas pessoas da classe culta é expressa igualmente bem, em qualquer lugar, pois há uma norma culta urbana geral brasileira.
O sexto mito, “o certo é falar assim porque se escreve assim”, advoga a supervalorização da escrita, no entanto “ A língua escrita é uma foto 3X4 [...]. Tem alguma coisa a ver com a língua, mas nem se identifica com ela nem a retrata detalhadamente” ( POSSENTI,2001:79). Bagno comenta que é relevante uniformizar a ortografia a fim de que todos leiam os códigos e compreendam a mensagem, porém é inviável uniformizar a linguagem oral.
No mito sete, a concepção de que a qualidade textual é simultânea à prática ipis literis da gramática é criticada por Bagno no seguinte período: “ora, os escritores são os primeiros a dizer que a gramática não é com eles!” (p.63) e nem por isso são taxados de ignorantes ou deixam de ser exímios escritores”.
O último mito “norma culta é um instrumento de ascensão social” justapõe-se à ideologia e à prática de muitos docentes e educadores. Bagno lança sua opinião no trecho a seguir: “ o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um individuo carente”
No desfecho do livro, Bagno compila e transcreve trechos de alguns artigos publicados em jornais, geralmente escritos por gramáticos, cuja temática é objetar, julgar e banalizar os profissionais engajados na realização de estudos e pesquisas lingüísticas.
Marcos Bagno proporciona aos leitores do livro em pauta uma obra bem elaborada e perspicaz, contendo conceitos ordenados, pertinentes, embasados em informações de caráter cientifico. Uma vez que o livro esclarece o quão é daninho adotar (pre) conceitos associados à linguagem tem como destinatários todos os que vivem em sociedade e convivem com as diferenças com o outro, além dos futuros e presentes professores, estudantes de Letras, pedagogos. Afinal, estar isento do preconceito é muito mais que não manifestá-lo, é conhecer, analisar e adquiri uma óptica amplificada para o diferente.