Uma Noite em Malnéant

Sinopse:

Jovem andarilho consumido pela culpa e remorso por ter

influenciado indiretamente a morte da sua amada, vai parar

em uma misteriosa cidade chamada Malnéant. Pertubado

pelo funéreo badalar dos sinos que o faz retornar a memória

da sua amada e vagando por ruas tortuosas à procura de uma

pensão para passar a noite, ele toma contato com soturnos mo-

radores que se preparam para um misterioso rito funeral e, para

sua surpresa, descobre que a defunta compartilha do

mesmo nome da sua falecida. Confuso e atordoado, comple-

tamente consumido pelo remorso intensificado pelo badalar dos

sinos, o jovem encontra acidentalmente a catedral onde o rito se

desenrola e para lá se dirige a fim de aplacar a dúvida que o con-

some.

Crítica:

Nesta belíssima fábula sobre morte e culpa,

Malnéant é menos a representação física de uma cidade

que um eco e reflexo da geografia e estado mental

do protagonista: ruas estreitas e tortuosas aparente-

mente sem direção, badalos funéreos que intensificam

as sensações de culpa, remorso, arrependimento,

e melancolia, moradores soturnos que parecem compartiilhar

da dor do protagonista, névoas que encobrem ruas

e ofuscam arquiteturas...

A história tem um ritmo e unidade atmosférica mara-

vilhosos, se lê mais como um poema longo que um

conto propriamente dito. As "pinturas verbais" e imagética

do Smith são de uma beleza ímpar. Em especial a cena

em que ele contempla dentro da catedral congelada no tempo

(o autor sugere que a cidade, e a catedral em particular,

"existem" em um time-stream e/ou espaço temporal isolado

e a parte do nosso) a amada e uma lágrima se congela no

vácuo ou "gelo" temporal (é como se o momento da morte

congelasse no tempo ad infinitum).

A Night in Malnéant é extremamente vago e ambíguo

e alguns pontos não ficaram muito claros , mas por outro lado,

talvez pela riqueza simbólica, caráter ambíguo ou força poética,

me deixou uma profunda impressão como poucas histórias

me deixaram e acabei por reler mais duas vezes (nada me

garante que eu não vá lê-lo novamente nos próximos dias!!!!).

Autores geralmente são os piores críticos de suas obras,

mas neste caso o Smith acertou em cheio ao selecioná-lo para

lendário panfleto/chapbook The Double Shadow and

Other Fantasies resenhado entusiasticamente pelo Lovecraft

no igualmente lendário ensaio O Horror Sobrenatural na Litera-

tura.

Fica difícil imaginar este conto sendo publicado em uma

revista como a Weird Tales: durante sua vida criativa Smith

sofreu e penou com as constantes rejeições de seus contos

e muitas vezes era obrigado a reescreve-los

(leia-se: imbecilizá-los) com o intuito de torná-los mais pala-

táveis para o leitor médio (isso QUANDO conseguia conseguia

publicá-los).

Frequentemente o Farnsworth Wright (editor da revista em

em sua golden age) ) retornava os manuscritos ao autor

com comentários do tipo: "muito bom, mas não se adequa

ao público da revista" o que em outras palavras queria dizer:

bom e sofisticado demais para a revista (o Lovecraft

passou por semelhante situação durante sua vida criativa)

e a triste verdade é que na maioria das vezes o Wright

estava certo, pelo menos no que diz respeito ao gosto do

público médio (o Lovecraft e o Smith eram mais "conhecidos"

na época mais pela INTENSIDADE da admiração de alguns

leitores que pela quantidade de leitores. Uma das ironias

é que a grande maioria dos escritores populares da época

hoje não passam de meras curiosidades históricas enquanto

que uns poucos visionários hoje gozam de crescente

popularidade a ponto do Lovecraft ser incluso na seleta

coleção The Library of America ao lado de gigantes como o

Hemingway e William Faulkner).

A Night in Malnéant é o tipo de conto que costuma

dividir opiniões (quando o lí não tinha a menor idéia

do que esperar) e para leitores que gostam de contos

classicamente estruturados com enredos claros, precisos, sem

ambiguidade e obliquidade poderá desagradar e irritar,

mas como externalização de culpa e remorso provocado

pela perda de uma pessoa querida o conto é uma obra

prima.

Poe e Dunsany em seus túmulos frios, escuros e claustrofóbicos,

estão rindo à toa com tão bela homenagem aos seus escritos.

Cotação: ***** de *****

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 28/04/2010
Código do texto: T2225823
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.