Os Contos Góticos Sulistas de Eudora Welty
Crítica:
A tradição literária do sul dos EUA
que ficou conhecida como Southern Gothic
(Gótico Sulista) rendeu (e ainda rende) alguns
dos mais interessantes e originais escritores
do século XX. Da densidade estilística e dra-
mática do William Faulkner, a precisão lin-
guística da Katherine Anne Porter, da melan-
colia, lirismo e calor humano da Carson
Mccllures ao realismo brutal da Flannery
O'Connor, o Gótico Sulista, ainda que
tematicamente um tanto repetitivo, ainda
hoje encanta e fascina com sua galeria
de grotesques, desajustados, intolerantes,
sua atmosfera regionalista outonal e sense
of place.
Eudora Welty talvez seja a mais enigmática
e sem sombra de dúvida a mais versátil e
aventurosa escritora dessa tradição. Dona
de um estilo de difícil classificação que
incorpora elementos tão díspares que
vão do naturalismo clássico ao surrealismo
e prosa poética, transparecendo em alguns
contos um surrealismo sutil e um proto-realismo
mágico, o laboratório linguístico da Welty não
para e o resultado é um experimentalismo sutil
muito bem dosado, sem nunca cair para um
experimentalism for experimentalism's sake.
Lendo alguns de seus contos percebe-
mos a clara influência dos seus escritos na
obra do Ray Bradbury cuja coletânea Os Frutos
Dourados do Sol compartilha tom, temas e até o
idêntico título.
A Curtain of Green é sua coletânea clássica e
a julgar por Death of a Traveling Salesman (seu
primeiro conto publicado) Welty já "nasceu pronta".
Alguns contos clássicos como Lilly Daw and
the Three Ladies são quase monólogos, mas a
meu ver Welty mostra todo seu poder de fogo
em contos com mais narração: neles ela imprime
uma atmosfera ambígua, intimista, as vezes per-
tubadora e angustiante. Sua narração ora é leve e
seca, ora densa, poética e com alta dose de lirismo.
Dos contos dessa segunda categoria destacaria os
soberbos Death of A Traveling Salesman que
narra as últimas horas de um caixeiro viajante
marcado por uma existência vazia. A Curtain
of Green é uma densa fábula sobre os efeitos
do isolamento físico e espiritual. The Whistle
nos conta a história de um casal de idosos
e seus esforços para salvar sua plantação
da nevasca. The Worn Path pode ser lido como
uma alegoria religiosa repleto de simbolismos.
Pelo seu approach ambíguo e oblíquo Welty
pode não ser uma escritora lá muito digerível
para leitores de gosto católico, mas quem
quiser se aventurar em uma escrita sulista
mais experimental, Welty é obrigatória.