Novamente apaixonada...
Ainda levarei você para a cama por muitos dias...
Já perdi a conta dos meus amores. De alguns me lembro com mais emoção e sempre os procuro para um reviver. Quando o peito aperta e me sinto muito aturdida e sozinha é deles que me recordo. É neles que busco um colo, o consolo, a palavra amiga. Um outro enlace possível. Eles me fazem crer que não só um E.T. e que tenho e já tive pares.
São encontros quase insólitos. O primeiro, grande e verdadeira emoção, eu tinha uns 13 anos, era estrangeiro, e foi uma amiga da escola quem o apresentou. Depois, tive paixões que nasceram de tardes perambulando em shoppings. Mais tarde, em meio a uma confusa separação, foi me revelado aquele que mudaria totalmente minha forma de agir no mundo, dessa vez um homem sem nacionalidade certa. E, ainda, um mineiro virginiano, que, especialmente, me conquistou pela internet, o Rubem. O último (e atual) encontrei em um café, no início desta semana.
Estava lá procurando gente atual, que ouvisse as minhas angústias e falasse das próprias. Estava praticamente sem esperança quando, de repente, uma voz vinda do longe, de uma prateleira de canto, me chama “é preciso duvidar de tudo”... Olhei para aquele “nanico”, quase encolhido perto dos grandalhões que estavam próximos e pensei é você! Uma roupagem lilás e sóbria, ao mesmo tempo aconchegante.
Na mesma hora, fiquei encantada pensando o que seria aquela senha “é preciso duvidar de tudo...”. Imediatamente não consegui mais tirar meus olhos dele e, feito sede de deserto, comecei a sugar suas palavras. A primeira frase foi “minha vida foi produzir”. E eu queria que ele me dissesse mais.
Comecei, então, atentamente a sorvê-lo, me deliciando a cada nova fala. Quis saber tudo sobre sua vida. Onde nascera, quem eram seus pais, se tinha irmãos, o que motivava sua vida, se tinha filhos, mulheres. Tudo. Senti-me novamente com 13 anos quando conheci Friedrich.
Na medida em que eu mais sabia sobre ele, ainda mais curiosa ficava. Ele era um dinamarquês, nascido em maio (taurino!), filho de um comerciante e de uma doméstica. Caçula de sete irmãos, quando nasceu seu pai tinha 56 anos e sua mãe 45.
Apesar de melancólico como seu pai, dizia não poder ser mais um homem entre tantos outros homens (não era mesmo!). Não aceitava idéias vindas de cima para baixo, sem questionamento. Aos 28 anos, fez sua tese de doutorado sobre Sócrates. Eu começava a admirar seu brilhantismo.
Para ele, o mais importante que a busca de uma, ou algumas verdades gerais, era a busca por “verdades” que fossem significativas para a vida de cada indivíduo, para cada um. O que interessava era o existir, experimentar, vivenciar e não seguir “teorias”. Completava dizendo que os teóricos eram como construtores de grandes castelos, mas que na realidade moravam em celeiros e que a verdade é subjetiva, pois o que é realmente importante é pessoal.
Nossa! Como ele me lembrava Moreno, um amor que conheci aos 32 anos e que repetia a importância do aqui-agora, do ser espontâneo e criativo, e da verdade do sentir de cada um.
Eu ficava cada vez mais inebriada e sua história continuava. Descobri que gostava de usar muitos pseudônimos e que cada um era responsável por defender uma idéia diferente para não haver “confusões” com sua própria pessoa, pois não passaria um dia sequer de sua vida sem escrever pelo menos uma linha. Talvez, uma forma de se proteger e ao mesmo tempo não se calar (será?).
Atentamente eu o ouvia falar das escolhas em ser o que se pode ser ou “uma cópia” daquilo que ditam a sociedade e a pressão cultural. Dizia das inúmeras possibilidades, da liberdade de ir por um ou outro caminho e a angústia que vem daí, pelo fato de se “existir”. As transformações pessoais, as mortes e renascimentos diários, que "a angústia é a possibilidade de liberdade: somente a angústia, através da fé, tem a capacidade de formar, enquanto destrói todas as finitudes".
Meus olhos brilhavam, minha paixão estava consumada. Eu queria aquele homem cada vez mais perto de mim para ouvi-lo, absorvê-lo, enamorar. Assim, foi meu primeiro encontro Kierkegaard. Levei-o para casa. Deitei-me ao seu lado. Tivemos nossa primeira noite, entre tulipas de cerveja bem gelada.
À meia luz, compartilhamos nossas incertezas, medos, desejos. Lá estava ele, jovem, me ensinando que "Se alguém souber tirar proveito da experiência da angústia, se tiver coragem de ir mais além, então dará à realidade outra explicação: exaltará a realidade e, até quando ela pesar duramente sobre ele, recordar-se-á de que ela é muito mais leve do que era a possibilidade". É preciso duvidar de tudo... Exceto de mim mesma!