AS REGRAS NO DISCURSO DO MÉTODO
“Como escreve nas Regulae ad directionem ingenii, Descartes queria apresentar regras certas e fáceis que, sendo observadas exatamente por quem quer que seja, tornem impossível tomar o falso por verdadeiro e, sem qualquer esforço mental inútil, mas aumentando sempre gradualmente a ciência, levem ao conhecimento verdadeiro de tudo o que se é capaz de conhecer” (REALE, 1990, p. 361). Entretanto, no Discurso do Método tem apenas quatro regras: Só aceitar idéias claras e distintas; Dividir cada problema em tantas partes quantas forem necessárias para a sua solução; Ordenar os pensamentos do simples ao complexo; Verificar exaustivamente se há algum lapso. Ele usou como caminho para formular o método, a dúvida, e a partir dela que o método que proporcione o aumento gradativo do conhecimento, levando-o passo a passo a seu ponto máximo, que seria a certeza. Na filosofia, não consegue encontrar nada que não seja objeto de discussão, sendo, por isso duvidoso. Com respeito às demais ciências, na medida em que buscam os seus princípios na filosofia, acredita não se poder ter construído nada firme sobre bases tão pouco sólidas, com isso teria que usar o método para construir bases sólidas, que poderiam sustentar toda a estrutura do edifício do conhecimento. “Todavia, mesmo com respeito à aritmética e à geometria, a dúvida é possível. Pode ser que Deus me faça cometer erros sempre que procuro contar com os lados de um quadrado ou somar 2 mais 3. Talvez seja errado, mesmo na imaginação, atribuir-se tal maldade a Deus, mas poderia haver um diabo mau, não menos a sua habilidade para me fazer errar” (RUSSELL, 1969, p. 89). Acho, que Descartes deixou-se convencer de que o argumento era bom, pois, cada passo do argumento era claro e distinto. Portanto, Descartes agora tem Deus e Deus não é enganador. Mas para ele chegar até aqui ele teve de confiar nas duas idéias claras e distintas como fontes de verdade. Apesar de tudo, não haverá uma terrível falha neste Modo de proceder? O que aconteceu com o gênio maligno? Não poderiam até mesmo as nossas idéias claras e distintas levar-nos a errar? Para eliminar esta possibilidade, ao que parece Descartes retrocede e usa Deus, o qual seria uma garantia de toda a certeza e verdade. Os interpretes de Descartes mencionaram a aliança entre a sabedoria procurada por ele e a ciência, no Discurso do Método. Montaigne disse: “A resolução, por si, de nos libertarmos de todas as opiniões que antes aceitávamos como verdadeiras não é um exemplo que todos devam seguir; e o mundo é quase só composto por duas espécies de espíritos aos quais ele não convém de forma alguma” (PHILONENKO, 2001 p. 75). Com isso ele procura colocar em evidência que alguns homens tinham que colocar em dúvida as suas opiniões, e outros deveriam contentar em segui-lo, porque seriam enganados pelos espíritos caso tentassem criar algo. Por um lado se admitirmos a dúvida, duvidamos de tudo, excerto da razão, e se não duvidarmos da razão, não duvidamos de nada, uma vez que, sem preconceitos, as coisas viriam necessariamente com clareza e distinção. “Se, por exemplo, uma coisa me decepcionou um vez, uma única vez, considerá-la-ei não fiável, qualquer que seja a forma em que ela se apresente. Cientificamente, é neste ponto exato que as epistemologias modernas se distinguem do pensamento cartesiano. A física moderna assenta nas probabilidades e só suporta uma epistemologia não cartesiana” (PHILONENKO, 2001, p. 87-88). Alguns filósofos o criticam pois, a dúvida cartesiana, ainda que qualquer criatura humana a pudesse atingir, seria inteiramente incurável, e nenhum raciocínio poderia jamais conduzir-nos a um estado de certeza e convicção sobre o que quer que fosse. O próprio Descartes parece dizer que o melhor das idéias claras e distintas e que, quando as temos, não podemos duvidar delas. Isto não é propriamente uma certificação pela razão, mas antes o mesmo tipo de poder natural. Neste aspecto, o problema dele seria confiar demasiado nos poderes da razão.
Portanto, acho que as regras por si só, não seriam suficientes para verificar alguma verdade de tal forma clara e distinta que se subtraia a qualquer razão de dúvida. Pois, tanto podemos levantar dúvidas em áreas específicas como globalmente, à maneira de Descartes. Uma pessoa poderá estar convencida de que temos, digamos, conhecimento científico, mas ter muitas dúvidas em relação a outros conhecimentos. Com isso descobrimos áreas onde não é necessária a dúvida, mas apenas um pouco de cautela, para ficarmos inseguros.
BIBLIOGRAFIA:
PHILONENKO, Alexis. Reler Descartes. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
REALE, Giovanni. História da Filosofia: Do humanismo a Kant. - volume 2. São Paulo: Paulus, 1990.
RUSSELL, Bertrand. Descartes. In: História da Filosofia Ocidental – livro terceiro. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969.