Aula
BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone- Moisés. 7 ed. São Paulo: Cultrix,1977.
No seu retorno ao Colégio de França, o teórico estruturalista Roland Barthes desmitifica a singularidade do poder e da apropriação deste na linguagem, cujo código é inerência humana: a língua. Durante o período que passou em um sanatório, o escritor Frances leu obras de nomes de suma importância para sua vida acadêmica, profissional e pessoal, autores como Sartre, Camus, Michelet, Lacan e Foucault, sendo suas principais influencias e mais tarde seus amigos e professores.
O poder é descrito por Barthes como múltiplo, isto é, não se limita a um tipo de discurso ou a uma determinada classe social e ironiza os que fingem não saber de tal pluralidade. Entende-se melhor tal assertiva no trecho a seguir: A “inocência” moderna fala como se o poder fosse um: de um lado, aqueles que o têm, de outro, os que não o têm; (p.10). Tal multiplicidade desencadeia uma forma de manipulação e servidão que carrega na essência do enunciado o efeito de escravizar o sujeito até na sua ação mais ínfima de expressar, a partir daí a língua exala sua autonomia sobe o ouvinte-falante.
Nota-se que a fala é associada a um arsenal poderoso e perdurável, próprios dos indivíduos, distante de ser útil apenas para comunicar, pois não há neutralidade no isso dos signos, mas um árduo trabalho favorável aos interesses do sistema alimentício da soberania, afirmação que Barthes enfatiza na seguinte passagem: Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada. (p.13).
Barthes comenta a respeito do escapamento ao contexto soberano e exalta a literatura criadora, independente, instituída de recursos que constituem forças habilitadas para invalidar o poder sistematizado, visto que englobam conceitos, que rompem os efeitos de congelamento do real e agrega ao texto o deleite da escrita, eis a materialização da sabedoria, a reprodução verossímil do real e o jogo dos signos, cujo papel é desvincular a língua do seu estado cominatório, afastando a linguagem literária dos arranjos verbais, ou seja, elaborada de maneira especial, a fim de constituir universos imaginários ou ficcionais recorrendo dentre outros meios, o deslocar das figuras de linguagem.
Esses saberes se constroem nas estruturas deletáveis, que cultuam o discurso da encenação, não os imobilizando na plenitude da arte, mas aspirando incessantemente a realidade, isto é, a procura do real representável, algo que Barthes considera utópico. De fato, a realidade é complexa e se estrutura a partir da óptica de quem escreve. Contudo, o desvio das palavras não destrói a sua função literal cotidiana, tão-somente irradia sentidos novos. Toda esquiva de submissão que Barthes sustenta ao longo da sua aula inaugural, chega ao ápice quando ele declara acreditar na existência de um ensino extinto de imposições e dominações, simplesmente transmissível, onde não há repetição e sim um professor revigorado numa espécie de ciclo onde as informações se renovam periodicamente.
O livro “Aula” é uma boa leitura para os que anseiam amplificar a sua visão em relação ao funcionamento de sistema de comunicação predominante no âmbito social, na qual a elite paralisa os mais “fracos” usando a nocividade da língua, difícil de ser baldada, dificultando o desenvolvimento e a libertação de idéias e ideais. É válido ressaltar que em um modo de vida estigmatizado as variedades e as realizações individuais estão aprisionadas por ambições coletivas e paradigmas. Vale lembrar que todos nós somos funcionários de uma edificação perversa, onde reina o complô corriqueiro, questionado por alguns que tentam se sobressair das rédeas, articulando movimentos artísticos, no entanto, esses também não estão totalmente desprovidos do poder, já que terminam por provocar influências da suas causas.