A PAREDE DA FULÔ (Lurdinha Barbosa)
Maria de Lourdes Barbosa Oliveira (Lourdinha Barbosa), editou “A Parede da Fulô” a quatro mãos com o artista plástico Hélvio Lima, como uma peça de câmara.
O livro é pura fabulação – uma quase história – de uma flor. Para contar, veste-se do elemento cronológico mas extrema-se poesia bruta para explicitar por meio das imagens, de ritmos e muitas figuras de linguagem, um envergamento atonal, minimalista, carregado de silêncios. Remete-nos de imediato a "O Ispinho e a Fulô", do inesquecível poeta Patativa do Assaré. Mas Barbosa veste-se de outras sensibilidades, mais lírica, mais demiúrgica (mais mineira?), para orquestrar a "fulô" do seu jardim.
Sendo assim, “a flor / flore / floremas / varro / ou cato as pétalas?” (p. 9), o único compêndio com cinco versos da obra – todo o montante de poemas reduz-se sempre a dois versos por página – introduz o leitor ao seu processo peculiar de trazer à tona um rico e denso diálogo que os versos oferecem àquele que se propõe a viajar com a autora, nos meandros de uma literatura singela e muito interessada em dialogar com os crayons e carvões do igualmente inspiradíssimo Hélvio Lima.
Como exemplo, o verso “(...) lia lentamente o lírio e a libélula” (p. 31), acaba por denotar a força e a velocidade rítmica da pulsão vital, imprescindível para a sobrevivência da beleza humana na planta. Por isso mesmo, quando, à página 58, a poeta nos fala que essa flor humanizada “enrola-se noutra pele espalhada no espelho”, temos a transubstanciação de um êxtase lírico na camada e ao largo do texto, portanto no quintal que as páginas se tornaram.
A própria disposição das letras nesse “campo”, sempre na borda inferior, permite se ver em cada página uma simbologia da horizontalidade da planície (folha do papel, mas também um possível “horizonte”), onde a flor nasce, cresce, amadurece, murcha e morre. Não por acaso, todo o corpo da página acima é sempre branco (o céu?), onde está o silêncio, o ar que ora respiramos (não esqueçamos que a flor também respira), a paisagem nua a ser perscrutada.
De dois em dois, os versos somam-se aos anteriores, e mais dois, e mais, e essa flor multiplicada torna-se enfim um jardim, nesse relato onde essa mesma flor é também cor e carne, entremeados em palavras da poeta; mas também em figurações do artista plástico; onde ambos em perfeita simbiose, acima de tudo, ofertam aos sentidos do leitor uma floresta densa para interlocução com o belo.
Tarefa de ourives.
Barbosa, Lourdinha. A Parede da Fulô. MG: Ed. da autora, 2009. ISBN 978-85-98616-48-3. Ilustrações e capa: Hélvio Lima. Foto: Wagner Schwartz. Revisão: da autora