A BÍBLIA E SUA NARRAÇÃO
1 – CITAÇÃO DA OBRA:
SKA, Jean Louis. A palavra de Deus nas narrativas dos homens. São Paulo. Loyola, 2005. p. 25-35.
2 – RESUMO:
A questão na criação do mundo que se encontra no livro do Gênesis (1-2) apresenta a forma que se deu a criação do mundo e de seus afins, ou seja, o ser humano propriamente dito. Tal livro fora escrito no decorrer da escritura do Gênesis. Daí surge uma questão que é bastante sugestiva: como se pôde relatar forma pela qual se deu a criação do mundo sendo que no momento em que o mundo estava sendo criado era ausente, neste mesmo mundo, qualquer tipo de presença humana? A resposta para esta questão é que tal fato não pôde, e nem é lógico afirmar, ter sido de forma ocular a narração da criação. Mesmo porque a aparição humana na terra se deu no sexto mês da criação. E para poder ter tido relatado alguma coisa que contasse a forma de criação, o autor do Gênesis extrapolou a sua capacidade imaginativa de contar determinado fato de forma bem aceitável e técnica. Em suma, é uma forma “onisciente” de relatar o fato da criação. Paralelamente, este modo de relatar é bastante parecido com o dos romancistas, que dispõem de suas capacidades imagináveis para expressar alguma idéia. Eis ai, portanto, a linha de contato entre os relatos bíblicos e as técnicas da literatura universal. Inclusive, até os cientistas recorrem a técnica imaginativa para relatarem a forma que se deu a origem do mundo.
É impossível entender a tecedura de um determinado escrito sem antes contextualizado em sua época, levando em consideração todos os aspectos históricos em que este mesmo foi escrito. Por esta razão que é válido elencar cinco pontos de partida para se compreender melhor a razão pela qual o Gênesis fora escrito. E, ainda mais, a sua importância histórica para a formação do Pentateuco.
O primeiro ponto ressalta que a criação do mundo é semelhante a história universal, ou seja, que a criação adveio após a criação do mundo em sua totalidade. Por outro lado, a Mesopotâmia afirma que a história é anterior a criação do mundo e da humanidade, parecido em a história dos deuses que aparecem na criação do mundo. Para citar um breve exemplo que ilustra bem esta idéia da Mesopotâmia é um mito que ressalta a idéia de que o gênero humano foi criado para ficar no lugar dos Deuses que, por várias razões, se recusaram a exercer as suas funções, sejam estas quais fossem.
Nesta perspectiva, a função humana na terra é de que estes devem servir aos seus senhores e nada mais. Ou seja, devem trabalhar e oferecer sacrifícios aos seus senhores. Eis ai o destino humano.
O segundo ponto é nítida a idéia de que é Deus o criador do mundo e tudo o que há nele. Esta afirmação é bastante aceitável para aquelas pessoas que se julgam crentes na divindade de Deus e de seu poder supremo. Porém, para o povo de Israel isto não era tão aceitável como parece. Ele, o povo de Israel, partia da idéia do “mito da criação” para justificar a fé em um ser supremo que tivesse criado as coisas existentes na terra.
Por outro lado se vê que se o Povo de Israel tivesse tido a oportunidade de ter lido o primeiro capítulo de Gênesis, veriam que é somente Deus o criador da terra. É bem fácil de notar que o povo de Israel não pode e nem tem como invejar a religião da Mesopotâmia, posto que os astros foram criados anteriormente a eles mesmos.
O terceiro ponto apresenta um Deus que não implanta o mal na Terra. A criação de Deus é inteiramente positiva e bem pensada. O aparecimento do mal na terra é proveniente do próprio povo que fora criado por Deus. No primeiro capitulo do Gênesis é ausente qualquer tipo de negação.
No quarto ponto é mostrado um Deus que acolhe todas as suas criaturas humanas com igualdade, sem qualquer tipo de diferença ou, até mesmo, preferência. O próprio texto bíblico apresenta crítica radical frente a superioridade exercitada por qualquer tipo de chefe em algum povoado. Gênesis apresenta o ser humano com igualdade porque todos foram criados a imagem e semelhança de Deus.
Já no quinto ponto realça a periodização que foi redigido o texto do Gênesis. Possivelmente este texto tenha sido escrito no período da finalização do exílio. O problema de ter sido redigido neste período reside no fato de que, naquela época, Israel não ter sua terra. O primeiro capítulo de Gênesis afirma que o tempo prevalece sobre o espaço e, por isto mesmo, que é possível venerar a imagem de Deus em qualquer lugar. Não é necessário que tenha um lugar específico para venerar a imagem de Deus.
Outro aspecto bastante curioso e que leva várias interpretações distintas, que é o dilúvio. Tal episódio é narrado em Gênesis 6-9. Este fato é um fenômeno universal. Há revelações semelhantes ao dilúvio em outras partes do mundo, como por exemplo: na América do Norte, na América Central e na América do Sul, na Europa, na África, na Índia, na China, etc.
Há, também, outros relatos que servem para corrigir as primeiras impressões. Uma vez que fora encontrado variados escritos que retratam o período do dilúvio, se torna difícil, e quase impossível, encontrar um único dilúvio. Sabe-se que houve vários dilúvios na Mesopotâmia. As várias narrações deixam claras que há outros dilúvios e que este é mais que um relato Bíblico: é um patrimônio universal.
A narração Bíblica deve muito as narrativas da Mesopotâmia, pois ambas tem equivalências. É mais que uma descrição, e sim uma teologia. Mesmo que tenha que ter uma contextualização, as narrações procuram sempre responder a seguinte questão: quais são as condições que podem beneficiar o universo de sobrevivência? Conclui-se que tudo depende da graça vinda de Deus, o criador do céu e da terra. É este mesmo que oferece a aliança ao seu povo. Para conseguir esta graça, o povo deve fazer algum culto que possua a finalidade de elevar as suas glorias a Deus.
Outro dado importante é que a defeitabilidade humana colabora para que ocorra o acontecimento do dilúvio. Deus diz que não pode existir qualquer tipo de violência entre os homens, mas mesmo sabendo disto, o próprio homem colabora para que a vontade de Deus não seja vigorada na terra. No que se refere a violência aos animais, é uma violência canalizada, ou seja, que difundi o pacifismo entre os homens de um determinado povo.
Em Gênesis 11, 1-9, existe um tema bastante ponderante e de cunho histórico bem interessante, que é a Torre de Babel. Na verdade não é somente uma torre, e sim uma cidade inteira. Existe relatos que afirmam que Babel era uma cidade inacabada, mas não existe qualquer tipo de prova que comprove que esta afirmação seja verdadeira.
Tanto o evento do dilúvio quanto o da Torre de Babel, são eventos históricos de cunho emblemáticos, quer dizer, um acontecimento apóia nas lembranças e não em um acontecimento em particular.
É somente pela narração que se pode conhecer, realmente, como era a situação, em variados níveis sociais, em Israel.