Resenhando 'A pesquisa sóciolinguística' (Fernado Tarallo)
Por Jamille Araujo
Daniela Vieira
TARALLO, Fernando. A pesquisa sóciolinguística. São Paulo: Ática, 1990.
Fernando Tarallo é doutor em sociolingüística pela Universidade da Pensilvânia, professor da Universidade Estadual de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sua obra “A pesquisa sociolingüística”, foi escrita na década de 90 e tem como idéia central a metodologia da pesquisa em sociolinguística.
Fernando Tarallo em seu livro “A Pesquisa Sociolingüística” busca orientar de forma concisa aquelas pessoas que se interessam pelo ramo da sociolingüística e querem posicionar-se como pesquisador detetive da língua falada. Para que tal pesquisador sinta-se capacitado para enfrentar as questões de variedades lingüísticas, Tarallo propõe uma metodologia que possa está ajudando-o a resolver esses possíveis problemas. Dessa forma, o autor traça como principal objetivo da pesquisa sociolingüística, analisar e aprender a sistematizar variantes lingüísticas usadas por uma mesma comunidade, observando assim o uso mais ou menos provável dos signos.
Segundo o autor, não se pode falar em análise sociolingüística sem antes falarmos na estreita relação existente entre língua e sociedade, relação esta, que sempre foi defendida pelos estruturalistas da linguagem das décadas de 20 e 30 e que foi abandonada pela escola gerativo-transformacional que, segundo Chomsky (1965), o objeto dos estudos lingüísticos seria a competência lingüística do falante-ouvinte ideal perante a uma comunidade homogênea. Tarallo critica-o, pois se houvesse esta homogeneidade não haveria o que pesquisar e sistematizar, dado que a língua falada é a um só tempo, heterogênea e diversificada, e é essa heterogeneidade que interessa à pesquisa sociolingüística.
Tarallo menciona que o americano William Labov foi o iniciador da sociolingüística quantitativa, esta possui essa nomenclatura por operar com números e tratamentos estatísticos dos dados coletados dentro de uma comunidade heterogênea, pois, é onde se encontra as formas lingüísticas em variação, ou seja, as variantes que são as diversas formas de se dizer a mesma coisa, e para esse conjunto de variantes dá-se o nome de variável lingüística. Dentro dessa variável se estabelece um campo de batalha entre as variantes. O que vai interessar ao sociolinguística é justamente a análise dos dados coletados neste campo de batalha. Sendo que a batalha maior é enfrentada pelo pesquisador-detetive, ou seja, descrever, analisar e resolver batalhas existentes entre variantes linguísticas.
Tarallo então propõe cinco passos para a análise sociolingüística: o primeiro passo é fazer um levantamento de dados da língua falada que reflitam melhor o vernáculo da comunidade. O segundo passo é descrever a variável e as variantes que a constituem. No terceiro passo deve-se analisar o que favorece o uso de uma variante sobre a(s) outra(s), o que nomeamos de fatores condicionadores. O quarto passo seria analisar o encaixamento da variável no sistema linguístico. E finalmente no quinto passo: fazer uma projeção histórica no sistema sociolinguístico da comunidade.
Segundo o autor, há uma estreita relação entre teoria, método e objeto, porém, o início da pesquisa sociolinguística deve partir do objeto, pois com o seu objeto em mãos é que o pesquisador tentará construir seu modelo teórico, caso faça o contrário, ou seja, inicie com a teoria e o método, o “detetive” irá cometer um erro, pois o modelo teórico não poderá conseguir analisar todos os fatos disponíveis, criando artificialmente alguns para se auto-afirmarem. Com o objeto em mãos, este será o porto seguro do pesquisador, pois poderá recorrer a ele sempre que precisar, seja para confirmar dados, rejeitar algumas das hipóteses ou até mesmo criar novas.
Este objeto que Tarallo menciona é a língua falada. O vernáculo é a base para a análise sociolinguística; esta deve ser coletada no seu momento natural da fala, ou seja, sem a preocupação dos falantes com os enunciados. O autor afirma que é preciso coletar uma enorme quantidade de dados, pois o modelo da pesquisa é de natureza quantitativa.
Para Tarallo, a metodologia que o pesquisador deve usar na coleta dos dados é participar diretamente na conversação, dessa forma o sociolinguísta poderá controlar os tópicos de conversa em que esteja interessado. Ele também utilizará o método da observação no momento de adentrar na comunidade de falantes, uma vez que, precisa analisá-la como um todo. Para a coleta dos dados, o sociolinguísta poderá usar o gravador, mas deve ter cuidado para que seus informantes não prestem atenção à sua própria maneira de falar. O pesquisador deverá tentar neutralizar a força exercida pelo aparelho. Para atingir seus propósitos metodológicos, pode-se criar um questionário, ou pedir para que os informantes narrem uma situação vivida, assim, não se preocupará com a forma da sua fala.
“A pesquisa sociolinguística” apresenta algumas dicas importantes para o pesquisador, no momento de coletar dados: Nunca deixar claro que seu objetivo é estudar a língua; Esclarecer ao informante que a fita gravada poderá ser inutilizada caso ele queira; Tentar minimizar seu efeito negativo dentro da comunidade; Entrar na comunidade a partir de terceiros; A amostragem deverá ser aleatória; Entrevistar pessoas nascidas naquelas comunidades ou que morem ali desde os cinco anos de idades; O tamanho da amostra irá depender da natureza linguística da variável a ser estudada.
Na segunda instância da variação linguística, Tarallo (1990) estabelece um panorama de identificação do valor dado às variantes, pelos falantes dos grupos, perpassando pela etapa de análise das armas sociolinguísticas de que dispõe cada variante. Os informantes de pesquisas dessa natureza são classificados conforme a avaliação que fazem, ou seja, classificam a variação no meio social como positiva, neutra ou negativa.
Nota-se a presença de estratégias de identificação do material do corpus para que a pesquisa sociolinguística apresente apenas os dados coletados do vernáculo. Fazem dessa estratégia, as comparações no desempenho dos falantes no momento da entrevista. Para o autor, o estilo espontâneo é caracterizado como vernáculo; e material não-vernáculo, o estilo de entrevista. A avaliação das variantes pode ser realizada pelos próprios informantes por meio de testes sociolingüísticos, o que, segundo Tarallo, acarretará em uma pesquisa tridimensional e mais elaborada, partindo de testes de percepção e produção.
Para cada situação de pesquisa, Tarallo fornece exemplos que situam o leitor em como devem proceder na realização prática do desenvolvimento dos dados para alcançar um diagnóstico e a partir disso, o pesquisador poderá analisar qual das variantes não-padrão é a mais estigmatizada. Há ainda, a possibilidade de inserir, a partir dos dados coletados, uma quarta dimensão de análise.
No que diz respeito à variação e a normalização linguística, pode-se perceber que a língua falada é variável e heterogênea, além de ser passível de sistematização e sujeita às tentativas de regularização. Estas, surgem na língua escrita, que é ensinada nas escolas. Um exemplo pertinente citado no texto, acerca da diversidade e suas distinções, é a diferença entre textos de jornais (escritos para serem lidos) e textos de documentários (escritos para serem falados). A gramática e o estilo abordados pelo autor implicam em dizer que a estrutura da língua está atrelada ao uso, a padrões, os quais podem ser diferentemente medidos, uma vez que, abrangem usos e estruturas.
Os exemplos de variação difundidos por hora, indicador e marcador lingüístico, diferenciam-se na variação estilística, já que o marcador tem essa possibilidade.
Ao tratar de variação e mudanças lingüísticas, tema bastante interessante, pois abrange situações do cotidiano de todo e qualquer indivíduo, Tarallo estabelece a diferença básica expondo que apesar da mudança linguística pressupor variação, nem toda variação sofre mudança. Em análise, há duas distinções que se estabelecem com base na estabilidade das adversárias e a mudança em contínuo progresso, lembrando que, cada variante terá suas defensivas de combate. Dessa maneira, a variante padrão se opõem a não-padrão, inovadora a conservadoras e estigmatizadas á variantes de prestígio.
Em todo o texto de A pesquisa sociolinguística, há a preocupação com o tempo da análise, ou seja, na maior parte de seus capítulos, percebemos o estudo por meio da sincronia. Algo a ser questionado, uma vez que o trabalho é realizado a partir de variáveis que buscam no passado a compreensão dos encaixamentos. Nesse sentido, não seria viável um estudo diacrônico? Outro questionamento cabível seria a indagação da metodologia de estudar a língua falada, de uma determinada época onde não havia recursos de gravação. Para tal situação, faz-se necessário uma amostragem transversal sincrônica, baseada em fatores condicionadores externos e internos, envolvendo também, os elementos primordiais para análise histórica: implementação e transição.
Em se tratando de variação, podemos perceber que os grupos socioeconômicos intermediários são os que mais perpassam por esse processo de mudança. Já a classe média alta, se mantém mais afastada da mudança. Ou seja, quanto maior o status social, menor o uso da variante estigmatizada.
O autor dedica um capítulo de sua obra inteiramente para fazer as conclusões, neste, ele sintetiza os capítulos anteriores, mostrando os caminhos que o pesquisador-detetive deverá ter trilhado, fazendo alusões às sugestões de metodologias de pesquisas, induzindo o leitor a resolver as questões inerentes à variações lingüísticas, mostrando categoricamente que a língua falada é heterogenia.
Notamos que esse texto de Tarallo apresenta uma considerável contribuição aos estudantes de letras e línguas, que desejarem realizar pesquisas para compreender o fenômeno da comunicação e entender os critérios dessa variável. Possui linguagem clara, concisa, utilizando-se de exemplos que possibilitam ao leitor, visualização do fato. É importante salientar que A pesquisa sociolingüística, de Fernando Tarallo nos serve como ponto norteador no momento da prática de pesquisa em projetos acadêmicos e Trabalhos de Conclusão de Curso, enriquecendo o estudo de quem dele possa ter acesso, além de proporcionar aos estudantes de Letras, subsídios para um melhor rendimento em sua trajetória acadêmica.