O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNA - uma abordagem principiológica
O caso dos exploradores de caverna, revela-se como texto contundente para análise de todos os estudantes de direito e todos aqueles que desejam compreender tanto as profundas emoções humanas quanto as teorizações jurídicas quanto a um estado de completo isolamento da sociedade e a satisfação da necessidade humana mais primeva: a alimentação. A polêmica se instaura quando da análise da aplicação do direito a um fato inovador: exploradores que tiveram a liberdade de ir e vir cerceada, ficando totalmente bloqueados do convívio com a sociedade. Tal situação ocorre no ano de 4.300, quando quatro dos membros da Sociedade Espeleológica (Organização Amadora) são julgados pelo assassinato de Roger Whetmore.
Os exploradores foram condenados pelo crime em primeira instância no Tribunal do Condado de Stownfield. Sendo curioso que o próprio juiz de direito se arrependeu da sua primeira decisão e até a opinião pública estava favorável aos exploradores sobreviventes, optando pela absolvição dos mesmos. Fuller descreve os fatos através do pronunciamento dos cinco juízes da Suprema Corte de Newgarth, onde os acusados recorreram da decisão.
Os juízes Truepenny, Foster, Tatting, Keen e Handy, se serviram da disparidade positivismo e jusnaturalismo, correntes de interpretação das normas, competência territorial, soberania, etc.
A decisão do juiz J. FOSTER que será objeto de análise do presente trabalho levantou a questão de que dez pessoas morreram para salvar quatro exploradores que foram condenados à morte. Daí, grande contrasenso foi demonstrado, vez que outras pessoas, que tinham por escopo livrar da morte a vida de outros, morreram em vão.
O juiz em questão votou em prol da absolvição dos acusados, sabendo que se o tribunal não tomasse essa medida, a sociedade condenaria o mesmo de não cumprir a lei ou poderia se sentir insegura face à variação jurídica.
Aqui analisaremos os argumentos do Juiz Foster, que dizem respeito à não aplicabilidade do regramento positivo ao caso, vez que estavam regidos pelo direito natural estudado pelos antigos filósofos –argumento que ele mesmo considerou como controverso, mas argumentou com maestria. Entretanto, no caso de poder se aplicar a lei, esta conduziria pela jurisprudência e princípios gerais do direito, à excludente de culpabilidade: legítima defesa.
Sabe-se do texto que os exploradores de caverna estavam sem contato com a sociedade, uma vez que foram presos pelas rochas estavam enclausurados na caverna, distanciando-se do seio social onde todas as leis são elaboradas conforme a necessidade dos homens que ali convivem, conforme suas necessidades. Assim, cabe lastrear toda a estrutura psico-bio-social em que estavam os cinco integrantes da equipe que objetivava realizar pesquisas em prol da sociedade, da ampliação do conhecimento humano. Todos ali reconheciam a soberania das leis e do direito, bem como a autoridade dos juízes em face do caso concreto. Entrementes, quando na caverna estavam afastados desses ditames sociais, vez que em situação totalmente adversa e não contemplada pela lei. Naquele momento, não faziam parte da sociedade, não poderiam ser socorridos por ela, e a vida já não seria mais tutelada pelas leis estabelecidas porque já não estava sob a tutela estatal, não se poderia fazer o julgamento pro societate, pois a comunidade não pode ser ofendida por quem não está fazendo parte dela. Deve-se interpretar o caso analisando a gama de argumentos apresentados pelo juiz Foster.
Os PROPÓSITOS DE DIREITO são os da paz social, julgar de modo justo e coerente com a realidade dos fatos, agir como instrumento para o equilíbrio da sociedade, lembrando a filosofia de DANTE. O julgamento dos quatro homens que coadunaram para a morte de um membro da equipe, para que eles não morressem de fome deveria ser com o intuito de dizer o direito, a norma íntegra para os agentes. Não adianta aplicar uma reprimenda gravíssima para quem não ofendeu as normas estabelecidas num contexto social onde impera a liberdade entre cumprir ou não as normas de conduta. Àqueles que desobedecem os preceitos, as sanções são aplicadas, porque tinham a faculdade de segui-los ou não, e ainda assim poderiam manter suas vidas. Os exploradores não tinham outra opção para manter-se vivos, o mínimo que se reserva a um individuo logo ao nascer é que este preserve a sua vida. Deve ter a liberdade de lutar para a comida a fim de que seu corpo subsista, bem como às necessidades fisiológicas, para depois adquirir segurança e estima –teoria de Maslow. O que os homens queriam era apenas preservar a vida da maioria deles, a sociedade não poderia reprimir o desejo mais intrínseco de suas almas que era continuar a viver.
Os PROPÓSITOS DO GOVERNO são os de gerenciar a sociedade, aprovando regras de conduta que serão aplicadas pelo poder judiciário. Os lideres de um Estado não devem querer que as leis por eles criadas se apliquem em situações que não repercutirão como medida punitiva, ressocializadora ou instrutiva para a sociedade. Se em nada a sanção contribuirá, então não deve ser aplicada. O governo objetiva a harmonia entre todos os poderes constituídos, a coordenação dos esforços de todos os membros que representam o Estado a fim de conferir à sociedade um maior aproveitamento da vida. Assim, onde é seu domínio gerir, ali está sua figura. Entretanto, não há que se falar em domínio estatal para com um grupo que está aprisionado dentro de uma caverna, sem o mínimo de assistência para a nutrição básica. Se o Estado não pode garantir outra fonte alimentar, ou mesmo a liberdade para conseguí-la, essa situação foge de deu domínio.
O DIREITO POSITIVO visa condensar em forma de lei escrita as normas por trás do texto legal que comina sanção a quem infringi-las. É um direito amparado pelo documento legal, podendo o Estado determinar pena tão somente para o que está estabelecido nela. Ora, a Lei no caso em questão, não amparava situações em que os indivíduos estivessem distantes da órbita territorial do Estado, em local de acesso impossível, tanto entrada quanto saída. Cumprindo o princípio da legalidade, para que houvesse crime deveria haver lei que o determinasse e que pudesse ter vigência no espaço territorial em que o crime foi feito.
Para PAULO NADER , o direito positivo é “o Direito institucionalizado pelo Estado”, “a ordem jurídica em determinado lugar e tempo”, deste conceito pode-se induzir que o direito é agrupado e determinado pela figura do Estado e apresenta-se conforme um critério territorial e temporal, justificando assim a argumentação do juiz Foster.
Salienta-se que a competência territorial é o alcance da Lei, ela não poderia amparar local que fosse frágil a determinação da própria sobrevivência de pessoas que seriam punidas.
Quando os homens exploradores de caverna estavam convivendo com seus pares na sociedade, pode-se dizer que a eles seria aplicada a lei estatal vigente. Vez que sob o domínio territorial da própria legislação. Assim submeteriam suas vidas a elas porque teriam a tutela jurisdicional, e a opção de rejeitar o crime porque livres para escolher outras formas de sobrevivência.
O ESTADO DE SOCIEDADE CIVIL é um complexo de pessoas, instituições e normas para que esses elementos vivam harmonicamente. As pessoas tem o dever de zelar em não descumprir as normas jurídicas a fim de manter a coexistência pacífica. Neste Estado, há prevalência de certos princípios éticos e a coerção quando da infração a determinada norma é aplicada por ferir certos valores inerentes a toda a sociedade. Aqui se zela pela coexistência pacifica porque em seu seio deve haver integração com o respeito às leis. Ora, o ser humano é por natureza individualista e por si só não obedece às leis, por isso, criou-se o estado de sociedade civil, quando o homem tem a obrigação de viver sob certas normas de conduta, para usufruir da sociedade, caso contrário, é excluído como alguém marginalizado e não pode usufruir da liberdade vigiada que o Estado promove.
O ESTADO NATURAL já foi apresentado por muitos estudiosos como aquele em que a justiça é inerente à alma humana e emerge em situações em que o Estado é omisso. Foi a necessidade humana de relacionamento pacífico com o semelhante que criou as leis, estas, são produto do homem que não quer sempre fazer justiça com as próprias mãos. Aqui também nasce a figura do jusnaturalismo, o direito natural. Em um pequeno grupo de pessoas o direito nasce quando elas determinam as regras que balizarão determidas condutas que extrapolem os limites de convivência. Por meio de um contrato social, a maioria assente por um direito único entre eles e o aplicam de maneira espontânea.
Conforme a definição de HERMES LIMA, o direito natural é o conjunto de princípios que “atribuídos a Deus, à razão, ou havidos como decorrentes da natureza das coisas, independem de convenção ou legislação, e que seriam determinantes, informativos ou condicionantes das leis positivas”. Este direito também não se exterioriza nas leis como o direito positivo, mas é o fundamento de toda a legislação, vez que se inspira em princípios universais.
Ainda na Grécia antiga se afirmava que o direito natural era produto de um fundo de humanidade comum a todos os homens, era denominado de justo por natureza, em oposição ao justo legal, criado pelos homens. Sócrates fez a distinção entre as Leis escritas e mutáveis dos homens, das leis não escritas e imutáveis de Deus. Para Platão, este direito era ideal para corrigir as falhas da lei escrita.
Os sofistas, também citados pelo juiz Foster, opuseram o direito natural à lei positiva, enfatizando a superioridade daquele. Com os estóicos, o direito natural amadureceu, pois seria um direito superior racional próprio dos homens.
Com o jusnaturalismo, todas as teorias defensoras do direito natural são reafirmadas, vez que estão em ordem superior.
Neste estado da natureza, a vida é possível pelo homem porque o seu próprio instinto o leva a conservar a sua existência. Foi este desejo primitivo que levou à formação de quaisquer sociedades e estava inerente aos exploradores de caverna. Eles não viviam com o grupo que supria necessidades mútuas de terra, trabalho e capital, mas estavam totalmente desamparados e neste estado revelaram racionalmente seus desejos de sobrevivência quando mataram um integrante da equipe.
O acordo era entre o grupo, para que um morresse em benefício dos demais. Até Whetmore que quando da tomada de iniciativa do grupo para tirar a sorte de quem morreria rejeitou a ideia, depois acabou por consenti-la. Assim, mostra-se um pacto em que todos foram responsáveis mutuamente e no estado de total privação em que se encontravam puderam decidir pela vida. Embora tenham instituído um contrato ainda assim as leis da sociedade não poderiam açambarcar esta iniciativa. O estado em que se encontravam era totalmente adverso e não tutelado pela lei ou jurisprudência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006.
BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: brasiliense, 2005.
FULLER, Lon L. O caso dos exploradores de cavernas. Trad. Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Fabris, 1976.