A Pesquisa Sócio Linguistica
A PESQUISA SÓCIO-LINGUÍSTICA
Fernando Tarallo inicia o livro fazendo uma crítica à concepção estruturalista da linguagem das décadas de vinte e trinta e à escola gerativo-transformacional. Posteriormente, propõe o modelo de análise denominado Teoria da Variação Linguística. Ele explica que tal modelo teórico-metodológico assume o caos linguístico como objeto de estudos e possui como objetivos principais a análise e sistematização das variantes linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala.
O autor traz ainda um panorama histórico da Sociolinguística quantitativa e afirma que Willian Labov foi quem mais insistiu na relação entre língua e sociedade e na possibilidade, virtual e real, de sistematizar a variação existente e própria da língua falada. O modelo de análise linguística utilizado por ele é rotulado por alguns estudiosos de Sociolinguística Quantitativa, pois trabalha com números e dá um tratamento estatístico aos dados coletados.
Segundo Tarallo, variantes linguísticas são maneiras distintas de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. Um conjunto dessas variantes é denominado Variável Linguística.
O autor afirma que as variantes de uma comunidade de fala se encontram em relação de concorrência. Assim, a variante considerada padrão rivaliza com a não-padrão e, normalmente, a primeira é a que goza de prestígio sociolinguístico na comunidade. Com base nisso, Tarallo salienta que a língua pode ser um fator extremamente importante na identificação de grupos, além de, uma possível maneira de desmarcar diferenças sociais em uma comunidade.
Para ele, é a partir da existência real do objeto de estudos, com todas as suas inúmeras, infinitivas e possíveis facetas, que se deve procurar construir um modelo teórico, e esse deve ser capaz de dar conta de todos os fatos.
Além disso, Tarallo assegura que o material básico de análise da sociolinguística é a língua falada e alerta sobre a dificuldade de se analisar tal objeto. Segundo ele, estudar a língua falada em situações naturais de comunicação exige que o pesquisador-observador não participe diretamente da situação de comunicação, pois, caso contrário, a naturalidade da situação de comunicação será prejudicada.
Tarallo entende que o pesquisador-observador presencia um paradoxo. Por um lado, ele necessita de um número relevante de dados, para a realização de sua pesquisa e esses só podem ser coletados a partir de sua efetiva participação. Por outro lado, essa participação direta pode prejudicar a naturalidade do evento.
O autor sugere, então, que o pesquisador-observador oculte o caráter linguístico de sua pesquisa, formule e aplique uma espécie de módulo que funcionaria como um guia nas entrevistas, a fim de amenizar os impactos de sua presença no levantamento de dados. No entanto, ele deixa claro que a eficácia desses paliativos irá depender das peculiaridades de cada comunidade.
Segundo Tarallo, a narrativa de experiência pessoal é a mina de ouro que o pesquisador sociolinguísta procura. Isso porque no momento em que o entrevistado coloca suas experiências pessoais mais envolventes no gênero narrativo as informações se tornam mais naturais.
Para ele, a desatenção à forma vem sempre embutida numa linha de relato, a qual é denominada por ele estrutura narrativa. Essa possui subpartes denominadas por Labov de resumo, orientação, complicação da ação, resolução da ação, avaliação e coda.
As subpartes são compostas por unidades mínimas de numeração, chamadas orações narrativas. A ordem das orações narrativas no que se refere à complicação e a resolução não pode ser alterada, porque é sua sequência que marca a ordenação dos eventos. Mas nas outras subpartes, como a orientação e a avaliação, a ordem não é tão rígida.
Para Tarallo, no momento de definir e caracterizar o universo de amostra a medida de cinco informantes para cada combinação dos fatores extralinguísticos poderá ser útil.
Segundo o autor, o pesquisador não precisa se preocupar caso colete um dado não natural, pois ele poderá ser aproveitado em outras situações como para estabelecer uma hierarquia estilística do desempenho do informante. Para isso, Tarallo recomenda a diagramação, isto é, o recorte da entrevista.
A função do pesquisador-sociolinguísta, na concepção do autor, é analisar a situação de conflito e desmascarar a assistematicidade do ‘caos’, no entanto para isso é necessário que esse esteja munido de argumentos sólidos e firmes.
Para Tarallo, é a partir do perfil individual das variantes que se poderão explorar as armas de que cada uma dispõe e avaliar os contextos mais favoráveis á derrota de uma e vitória de outra. A descrição detalhada das variantes é denominada pelo autor de envelope de variantes. Esse consiste no elencamento das adversárias de um campo de batalha.
O autor afirma que para cada variante correspondem certos contextos que a favorecem. A isso ele designa fatores condicionadores. Um grupo de fatores é um conjunto total de possíveis armas usadas pelas variantes durante a batalha. O levantamento de todos os contextos ou fatores que potencialmente influem na realização de uma variação, de uma ou de outra forma oferecerão as hipóteses de trabalho.
Segundo Tarallo, os fatos levantados pelas variantes como possíveis armas no campo de batalha é constituído por subfatores. O pesquisador deverá atribuir a cada um desses subfatores valor representado por letra ou número, pois isso ajudará na quantificação posterior dos dados.
Para que não haja confusão, Tarallo aconselha evitar a repetição de letras ou números dentro de um mesmo fator. O acréscimo de subfatores é comum quando se trabalha com dados reais. Mesmo que o projeto-piloto inicial tente esgotar todas as possíveis armas utilizadas pelas variantes, no decorrer da análise dos dados, o pesquisador frequentimente se defrontará com novas dimensões dos fatores.
Tarallo entende por encaixamento linguístico da variável a motivação das hipóteses, dos grupos de fatores.
Segundo Tarallo, os fatores extralinguísticos, isto é, tudo aquilo que serve de pretexto e contexto à variável poderá ser relevante para a resolução de seu caso. Mas, esses parâmetros não são facilmente operacionalizáveis. Assim, é necessário estabelecer critérios rígidos para eles, haja vista que quanto mais fatores externos se incluem em uma análise, maior será a quantidade de dados necessários, para garantir a representatividade da amostra.
O levantamento desses fatores deverá partir da intuição do pesquisador como falante ou conhecedor da comunidade.
Segundo o autor, é através de uma minuciosa coleta de dados de uma comunidade, que o pesquisador poderá perceber o papel atribuído às variantes pela comunidade de falantes. Tais levantamentos mostram que certos grupos de fatores são responsáveis pela implementação de uma variante, e que a outros não são atribuídos qualquer responsabilidade na explicação da regra variável.
Assim, ao fazer uma análise dessas variantes o pesquisador será levado à questionar quais são os fenômenos lingüísticos que contribuem para que essas variações ocorram, nesse caso fenômenos extralingüísticos como faixa etária, gênero, escolaridade, condição sócio cultural, entre outros, serão determinantes para os resultados alcançados.
O livro de Tarallo aborda ainda que é importante que o pesquisador tenha em mente que além da língua falada ser heterogênea e variável, tal variabilidade pode ser transformada em sistema. E com base nessa sistematização surgem tentativas de regularização, de normalidade.
Nesse ínterim, seria indicado ao pesquisador que ele investigue fontes de dados que busquem a unificação da língua nacional, como os órgãos formalizadores da língua como a mídia, por exemplo. Desta forma, sua pesquisa mostrará que embora tais órgãos dêem mais ênfase à norma culta padrão, é possível em seus discursos observar traços variáveis da fala, tais constatações lhe indicarão normalizadores da língua.
O livro aborda que é somente através da correlação entre fatores linguísticos e não- linguísticos que o pesquisador chegará a um melhor conhecimento de como a língua é usada e de que é construída.
Tarallo deixa claro ainda, que nem tudo que nem tudo que varia sofre mudança, contudo pressupõe variação. Assim, ele afirma que mudança é variação. E quando se fala em mudança, estudos têm demonstrado que os grupos sócio-econômicos intermediários são os grupos que mais avançam no processo de mudança linguística, revelando-se mais sensíveis e suscetíveis à variação estilística, além disso, o grupo social de status mais alto terá os índices mais elevados da variante de prestigio e, consequentemente, a freqüência menor de uso da variante que é vista como estigmatizada.
Mas, para que se possam alcançar tais resultados é necessário, conforme nos orienta Tarallo, que se faça um estudo não só diacrônico, mas também sincrônico, os quais propiciarão ao pesquisador fazer uma correlação entre tempo aparente e tempo real, para que desta forma ele tenha uma dimensão histórica completa da mudança. Ao proceder desta forma, o pesquisador terá subsídios para entender o encaixamento de uma determinada variável no tempo real, ou seja, o pesquisador irá analisar como uma determinada mudança se encaixa no sistema circundante de relações sociais e linguísticas, verá através de seus levantamentos como uma determinada comunidade linguística avalia a mudança e, em especial, quais são os efeitos dessa avaliação sobre o processo de mudança em si, e por fim ele entenderá o por quê, quando e onde ocorreu tal mudança.
Portanto, para que um pesquisador tenha êxito em seu trabalho, é necessário que ele tenha em mente que toda e qualquer informação a despeito da variável poderá ser-lhe de extrema utilidade em suas pesquisas. Assim, cabe ao pesquisador usá-las da melhor maneira possível.
Durante toda a nossa vida convivemos com pessoas diversas, seja em nível intelectual, etnia, raça, religião, condição socioeconômica, em fim. Tais convivências nos fazem ver que cada pessoa no que toca a linguagem tem suas particularidades e especificidades, contudo todas elas desde que faça parte de determinada comunidade ou sociedade, conseguem se comunicar umas com as outras sem que para isso compartilhe dos mesmos recursos linguísticos, a esse fenômeno damos o nome de diversidade linguística.
Tal diversidade faz com que muitos estudiosos voltem seus trabalhos para compreender como se estrutura e como funciona a linguagem. Sabemos que uma mesma palavra pode ser pronunciada de várias maneiras a depender da localidade que se encontra o falante, assim dizemos que essa palavra sofre variação linguística, e nesta pode ter uma variante de prestigio, ou seja, aceita por um grupo de pessoas de um nível mais alto intelectual ou social, ou uma variante estigmatizada, não muito aceita por esse mesmo grupo, ocasionando, portanto um preconceito linguístico.
Por isso, os estudos feitos acerca da linguagem buscaram encontrar respostas para entender a relação linguagem e sociedade, haja vista que esses elementos estão intimamente ligados, pois, em qualquer período o homem sempre utilizou uma forma de comunicação. Mas, para que possamos entender essa relação precisamos nos posicionar como verdadeiros detetives pesquisadores. E, é justamente isso que o livro de Tarallo aborda. Em seu livro, ele não nos dá respostas ou possíveis soluções, pelo contrário Tarallo nos ensina como fazer um trabalho fidedigno de pesquisa sócio linguística, nos orientando assim, como proceder e por quais caminhos andar para que possamos entender como se dá esse processo de variação.
Tarallo nos mostra em seu livro que os falares regionais podem ser descritos e mapeados com base em uma metodologia da linguagem que subsidie o trabalho do lingüista. Assim, a Sociolingüística estudaria as relações entre as variações lingüísticas e as variações sociológicas. Descrevendo o falante em toda sua essência, não desprezando o contexto em que se encontra, mas, levando em consideração todo aspecto em que se encontra no momento em que emite uma mensagem. Nesse mesmo contexto, ele afirma então ,que a língua por ser um marcador que identifica usuários ou grupos a qual pertence , pode também ser o delimitador das diferenças sociais no seio de uma comunidade.
Portanto, podemos dizer que o livro de Fernando Tarallo é de uma riqueza inexaurível, e que nós enquanto pesquisadores não podemos de forma alguma deixar de aproveitar desta obra tão abundante em conhecimento linguístico. Destarte recomendamos a todos os estudantes universitários ou futuros pesquisadores da área que venha se deleitar com tal compêndio.
Resenha feita por Maria Jaceni Soares e Jaqueline da Silva Sousa.