O modernismo em Serafim Ponte Grande

Cinthia de Oliveira Andrade

Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade traz em seu enredo o espírito do primeiro tempo modernista, que se estende de 1922 a 1930, pois teria sido produzido durante o clima iconoclasta desse período.

A temática abordada no livro é típica do modernismo. Percebemos que o autor trabalha as tradições e valores de uma sociedade da qual faz parte, chegando a compactuar em determinados momentos com a burguesia da cidade de São Paulo.

Percebe-se também, desde o primeiro capítulo a sexualização constantemente trabalhada pelo autor, e um bom exemplo deste fato é a loira que se deixa apalpar como uma janela, “Numa noite de adultério ela penetra na pensão da Lili. Mas ela diz-lhe que não precisa de tirar as botinas”.

Na verdade imaginamos ao ler sua obra que essa intensa erotização se justifica pela vinculação dos ideais do autor, em especial a antropofagia, que foi um movimento literário criado por ele.

Observamos por tanto em Serafim Ponte Grande a presença de uma realização dos inscritos do autor. De acordo com eles, se torna importante a busca por uma sociedade mais autêntica, por ser mais primitiva e também por ter certo respeito pelos impulsos da carne.

Nada de tabus! A libertação dos instintos sexuais deve ser valorizada, mesmo ferindo os padrões tradicionais impostos pela burguesia. Dentro dessa proposta, a sexualização da personagem se torna constante.

A primeira conseqüência do que foi dito até agora é o casamento a força realizado com Lalá, pois, desvirginada, dentro dos moldes sociais em que vivia, deveria manter a moral e o decoro por meio do matrimônio.

O resultado, no entanto é uma união sem alicerce, onde na cama um percebe no outro algo muito mais ligado a fantasia que a realidade (fato ainda comum em muitos casamentos contemporâneos).

Nesse ambiente doméstico e também em uma repartição pública onde Serafim trabalha e divide espaço com pessoas das mais diferentes personalidades é que o autor desenvolve um trabalho voltado para as críticas sociais.

Neste local estão personagens como Birimba, traficante de cocaína , Manso, que se aproxima de Lalá de uma forma um tanto perigosa, Benedito Carlindonga, o chefe odioso, e Pinto Calçudo que, apesar de ser um personagem odioso não se desgruda do protagonista, pois é o típico bajulador.

O casamento dele com Lalá, já não foi a coisa mais certa que Serafim fez, e após a chegada de sua prima Dorotéia, o casamento fica ruim de vez, pois Serafim desenvolve pela prima uma paixão avassaladora. No entanto trata-se de um amor frustrado à medida que não é correspondido. O pior de tudo é que ela acaba fugindo com Birimba, para viver com ele na cidade do Rio de Janeiro, onde ela se transforma em uma afamada atriz da cinema.

Com o fim do casamento o herói se torna um exímio falador do sistema sendo muito duro e sarcástico com o mesmo.

Porém, tomado por uma lucidez repentina, parece representar perfeitamente o povo brasileiro, percebe-se que tem um arsenal e profere a frase: “Tenho um canhão e não sei atirar”.

Depois de tantos acontecimentos, nosso herói se torna milionário. A partir de então, o protagonista passa a ter um comportamento de novo rico, vida play boy, passando a se ocupar com passeios pela Europa e Oriente.

No entanto, nosso herói não possui condições culturais de aproveitar sagradamente e de formar produtivo seu novo status social.

Apaixona-se por Clara, Branca Clara, que é uma provável espanhola e mais uma vez não é correspondido. Luta para conquistar a chique Dona Solanja, que considera a paixão um sentimento sem nenhum valor.

No entanto, quando ela está prestes a morrer de amor nos braços do nosso herói, fica furiosa, pois nosso herói passa a não lhe dar atenção enxergando tão somente a Dorotéia. Despeitada, a grande dama toma a arma de Serafim e mata sua rival, a Dorotéia.

Depois viaja para o oriente, Grécia, Egito e Palestina. Lá chegando, encontra-se com Caridad-Caridad e Pafuncheta, que mais brincam que concretizam algo com Serafim. Após muitos rodeios consegue conquistar Caridad. É ai que mergulhado na alienação, volta ao Brasil.

Em seu retorno, Serafim ataca um quartel de polícia, a imprensa, e o serviço sanitário. Após ser perseguido Serafim é atacado por um raio. Pinto Calçudo, seu secretário, se apossa de seu navio, “El Duranno”, e funda a sociedade utópica, composta por ele e os tripulantes do navio, empreendendo uma viagem permanente.

O que se percebe, portanto é que Serafim Ponte Grande encarna o herói Latino Americano individual, remando contra a corrente, procurando romper as chamadas cadeias do conformismo, algo comum em nossos dias, e da hipocrisia burguesa. Porém, o sonho de Serafim, por ser um sonho individual, acaba frustrando-se tragicamente, atirando o herói à marginalidade e à amargura.

Em Serafin Ponte Grande, observamos o quanto nossa sociedade encontra-se entrelaçada aos acontecimentos da saga do nosso herói. É um misto de nostalgia e comparações que perfazem desde a figura do funcionário público, em seu convívio com colegas de turno, e o invólucro de sensações existentes no despertar de paixões, encontros e desencontros a que estamos fadados em nosso dia-a-dia.

Nosso herói tende mesmo ao anarquismo enrugado como diz a obra, elemento comum na sociedade brasileira. O desejo de conhecer o mundo de se enveredar por paixões, qual sociedade não traz esses elementos em suas estruturas emocionais. Como tantos amores, o de Serafim acaba até mesmo em tragédia.

A fadiga lhe abate como em um trecho que diz “Fatigado de minhas viagens pela terá de camelo e táxi te procuro caminha de casa nas estrelas (e aí vem um momento de erotismo na obra) Costas atmosféricas do Brasil, Costas sexuais para vos fornicar como um pai bigodudo de Portugal, nos azuis do clima ao solem nostrum entre raios, tiros e jabuticabas”.

Essa poesia sensual que é também o retrato da sociedade brasileira com seus parâmetros de beleza e o vislumbre de suas mulheres sensuais, carregadas desse mesmo erotismo. Em nosso País, muito há de Serafim Ponte Grande, pois em todas as suas entrelinhas, é possível notar semelhanças em pessoas e situações das quais fazemos parte em nosso dia-a dia.

É bom lembrar que nesse sentido o autor assim como outros grandes autores de nossa literatura modernista da fase heróica, buscou legitimar aspectos mais característicos que pudessem ser comparados a construção de nossa identidade cultural ( é como se tudo o que Serafim viveu, pudesse ser retratado na sociedade contemporânea), propondo uma nova concepção de sociedade com base na adequação do pensamento, a realidade social, revelando-se sabedor do conhecimento do caráter plural da sociedade e da cultura brasileira.

Para atingir seu objetivo Mário de Andrade busca através de Serafim Ponte Grande as nossas reminiscências culturais, através de uma identificação de noções da mentalidade primitiva que ainda sobrevive na sociedade brasileira em campos do saber como a música, e seu gosto pelo estudo do povo brasileiro..

Nesse contexto, podemos dizer que a obra de Mário de Andrade, busca através de elementos consistentes, resgatar valores e aspirações da sociedade modernista, permitindo ao interlocutor uma visualização e comparação com as sociedades modernas.

O espírito destemido do autor alia-se ao gosto pela sátira e pelo humor. O movimento e rompimento de amarras parecem ser os fundadores de sua obra, aliado ao seu espírito crítico e a vida pública.

Ao ler Serafim Ponte Grande é como se pela primeira vez se estivesse fazendo a leitura de um livro totalmente dedicado ao estudo do romance. È impressionante notar que após tanto tempo a obra pareça ser tão atual. E é por isso que se diz que Oswald de Andrade inaugurou no Brasil a prosa de vanguarda, chegando a ensinar a seus companheiros e contemporâneos como adaptar a narrativa as experiências vividas.

Ao que parece, a história de Serafim é semelhante à de Miramar. E é possível também relacionarmos Serafim a Macunaíma e Leonardo, personagem do livro Sargento de melicias, já que os três personagens são anti-heróis, vistos como os malandros, desonestos, da Literatura Brasileira. Após escrever Serafim, Oswald foi modelando sua narrativa até alcançar a forma definitiva. É também notório e evidente que o romance foi amadurecendo a proposta da antropofagia.

Em linhas gerais, tudo no texto de Serafim Ponte Grande representa um desafio ao leitor. O romance é uma história difícil de ser acompanhada, em vez de capítulos temos fragmentos que são organizados dos mais variados modos, nos deparamos com um herói que se confunde com outra personagem e com personagens que repentinamente são retirados do texto reaparecendo em seguida.

Na verdade percebemos a existência de uma preocupação em criar descontinuidades na narrativa, de interromper todo e qualquer sintoma tradicional, e de impedir que o leito tenha uma idéia unitária da estrutura da obra.

Ler Serafim Ponte Grande, é entender um contexto social, político e econômico, em uma sociedade repleta de mitos e fantasias, muito atuais, sobretudo se pensarmos que estamos vivenciando muitos dos acontecimentos narrados no livro, como por exemplo o sonho de conhecer tudo aquilo que povoa nosso imaginário.

ANDRADE, Oswald de. Serafim ponte grande. São Paulo: Globo, 1990.

Cinandrade
Enviado por Cinandrade em 25/10/2009
Reeditado em 25/10/2009
Código do texto: T1886075
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