Liberdade? Hermenêuticamente falando

LIBERDADE?

HERMENÊUTICAMENTE FALANDO

PIRES, C. A. O que é hermenêutica. Rio

de Janeiro: MK, 2004.

Interpretar é fundamental, em todo momento interpretamos algo, seja a fala do outro, sejam nossos sentimentos, seja uma ação, pensamento ou o modo de se enxergar o mundo, como também interpretamos uma obra de arte, um quadro, a mensagem de uma música, de um filme. Enfim, está intrínseca no ser humano a arte da interpretação, ou a hermenêutica, como aborda o livro O que é Hermenêutica? Como livro de um teólogo cristão, esta hermenêutica é bíblica, ou seja, faz-se uma tentativa de abordar a interpretação que se faz da Palavra de Deus. Interpretar o mundo é natural e nem sequer nota-se eventualmente esta ação, ela é livre para cada um, já que cada homem tem a sua percepção de mundo, a sua cosmovisão, ou seja, a hermenêutica é livre dentro de cada ser. Percebe-se, porém, que tal afirmação na hermenêutica é equivocada, a partir de métodos e normas elaborados pela própria hermenêutica, assim, é possível realmente ser livre em termos de interpretação?

Livro escrito pelo atual professor de hermenêutica do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, RJ - pr. Carlos Alberto Pires, graduou-se no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil em Bacharel em Teologia e na PUC de Pernambuco em licenciatura em Filosofia, além de ser mestre em Educação pelo Instituto de Cultura Hispânica de Madri e doutor em Filosofia pela Universidade Autônoma de Madri. O livro pertence a uma coleção cujo título é: Teologia ao alcance de todos, que como o próprio título sugere, a intenção é descentralizar a teologia dos teólogos levando-a de uma maneira mais sucinta a toda população cristã, reconhecendo que esta atividade, fazer teologia, de pensar sobre Deus não pode ser feitas por poucos.

Para se encontrar respostas quanto à livre interpretação das Escrituras, para que o ser humano aja como adulto responsável por si mesmo e através da consciência de sua visão de mundo pela sua interpretação faz-se necessário destrinchar resumidamente questões a ser pensadas a respeito da hermenêutica. Nem sempre o autor define como se deve interpretar a Bíblia, pelo contrário, nota-se que sua maior preocupação é informar o leitor as interpretações possíveis não só da Bíblia como do sentido da vida através da História da hermenêutica, conceituando-a, mostrando os métodos hermenêuticos, os riscos ao interpretar e por fim como colocar em prática, além de sua posição como teólogo, pastor, filósofo e missionário de como deve estar baseada a fé de todo ser humano e a importância da Bíblia como Palavra de Deus.

Temos que reconhecer, humildemente, que tanto a história, a fé, a razão, e a interpretação hermenêutica da Palavra, devem unir-se para levar o ser humano a encontrar-se com a verdade e com a liberdade de ser (...). O que tem que ser quanto a sua ideologia filosófica, política ou teológica, que o ajudarão a formar atitudes que contribuam para o bem-estar do povo e da nação. (p.84).

No primeiro capítulo tem-se como a interpretação das Escrituras Sagradas evoluiu ao longo dos tempos, ou seja, a história da hermenêutica. A interpretação herdada é basicamente a de Hillel e a de Shammai (p.19). Além destas duas correntes hermenêuticas, podem-se relacionar as citações do Antigo Testamento no Novo Testamento, assim o hermeneuta adquire mais uma vertente, ou visão, da passagem estudada. (p. 20). Já a igreja dos primeiros cinco séculos seguiu o princípio do sentido múltiplo das Escrituras, tendo como método hermenêutico, o alegórico, e com a liberdade de interpretação (p.21). Durante a Idade Média a igreja detinha o conhecimento, até a Reforma Protestante, onde alguns princípios hermenêuticos foram modificados (p.27). Logo mais, surgiu o cientificismo, tudo passou a ser estudado ou avaliado pelo prisma da razão. Este método histórico-crítico após a Segunda Guerra Mundial separou-se da teologia liberal, e alguns princípios existentes nos períodos anteriores foram mantidos como o princípio da revelação, o cristológico, por exemplo, entre outros (p.29).

A segunda parte traz o conceito de hermenêutica, sendo a hermenêutica a ciência da interpretação (p.33). Hermes é um mensageiro dos deuses gregos que mediavam de uma região sombria para a clara, ele trazia luz ao obscuro; a arte de interpretar um texto está diretamente ligada a esta história, pois a tentativa é iluminar o texto a fim de obter a melhor compreensão possível, a intenção é chegar o mais perto da verdade, assim, Hermes e hermenêutica possuem este mesmo ponto em comum, porém a palavra deriva do verbo grego “hermenevein”, traduzido por “interpretar”, e do substantivo “hermeneia”, traduzido por “interpretação” (p.35). Na prática, o intérprete não é completamente livre como aparenta na definição, como Hermes, para interpretar a Bíblia, portanto, faz se necessário uma definição de princípios e normas. Contra a busca de um só significado, somente um acesso à verdade surge a hermenêutica, por mais que suas origens etimológicas aparentam ser de um tempo muito passado, a origem está na moderna pretensão de lutar contra uma só verdade, a hermenêutica quer demonstrar que não há mais condições de manter uma forma exclusiva para determinar o espaço de produção do conhecimento (p.36)

O terceiro capítulo, métodos hermenêuticos, subdivide-se em seis métodos (os mais utilizados). Como o método literalista defendido por Bernard Ramm (...) está submetido à interpretação, e ao significado caprichoso da letra do texto (p.41). O método alegórico não se detém no que o escritor quis transmitir e sim ao que o intérprete quer dizer (p.42). No método dogmático o sistema ganhou autoridade para interpretar da maneira que julgar melhor, tirando a liberdade de outras possíveis interpretações (p.42). O método histórico tem como representante direto Gutiérrez (Teologia da Libertação) sendo o Êxodo ou/e a Criação (História) manifestação da salvação de Deus, como também a revelação da vinda do messias (Jesus) desde o Antigo Testamento (p.43 e 44). O método existencialista defendido por Rodolf Bultmann, o Novo Testamento é mitológico e deve ser interpretado antropologicamente (p.46); Friedrich Schleiermacher e Sören Kierkgaard partiam da participação e colaboração do homem no processo da salvação através do diálogo com Deus, e elaboram seus pensamentos a partir de sua filosofia antropológica da liberdade da razão humana. E por fim o método materialista ateísta com Jean Paul Sartre, Friedrich Nietzsche, e Karl Marx; buscam interpretar a razão de sua existência e eliminam a possibilidade da existência de Deus.

O capítulo quatro, interpretação como risco, o autor do livro não necessariamente define tudo claramente e no primeiro tópico, Natureza e características da Bíblia, ele apenas expõe algumas perguntas que devem ser feitas antes de ter uma posição referente a alguma passagem bíblica. No tópico seguinte a finalidade é esclarecer algumas características da Bíblia, por exemplo, as citações que o Novo Testamento faz do Velho, ou seja, o testemunho da própria Bíblia. Expõe também a sua posição quanto a Credibilidade da Revelação e a Inspiração da Bíblia. (...) é uma obra de Deus, e do seu Espírito Santo, que trabalha neste processo desde o princípio, até que o homem dê forma a esta Palavra, para que ela seja inteligível à razão humana (p.68). A interpretação bíblica não é fechada, única, ela tem as sua dimensões, as suas variações, mas não alegoricamente, mas no sentido de existir várias aplicações nos mais diversos contextos; à pluralidade de sentidos de alguns destes textos (p.69). Os requisitos para um intérprete estão em ter-se: objetividade; espírito crítico para estudar-se cientificamente ou devocionalmente um texto; humildade para reconhecer que nunca saberemos tudo sobre o texto (p.70). Além de uma Capacidade Espiritual, Atitude de Compromisso, e por fim, um espírito mediador, ou seja, estar entre o autor do texto e o leitor (p.71).

E a última parte, o quinto capítulo, A prática da Hermenêutica, tem-se duas hermenêuticas, a de autor e de texto. Hermenêutica de autor: “o sentido do texto vem definido pela intenção do autor” assim o hermeneuta deve buscar compreender aquilo que quis dizer o autor e a sua época contextual, concluindo que através desta interpretação um texto rico em si torna-se neutro, imparcial, e um distanciamento da vida cotidiana, pois se faz uma exegese científica. Hermenêutica de texto: Existem três fatores importantes: o Autor- nesta interpretação busca-se conhecer o autor, sendo a obra um meio de chegar-se ao pensamento do autor valoriza-se a intenção da mensagem, e a mensagem em si; A obra- sistema preciso de palavras, ordenado e significativo, processo contrário ao do autor, aqui, valoriza-se a obra, provavelmente os adeptos desta matriz de interpretação hermenêutica utilizam o método literalista, pois é autônoma, isto é, ela é adulta. (p.77) e O leitor: que é provocado pela obra para conhecer-se a si mesmo. Ou seja, a aplicação do leitor a ele mesmo.

Notam-se nos métodos hermenêuticos que os hermeneutas modificaram as suas prioridades e formas a partir da História, eles se desvincularam da Bíblia, e os temas como existência e liberdade foram crescendo. Os principais representantes, filósofos ou teólogos de um método hermenêutico tornam-se mais egocêntricos, encontrando as respostas para a sua alma, à existência, humana sem utilizar a Bíblia, e até mesmo sem considerar a existência de Deus, no caso dos ateístas, como Nietsche que não quis matar Deus, mas ironizou seu pensamento para a liberdade que o homem tem, de ser, ou da filosofia que para ser livre de fato, o homem precisa excluir qualquer referência a Deus.

Portanto, uma objeção a ser feita do livro é justamente a inclusão destes filósofos que nem sequer utilizam a Bíblia para realizar alguma hermenêutica bíblica, ou seja, será que eles realmente interpretavam a Bíblia? Ou apenas têm uma opinião fundamentada algumas vezes nos seus próprios conceitos acerca da importância da Bíblia para relacionar-se com Deus, isso se crerem na existência de Deus, pois como já foi citado, existe o método ateísta, que nada falam de Bíblia.

Atualmente temos a nossa disposição praticamente todos os métodos já existentes, assim, consecutivamente temos a possibilidade de escolha da qual mais nos convém, faz-se necessário lembrar que há um consenso natural na sociedade do qual o hermeneuta está que o guiará para um determinado estilo- método- de interpretar, portanto, não está completamente livre como aparenta, pois como regra de uma boa interpretação é a sua aplicação, ao aplicar a comunidade eclesiástica, ministério pastoral, ele terá que escolher uma determinada interpretação que a comunidade esteja acostumada, isso dependerá dos ouvintes.

Aconselho, pois, a leitura deste livro a todos aqueles que se sentem vocacionados, chamados por Deus a alguma obra ministerial. Também aqueles que estão no início de seus estudos, no primeiro ano de algum seminário, ou ainda aos crentes que exercem alguma atividade em suas igrejas que necessitam de uma compreensão da Bíblia, enfim, aos cristãos como um todo.

Priscila Guerra Prado
Enviado por Priscila Guerra Prado em 24/10/2009
Código do texto: T1885080