Mundo Índio
Mundo Índio: [Ensaios, Artigos e Contos]: autor: Enéas Athanázio:Editora Minarete/2003/Santa Catarina/ 94p.
Livro do escritor catarinense Enéas Athanázio – de alto coturno no mundo da literatura sulista; que poderia sem favor algum, muito bem figurar entre os imortais da Academia Brasileira de Letras.
Vasta e importante produção literária, com vários gêneros cultivados. Sendo preferidos, no entanto, o Conto [ficção] e o Ensaio.
Neste, em epígrafe concatena o trio literário:Ensaio, Artigo e conto. As estórias regionais (nos contos) da vida do seu estado enriquecem o leitor, pela riqueza de detalhes culturais pertinentes aquele habitat. Numa linguagem escorreita e comunicação fácil, embora erudita, o autor nos maravilha quer com fatos reais, quer tornando ficção, pelo talento criador.
Li também do autor, “O Cavalo Inveja e a Mula Manca”, contos – uma ficção quase real e “Antecipações de Lobato” – ensaios. Ficara encantada. Sinto-me no dever moral e mesmo prazeroso ler suas obras, esta e aquelas. Desta feita lancei um ultimatum a mim mesma, fazer este modesto comentário de “Mundo Índio”. Já estava me sentindo em dívida com o distinto escritor. Ter sido agraciada com verdadeiros presentes bibliográficos.
Enéas Athanázio escritor erudito que alcança a liberdade ao escrever, contempla e palmilha além fronteiras do seu Estado natal. Uma espécie de Leon Tolstoi catarinense. Sabe com mestria revelar o encanto de sua aldeia. No seu particular e no que tem de universal.
“Mundo Índio” faz um resgate do universo nativo indígena da ilha de Santa Catarina, suas lutas, violações e dizimações. Com muita originalidade e embasado em documentação historiográfica atualizada.
Folheando as ricas páginas deste livro embrenhei-me por atalhos coloniais deste Brasil, nunca dantes trilhados, ao mesmo tempo fui cotejando com a colonização nordestina. Estabeleci um paralelo histórico entre nordeste e sul, -em especial a ilha de Santa Catarina. Os “bugreiros”: cruéis esquadrões da morte; “O Ermitão” de Rondônia: índio solitário, sobrevivente das matanças; a nação Xokleng: remanescentes em número de mil e duzentos, apelidados de “botocudos”, que escapou da fúria exterminadora do civilizado, tentando sobreviver como povo.
Fatos genialmente abordados pelo escritor catarinense. Transcrevemos um trecho do livro no qual o autor se refere ao trucidamento dos índios: ... “não com a intenção de chocar com lembranças tão amargas, mas pelo desejo de que coisas desse tipo, mesmo com outras roupagens, nunca mais aconteçam”...
Consulta os escritos historiográficos de Sílvio Coelho dos Santos: in: Nova História de Santa Catarina; cita o trabalho de Hilda Beatriz Dmitruk Ortiz: Ocupação pré-histórica do Oeste catarinense e o revisionismo de Jaci Poli, no qual ressalta o pioneirismo e marginalização do caboclo. Este como o autêntico desbravador do oeste catarinense. Arlene Renk em A Colonização do Oeste Catarinense analiza a identidade indígena, os meios de sobrevivência, a economia, pugnas, vitórias e derrotas. Não só embasado na historiografia mais atualizada, Enéas Athanázio procura testemunhar in locu através de suas viagens e excursões culturais pelo Brasil a dentro – comprovando e tirando conclusões, além de amplo conhecimento bibliográfico. ...”Em nossa visita (a Rondônia) pedi que falassem na língua nativa: é ininteligível aos nossos ouvidos, toda consonantal, sem vogais.Nada se consegue captar.E eles riam divertidos, de nossa ignorância”. ...”Saí dali com um gosto amargo na boca. Aqueles índios aculturados não se deram bem; vieram engrossar a multidão dos marginalizados nas periferias das cidades”.
Esplêndido o artigo “O Desbravador”, no qual realça a importância da obra do romancista cearense, José de Alencar; como inaugurador do indigenismo na literatura brasileira. Nascendo aí um primeiro regionalismo.
A hostilidade dos índios, o medo pelo colonizador, o extermínio de “bugres” pela figura controvertida de Martinho Marcelino de Jesus, a pacificação conseguida em 1914 por Eduardo Lima e Silva Heerhan, os esclarecimentos dos primórdios de Blumenau em Santa Catarina, o pânico e a refrega, emboscada e batidas entre colonos e índios foi uma constante naquela província.
Lendo este livro sobre a colonização de Santa Catarina, aprendi assaz e vi que não foi tão diferente da nordestina e latina em geral. Só mudou o elemento étnico colonizador. Genocídio por toda parte.
O Serviço de Proteção aos Índios e o Estatuto do Índio – Lei 6001 (19-12-73) veio atenuar e defender o silvícola.
Os contos de Enéas Athanázio contidos neste livro refletem também teor indígena. Traduzindo o rural habitado por fazendeiros, colonos e bugres: matanças cruéis, degoladores de bugres, vingança dos padres à reação indígena à catequese jesuítica, na área dos povos das missões – tudo sob uma narrativa com muito realismo. Tal que chegamos confundir realidade e fantasia.
Assim o autor que além de excelente escritor representa o mundo jurídico; manifesta sobre a reação dos índios: “como chefe e líder da nação invadida, Nheçu agiu no cumprimento do dever, ao abrigo do direito, da lei e da moral. Não merece as acusações que lhe são feitas. Diante dos fatos, agiu como autêntico herói e mereceria ser cultuado como tal, e nunca denegrido. São injustiças que o Tribunal da História deve e precisa corrigir”.
Prezado e insigne escritor: desculpe-me as mal traçadas linhas, e se não captei bem a essência deste oportuno e pertinente livro! Parabéns!
Livro primoroso com uma orelha que muito bem analisa a obra, pela pena do escritor mineiro José Afrânio Moreira Duarte.