AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN (Mark Twain)
Reler "Aventuras de Huck" quase 25 anos depois da 1ª vez, foi um exercício de quase perder-se no brinquedo "casa-dos-espelhos" de minha memória. Pegar o mesmo livro, reconhecer a capa puída, a assinatura de um irmão pouco mais velho, a data da possível aquisição Jan/1979; foi um duelar com as reminiscências de um tempo laico, de grandes descobertas que se tornaram poeira ou se assentaram, ajudando a moldar aquilo que hoje posso chamar de minha personalidade. Reencontro os rabiscos pré-adolescentes que fiz com caneta, reescrevendo e reinventando palavras com minhas letras desordenadas, ou interferindo nos desenhos, deixando um traços vermelhos irregulares, talvez porque o mundo juvenil exigisse mais cores que o duro contraste do grafismo em preto-e-branco do livro.
Lembro-me que o li concomitantemente a "Menino de Engenho", de José Lins do Rego. Em ambos, meu alter-ego juvenil pulsava, solar e irrequieto, inexperiente e deslumbrado para com a vida que se abria numa cortina colorida diante de meus olhos.
Mark Twain nos diz nessa história que Huck, o garoto-herói do relato, era órfão de mãe, com um pai beberrão. Viveu suas aventuras em pleno meio-oeste estadunidense, isso mais ou menos no século 19. Para fugir do pai, que o prendia e maltratava, arquitetou um plano mirabolante, numa fuga que simulava sua própria morte por meio de um seqüestro. Com um pequeno barco, entrou no grande rio Mississipi em busca de sua liberdade. Logo encontrou Jim, um negro conhecido seu, que também fugia, da escravidão, essa real e socialmente aceita. Decidem navegar juntos, singrando a esmo, à procura de um estado abolicionista qualquer, onde pudessem "começar", ou reiniciar, ou - como diz Jim - apenas se libertar.
Antes porém, passarão por duras provas, onde terão que se esconder, negar, mentir, furtar, acoitar, planejar, corromper, delatar e confiar(muito, muito mesmo) um no outro, para que possam alcançar algum êxito. Em sua jornada pelo rio, são obrigados a conviver durante certo tempo com dois trapaceiros que os usam e os traem, até que Jim é preso e Huck vê-se às voltas com um outro plano para livrar seu amigo dos grilhões. Para isso, conta com a ajuda inesperada de Tom, um antigo e melhor amigo, que surge tão intensamente no relato, que, por vezes, tive de reler o trecho para saber se o enredo ali não tinha sido "forçado" demais. Não, definitivamente não foi.
Mark Twain construiu um ótima novela com emaranhados diversos sobre valores universais, com equidade e coerência. O duro aprendizado do menino Huck em sua lida diária, com a diminuta canoa através do grande rio, no final das contas, é a metáfora perfeita sobre a mesma jornada que todo jovem faz, em qualquer tempo e em todo lugar, aprendendo assim as lições que perdurarão para sempre em suas vidas. Para uns, o ensino é mais complexo e intelectualizado. Para outros, mais lúdico e leve. Para o garoto da história, foi rudimentar, físico e linear.
Daí fica a reflexão: será que esses que agridem índios, mendigos, domésticas e prostitutas não terão "pulado" justamente esse trecho do aprendizado, quando os pais resolveram "escondê-los" em seus condomínios?
x.x.x.x.x.
AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN, AS
Autor: TWAIN, MARK
Tradutor: LOBATO, MONTEIRO
Editora: IBEP NACIONAL
ISBN : 8504000265
ISBN-13: 9788504000269