Olhinhos de Gato
Publicado entre 1939 e 1940, Olhinhos de Gato, é um pequeno livro de memórias onde encontramos a fiel narrativa sobre a infância da nobre autora Cecília Meireles. Uma extraordinária reflexão poética sobre a perda e a dor, a solidão e a morte, o silêncio e o luto, engrenada pelas encantadas histórias da ama, as suaves descrições dos moradores da Rua do bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, as alegres brincadeiras de roda, tão presentes no gosto das crianças de antigamente.
Olhinhos de Gato era tratada com mimos pela avó, Boquinha de Doce, que lhe fazia lindos vestidinhos com babados, fitas, renda e ponto russo. A ama, Dentinho de Arroz, era silenciosa, olhos negros, levemente vesgos, névoa tênue de buço, pelo sorriso; névoa menos tênue de mágoa, no olhar. Com ela, Olhinhos de Gato subia a ladeira suspensa no ombro, num passeio por cima do vento, perto das nuvens e das estrelas.
Havia ainda a presença carinhosa da Maria Maruca e Có, agregados da família, de tia Totinha, que Olhinhos de Gato considerava sábia porque tocava piano e fazia pão-de-ló. Olhinhos de Gato tem alma feminina; cheiros, sons e sabores da infância. Uma infância povoada de lembranças, de solidão e do sentimento sempre presente da morte.
Desenvolvido em clima nostálgico, é um livro a ser degustado lentamente, que dá margem à inúmeras releituras para se chegar a apreciação sóbria de toda sua musicalidade, e à recomposição nítida das emoções da própria infância vivida, descobrindo assim, novas formas de se encarar a vida. Cecília Meireles explora com sofisticação a linguagem. A repetição dos sons gera um clima de solidão e abandono. A abundância dos adjetivos, escolhidos com incansável sensibilidade, ajudam-na a criar um ambiente subjetivo e poético. Repetindo palavras, em muitas passagens, vivifica substancialmente a presença da morte, e utilizando diminutivos, reconstrói o universo infantil. A utilização de uma pontuação reta e educada, abre-lhe espaço ao uso ininterrupto de reticências, para a divagação e a memória, os parênteses, por sua vez, inserem um outro tempo no seu diálogo com o leitor, e as onomatopéias, trazem ruídos de outras épocas.
Sua narrativa, desmembrada em treze capítulos, contempla dois momentos distintos e marcantes na vida de Olhinhos de Gato:
- O primeiro, com a morte de sua mãe, o beijo no rosto duro e frio;
- O segundo, com a morte de sua infância, quando seus lindos cachos são cortados, e ela os traz para casa e os entrega à avó, recebendo de presente uma cadeirinha de vime.
Sofisticadamente, uma obra majestosa, onde a autora tenta desvendar sua infância em momentos de contemplação intimista, utilizando-se de alguns fatos concretos, como as músicas que a ama lhe cantarolava, os carroceiros vendedores de mercadorias, as vizinhas que conversavam pelas varandas, as brincadeiras de roda... É possível ainda, adentrar nas observações reflexivas sobre a vida, a morte, e as sensações, que esta obra delicada, minuciosamente vem oferecer, omitindo os nomes dos verdadeiros personagens, mas simbolizando-os com destreza, como agentes representativos de um tempo e de um espaço glorioso, que jamais poderia ser esquecido.
Um livro para todas as idades, que com sua genialidade, vem atravessando épocas e gerações...