O QUE É UM AUTOR? (Texto de Michel Foucault)

FOUCAULT, Michel. O que é um autor. Lisboa: Passagens/Vega, 2002.

*Marcia Santos da Silva

No texto “O que é um autor?” (2002), Michel Foucault, notável filósofo francês, autor de livros como Vigiar e Punir (1975), Ditos e Escritos (2006), A Ordem do Discurso (1970),entre outros, problematiza sobre as implicações e a representatividade da figura do autor na produção de um texto. Ele remonta à época em que o sujeito enquanto autor não tinha qualquer “status”, até porque ele era um ilustre desconhecido.

Na Idade Média, a oralidade era o veículo responsável pela circulação/divulgação das narrativas, até mesmo pelo fato de grande parte da população ser analfabeta. Isso também contribuia para que a figura do autor permanecesse relegada ao anonimato e para a desimportância do sujeito no exercício da função autoral.

Para Foucault, “a noção de autor constitui o momento forte da individualização na história das idéias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também e na das ciências.” Isso significa dizer que num dado momento fez-se necessária a existência de um indivíduo a quem se pudesse imputar culpa por transgressões no discurso, atribuir a paternidade pelo nascimento de um texto e consequentemente pelas marcas identitárias presentes no mesmo.

Num “jogo ordenado de signos”, numa espécie de tecido formado pelo agregamento de várias vozes, o texto é o lugar onde cada leitor interpreta à luz do seu entendimento e de suas vivências o que está escrito, ressignificando-o. No entanto, ao escrever, o autor coloca as suas impressões e suas “verdades” na composição da obra, autenticando-a, conferindo-lhe maior ou menor grau de credibilidade e valoração. Há autores inclusive que marcam indelevelmente a sua obra a ponto de tornarem-se maiores do que a mesma.

Segundo Foucault (2002:36), a escrita é o lugar onde o sujeito torna sua ausência singular e sacrifica a própria vida em troca da imortalidade. Essa morte que simboliza a ausência do autor, permite ao leitor liberdade para interpretar o texto, sem que isso signifique que no discurso não estejam presentes as características que servem de diferencial entre cada indivíduo enquanto autor e imponha limites ao leitor.

Conforme Foucault, “o autor é uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o mesmo valor nas obras...”, ou seja, o autor não é simplesmente aquele que escreve e assina os textos; é aquele que confere-lhe uma espécie de aura, descrita por Benjamin como “ uma figura singular composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja.”

Essa aura é a sua marca, presente nas entrelinhas da sua obra, nesse caso em seus textos.

Como já disse algum anônimo, “a cada época o seu mal”. Sabendo-se que não há neutralidade nos discursos, é inconcebível na atual conjuntura ler um texto sem que se tenha noção da intencionalidade do autor ao produzí-lo, que pistas ele deixou no percurso de criação, o contexto situacional e o público destinatário. O texto é riquíssimo, embora apresente uma certa complexidade na leitura.O que não representa obstáculos para os estudantes de Letras e aficcionados por boas leituras. O que podemos inferir no discurso de Foucault é que o leitor busca a presença do sujeito criador nos textos que lê para estabecer o diálogo, ainda que seja para questioná-lo e/ou negá-lo.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Sobre arte, técnica, linguagem e política; Ed.Relógio d'Água.

COUTINHO, Maria Antônia Ramos. Os papéis do autor. In: BLANCO, Rosa Helena. SILVA, Marcia Rios da. (Orgs) Estampa de Letras: Literatura, linguística e outras linguagens. Salvador, Quarteto, 2004.

*Marcia Santos da Silva é bacharelanda em Letras pela Unijorge/Salvador.