Uma ou outra forma de tirania

O livro "Uma ou outra forma de tirania" de Marcos Vinícius traz contos habitados por uma expressão lingüística mais intensa que os personagens que neles vivem, até porque o livro retrata muito bem protagonistas vazios de histórias, quase desabitados em si mesmos.

A riqueza da literatura de Marcos Vinícius é calcada mais intensamente na linguagem e suas várias figuras, como já no conto de entrada, “Os retratos de Cândido Bergara”, e a metáfora de seu próprio título, pois o personagem, indiferente ao restante da família na volta a casa para o velório do pai, via a todos ali, naquela sala, como retratos vivos, reflexo distante de algo que não mais condizia com sua particular realidade.

Até a chegada de Bergara na pequena cidade de Vista Alegre é marcada por fina simbologia de travessia, fé e morte, como podemos notar: “Quem chega pelo asfalto, como ele chegava agora, avista primeiro a ponte de metal, com seus arabescos, depois a torre da igreja e, finalmente, o cemitério.”

Em “As irmãs franco” vemos a vida de silêncio e de sentimentos guardados de três irmãs chamadas Maria. Entre elas pairam apenas lembranças, sensações distantes e um vazio cheirando a morte, pois onde não há palavra não há vida, se retomarmos aqui a passagem bíblica de que o verbo divino foi o criador de tudo e de todos. “As palavras, quando palavras houve nesses encontros nada frugais, foram consumidas sem o mesmo prazer dos pães, bolos, frutas, sucos e geléias; e, ao contrário destes, esgotaram-se ao longo dos anos, por acomodação aos códigos impostos pelo tempo e pela ininterrupta convivência”. A história das irmãs termina na mesma cadência, ouvindo-se na casa apenas o ruído das coisas: de objetos, de passos, de sussurros mal pronunciados. E as três marias, a viverem sempre juntas, silenciosas, num espaço sombrio de recordações, quase trevas.

Através da linguagem cuidadosamente preparada, gerida no cuidado da escolha precisa das palavras, Marcos Vinícius desenvolve em seus onze contos de “Uma ou outra forma de tirania” temas universais, tão importante para a literatura compromissada com a história dos tempos, com a história das sensações e sentimentos que nunca morrem nos seres humanos.

No conto “A pensão” e sua temática voltada para o existencialismo ou em “O barro de que somos feitos” vemos uma literatura que também abarca o social, fazendo-se, antes de tudo, viva de ante de nós. Viva e intensa aos olhos do leitor, que encontra nela sugestivos e infinitos caminhos para não se deixar morrer pelas várias “formas de tirania”.