Aquela Canção


              Momentos em que meu coração ouve aquela canção e basta para a festa da imaginação, da fantasia escancarada. A letra transporta-me para o mundo do autor e eu, descaradamente, me aproprio da sua inspiração para alicerçar meu mundo poético.
          Momentos em que, aos meus ouvidos, chegam histórias trazidas daqui e dali e basta para a fantasia se espraiar, dedos no caderninho sempre a mão, dedos no teclado, tecendo teias e tramas que a história trazida sequer urdiu, sequer sonhou realizar.
           Momentos de brincar de Deus. Momentos de dar vida, alma, coração e consistência ao personagem. Seu fragmento de história é o leito do rio em que retiro, com a minha bateia, o cascalho, a pedra bruta, pronta para ser transformada e eu não resisto... escrevo e escrevo.
              Tudo, mas tudo mesmo pode ser mote para minha fantasia, para minha escrita. Devo confessar, no entanto, que sempre tive um xodó especial por letra de música. “Aquela canção” que meu coração ouve me ganha e as epígrafes (gosto delas!) adentram a alma do texto. Criador e criatura lado a lado, mão e luva acenando, felizes por se completarem.
              E sempre foi assim.Como se escrevesse com uma trilha sonora na cabeça.Como se música e escrita fossem faces da mesma moeda.Como se uma não vivesse sem a outra.
               Foi por isso que li maravilhada “Aquela Canção” da Publifolha. Doze canções da música popular brasileira são o mote para que doze renomados escritores - Glauco Mattoso, Milton Hatoum, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Marçal Aquino, José Eduardo Agualusa, Rodrigo Lacerda, Lívia Garcia-Roza, Eucanaã Ferraz, Beatriz Bracher, Paulo Rodrigues e Adriana Lisboa escancarem também a fantasia construindo narrativas deliciosas, comoventes e bem-humoradas, para ficar só nesses adjetivos.
           No livro, um conto-poema e 11 contos em prosa inspirados em clássicos do cancioneiro popular do Brasil, fonte inesgotável de beleza e poesia. A escolha das canções certamente foi a critério de cada autor, mas não há como negar que a riqueza da alma do nosso povo é imortalizada com maestria por letra e melodia de Juazeiro (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira), Carinhoso (Pixinguinha e João de Barro), É Doce Morrer No Mar (Dorival Caimy), Pela Luz Dos Olhos Teus (Tom Jobim e Miúcha), No Rancho Fundo (Ary Barroso, Lamartine Babo), Último Desejo (Noel Rosa), só para citar alguns.
               Como se não bastasse a beleza da letra de cada canção que compõe o livro e as maravilhas produzidas por cada autor e autora inspiradas por elas, há o CD com interpretações nas vozes de nada mais nada menos que Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Marisa Monte, Gilberto Gil, Zélia Duncan, Monica Salmaso, Nana Caimmy e outros, que valorizam e engrandecem nosso cancioneiro. Biscoito Fino mesmo.
            Li o livro no final do ano de 2007. Agora, na releitura, me vi apaixonada pela escrita de Rodrigo Lacerda e Beatriz Bracher, autores que não conhecia e que escrevem lindamente, com poesia, com alma. Eucanaã Feraz e seu conto- poema é um deslumbre.
             Vale conferir. Vale ler e reler. Vale ouvir cada canção e ler a alma do povo deste país tão diverso, tão rico e tão mal amado.Vale se apaixonar e escolher “aquela canção” para trilha sonora, porque cada um tem a sua e cada momento vivido também. É só dar ouvidos a alma...