Pecado ou desamparo original?
El infinito en la palma de la mano
Gioconda Belli
Premio Biblioteca Breve, 2008
Editorial Seix Barral, Barcelona
Resenha de Eliane Accioly
Imagine um casal, Adão e Eva, que de repente é expulso do Jardim do Édem para um mundo árido e cruel onde, da espécie humana, só existem os dois. Os animais antes amigáveis e dóceis são agora feroses, e não mais reconhecem a intimidade com a mulher e o homem. O casal descobre que precisa sobreviver: comer, dormir, se aquecer, se refrescar, fazer amor, defecar. Têm consciencia de si mesmos de uma maneira dolorida, pois se descobrem mortais, e absolutamente sós no mundo.
Eva descobre que o conhecimento buscado ao morder a fruta não chegou de forma avassaladora e completa, como desejou e arriscou. O conhecimento vem aos poucos, de mansinho, na medida das experiências, através das intuições, que existem pela ligação consigo mesma, com o mundo e os outros, Adão, os animais, as plantas, e as circunstância de suas vidas. Ou chega de maneira brutal, quando por exemplo, confundem o riso das hienas com afeto e reconhecimento, se aproximam, tentam acarinhá-las e são atacados.
A Serpente de vez em quando aparece, fala com Eva. A Serpente tem sabedoria, e parece se compadecer de Eva. Até parece mais amigável que Iaveh, que só fala com Adão e nos sonhos.
Adão e Eva descobrem pelo que vivem no corpo, a dor da fome que não se sacia, que não bastam os frutos para se alimentarem. Olhando em volta percebem que os animais matam uns aos outros para comer, e aprendem a matar para se alimentarem de proteína, que não chamavam assim, apesar do dom de nomear as coisas e os acontecimentos: a linguagem. O conhecimento chega assim, aos trancos, dores e barrancos. Comer o fruto da àrvore do conhecimento do bem e do mal foi necessário para desafiar as ordens de Iaveh, que parecia saber que isso iria acontecer, pois o fruto proibido não é o mais cobiçado?
Passarm a habitar uma caverna, Eva desenha nas paredes, criando na pedra a ilusão da vida lá de fora, animais, plantas, rios, estrelas, a lua. O paraíso se torna cada vez mais distante, pois inascecível, mas de onde estão ainda o avistam. Um dia se aproximam, e mais uma vez perdem perdão a Iaveh, oferecem animais em sacrifício. Foi quando o paraíso derrocou e desapareceu, subindo aos céus numa nuvem de poeira.
O amor é vivido intensamente no ato sexual, quando experimentam a fusão de um no outro. Adão entra em Eva, descobrindo que ela não está mais dentro dele, como uma costela, ao contrário, é ele que se encontra dentro dela. Entar na mulher como numa caverna quente e macia, da qual não conhece o fim, lhe traz um êxtase nunca antes experimentado. Para Eva amar Adão e recebê-lo em seu corpo faminto de amor é a ternura das ternuras, a paixão que faz com que se alegre por ter sido expulsa do paraíso.
A barriga de Eva cresce, e mais uma vez o conhecimento chega aos poucos, pelo que lhe acontece e vê acontecer com os animais, as fêmeas. Assiste o nascimento de um bezerro, ajuda a mãe, e vê a nimal se lamentando, antes que a cria saia por entre suas pernas. A Srpente lhe avisa que ela parirá sofrendo, e Eva teme a chegada de sua hora, talvez por ter sido avisada pela Serpente que a dor de parir seus filhos seria insuportável.
Quando entra em trabalho de parto Eva urra de dor e Adão chora por não poder ajudar sua mulher. Urra de desamparo, quem sabe sofrendo mais que ela, pois com Eva o parto acontecia em seu corpo.
No momento que nascia o primeiro filhote humano, o tempo mítico e mágicoda da duração do parto o Universo conspira. Todos os animais param para escutar, sentir os cheiros e as vibrações. Os bichos entram na caverna, levando literalmente seu alento à Eva, com suas respirações e color dos corpos. Os que ali não cabem ficam de fora rodeando. Adão percebe que Eva se conforta e se acalma, e a criança nasce.
Onde o pecado original? Não o encontro, o desamparo original sim. Também cada um de nós, cada uma das mulheres se sente desamparada no momento do parto. Pode ter apoio, ajuda, mas a tarefa é dela. E também da criança. Nascer é perigoso.
Adão e Eva mito judaico-cristão, se repete em cada ser humano, e inúmeras vezes em nossas vidas. Expulsos de um paraíso ao qual ansiamos retornar. Voltar à casa do pai.
O livro é inesperado e sútil. Um desses textos do qual não se sai, porque permanece dentro de nós, como um seixo que encanta e incomoda. Ou, quem sabe, o livro apenas rola o seixo que se encontra em nós desde o ventre materno? Ou antes mesmo, quando um esperma penetra no óvulo?
Os mitos não estão nos primórdios dos tempos, distanciados de nós, porque, em nossa dimensão ontológica somos seres míticos.