Livro tem a marca de uma polemista nata

MASP - [ 31/07 ]

Livro tem a marca de uma polemista nata - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=42&id=206493

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Le Corbusier escreveu meia centena de livros. Lina Bo Bardi (1914-1992) não chegou nem mesmo a concorrer com o mestre moderno, mas produziu textos em abundância, tanto para revistas italianas como brasileiras - entre as quais se destaca Habitat, periódico do Masp criado em 1950 por ela e seu marido Pietro Maria Bardi (1900-1999), então diretor do museu. Dispersos, esses textos estão agora reunidos na primeira publicação dedicada à arquiteta, Lina por Escrito (Cosac Naify, 208 págs., 180 ilustrações, R$ 59). São 33 textos produzidos entre os anos 1940 e 1990, organizados por Silvana Rubino e Marina Grinover.

Neles, Lina Bo Bardi comenta desde a moradia dos bairros residenciais de Roma em 1943 até a insanidade arquitetônica brasileira (numa conferência do 13º Congresso Brasileiro de Arquitetos, em 1991), passando pelo restauro do teatro Polytheama de Jundiaí (1986), projeto de Andre Vainer e Marcelo Ferraz. Todos esses textos são mais ou menos polêmicos, palavra que sempre cercou o trabalho arquitetônico de Lina, cuja maior contribuição no livro aparece na forma de uma aula publicada no número 133 da revista especializada Projeto (1990). Não foi bem uma aula, mas poderia ter sido. Trata-se da transcrição de uma conferência gravada, que adota como marco zero da discussão um livro básico dos estudantes da área, Arquitetura do Humanismo, de Geoffrey Scott.

Com o pretexto de discutir a crítica da arquitetura, ela comenta tanto a atuação do pioneiro crítico John Ruskin (1819-1900), autor de As Pedras de Veneza, como admite seu ressentimento por ter sido sempre enxotada dos projetos dos quais participou. Isso é verdade. Lembro que, pouco depois da inauguração do Sesc Pompeia, nos anos 1980, Lina telefonou dizendo que queria dar uma entrevista sobre os projetos de ocupação da velha fábrica de tambores - que visitou pela primeira vez em 1976 , ficando deslumbrada com seus galpões ingleses e a sua pioneira estrutura de concreto.

Durante a entrevista, a arquiteta mostrou-se tensa. Considerava uma afronta não a consultarem sobre os projetos culturais que seriam desenvolvidos na unidade do Sesc, assumindo o papel da mãe que defende o filhote de predadores. Segundo sua visão, os projetos "oficiais" seguiam a cartilha do pós-modernismo, então a bola da vez - mas, para ela, apenas uma retromania que absolvia os "penetras da arquitetura", aduladores que adoçavam a boca da classe dominante com portais, colunas e arcos romanos.

O ‘post-modern’ foi a pedra no sapato de Lina, que nutria ódio pelos representantes do movimento. Os arcos e colunas do movimento lembravam os arcos e colunas do nazi-fascismo, como justifica no texto sobre o projeto de transformação do Sesc Pompeia, iniciado em 1977 - e marcado pelo respeito ao passado. A arquiteta, nos anos 1980, parecia estar vivendo ainda "sob o céu cinzento do pós-guerra". A pós-modernidade vinha para destruir o sentido de história. Ela resistia. Os blocos de estrutura brutalista que ostentam "buracos" pré-históricos na parte nova, construída, do Sesc Pompéia, não resultam de um gesto voluntarioso e expressionista da arquiteta (que detestava carpetes e ar condicionado). Num país tropical, era preciso arejar o local com um sistema de ventilação cruzada (os "buracos" vermelhos funcionam como janelas).

Muitos dos textos do livro explicam projetos desenvolvidos pela arquiteta não só na capital, mas fora dela. Lina ficava escandalizada com o descaso das autoridades governamentais pela cultura do País. Reclamava também de jornais que não se ocupavam dos problemas da arquitetura e da arte. Uma de suas observações, que deveria servir como tema de discussão nas universidades, é a desmistificação do design como arma de um sistema (texto da página 136). O credo da Bauhaus revelou-se, segundo a arquiteta, "mera utopia". Lina preferiu ir atrás dos que produzem uma "contribuição indigesta" para a arte. "Seca e dura" de engolir, como a dos índios e negros.(AE) - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=42&id=206493

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 31/07/2009
Código do texto: T1728795