O dever da liberdade - Para o pre sidente da República - um político que deve muito à libe rdade de im prensa e de expressão -, jorn alismo bom é o que fala bem
ARTIGO - [ 27/07 ]
O dever da liberdade - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=205334
Carlos Alberto Di Franco
Para o pre sidente da República - um político que deve muito à libe rdade de im prensa e de expressão -, jorn alismo bom é o que fala bem
Acabo de ler o instigante livro de um colega no fascinante ofício de análise da mídia: A imprensa e o dever da liberdade, de Eugenio Bucci (Editora Contexto, São Paulo, 2009). Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa, o papel da imprensa, a liberdade e as relações entre o jornalismo e o poder.
Bucci afirma, com razão, que ‘os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada palavra que escrevem.‘ ‘Os jornalistas devem recusar qualquer vínculo, direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar -ou dar a impressão de que venha a acarretar- a captura do modo como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão encarregados de cobrir.‘
A independência é, de fato, regra de ouro. Mas não se confunde com o mito da neutralidade jornalística. A separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem. Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta. Daí decorre o dever da liberdade.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas.
O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla, talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do fundamentalismo sectário.
É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos arautos das ideologias.
Bucci, com a precisão de um cirurgião do texto, lanceta inúmeros tumores e vai ao cerne da correta relação entre imprensa e poder. ‘Para melhor cumprir seu papel de levar informações ao cidadão, a imprensa precisa fiscalizar o poder -e o verbo fiscalizar carrega, aqui, o sentido de vigiar, de limitar poder. Sem ela, não há como se pensar em limites para o exercício do poder na democracia. Portanto, não é saudável nem útil a imprensa que se contente com o papel de apoiar os que governam. Não é saudável, não é útil, nem mesmo imprensa ela é‘.
Um país não pode se apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os problemas do País. O governo Lula, no entanto, manifesta crescente insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o presidente da República - um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão-, jornalismo bom é o que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda, irrita e ‘provoca azia‘. Está, na visão de Lula, a serviço da ‘elite brasileira‘. Reconheço, no entanto, que Lula não é um crítico solitário da mídia. Políticos, habitualmente, não morrem de amores pelo trabalho dos jornalistas. A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou na entranha do poder.
O que fazer quando o presidente da República chama senadores de pizzaiolos, faz graça com a corrupção e incinera a ética no forno do pragmatismo e da suposta governabilidade? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói um grande país com mentira, casuísmos e esperteza. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à ética. A transparência informativa, de que os políticos não gostam, representa o elemento essencial de renovação do Brasil.
Governos passam, mesmo quando navegam em mares de votos, mas as instituições democráticas ficam.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br - http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=205334