A vida nas entrelinhas
“A elegância do ouriço”
De Muriel Barbery
Companhia das Letras, São Paulo, 2008.
Resenha de Eliane Accioly
A vida nas entrelinhas
Por que o título “A elegância do ouriço?” A autora não menciona, as entrelinhas do romance sugerem: o ouriço é um pequeno animal fechado em uma couraça, cujos espinhos defendem o tenro e delicado ser interior que a habita.
O n° 7 da rua Grenelle, em Paris, é um “belo palacete com pátio de jardim interno, dividido em oito apartamentos de alto luxo, todos habitados, todos gigantescos”, todos habitados por pessoas ricas, em geral esnobes e pomposas.
Renée, a zeladora do prédio, filha de camponeses, se esconde por trás de uma aparência rude, estereótipo de seu cargo, sendo, entretanto, uma mulher sensível, inteligente, autodidata, preparada e culta, com um humor cético e amargo. Esse é seu segredo. Conhece cada um dos moradores, passando sobre eles seu crivo e raio x, ávida de conhecimento do ser humano. Entrou como zeladora com seu marido. Ficou viúva e devido a sua competência permaneceu cargo, importante para ela, afinal _ “sou viúva, baixinha, feia, gordinha, tenho calos nos pés (...) sempre fui pobre, discreta e insignificante”.
Uma das moradoras Paloma, 12 anos. Considera o mundo adulto uma falsidade, pelo que observa dos pais e da irmã mais velha. E também dos amigos dos pais. Acredita que os adultos que conhece estão num “aquário”. Para escapar do aquário da mediocridade humana planeja morrer aos 13 anos. Mas, tem esperança de que seja possível mudar de idéia, ou de rumo, pois não quer morrer de graça, pelo menos a morte precisa de um sentido. Escreve dois diários filosóficos, enquanto procura o que possa desviá-la de dois destinos “compulsórios”: o primeiro ir parar no aquário, o segundo, seu suicídio. Como Renée, Paloma também se esconde, não deixando que entrevejam sua inteligência excepcional. A jovem se disfarça em estereótipos, observando e estudando trabalhosamente os hábitos de jovens de sua idade. Para ela a vida é terrivelmente previsível, e ela se enche de tédio.
Renée tem uma amiga portuguesa que considera uma rainha, a Manoela, faxineira em alguns apartamentos do prédio. Manuela cozinha como uma deusa, além de outros atributos. É divertida, uma aristocrata nata, de caráter nobre, e tem a propriedade de encontrar soluções inesperadas.
Kakuro Ozu chega com a morte de um dos moradores. O novo proprietário “alia um entusiasmo e candura juvenis a uma atenção e uma bondade de grande sábio”. Kakuro, atraente e excêntrico para os padrões normativos estéreis dos moradores conservadores do prédio, seguro de si não precisa se esconder. Assim como também a Manuela.
Renée e Paloma têm em comum “a elegância do ouriço”, escondem o melhor de si para se preservar da banalidade do mundo, não se revelam em sua delicadeza a quase ninguém.
Têm em comum a falta de fé num sentido maior (ou religioso) da vida. A arte em suas diferentes formas _ a pintura, a música, a literatura, o teatro, o cinema é para ambas o baluarte, o alimento, e também o sentido maior, o lugar onde se encontram com o sagrado, que no pensamento e palavras delas seria o sublime. É desde o olhar estético que Paloma se indaga, talvez a vida tenha um sentido, ela poderia, então, crescer e na entrada no mundo adulto, ir para a vida, e não para o aquário, assim como a vida, quem sabe, deixaria de ser previsível.
Aqueles que no livro compõem uma tribo especial, vão se encontrar, se reconhecer, apoiar e resgatar uns aos outros.