DON QUIXOTE NO TERCEIRO MILÊNIO

RESENHA

Por Eliane Accioly

“A Sombra do Vento”, Carlos Ruiz Zafón,

Objetiva, Rio de janeiro, 2007

O livro de Carlos Ruiz Zafón, “A Sombra do Vento”, romance picaresco de cavalaria do terceiro milênio, e detetivesco, que chegou a mim em dois momentos. No primeiro não consegui entrar na leitura, parando a pós as primeiras 30 ou 40 páginas. Meses mais tarde ou talvez um ano encontrei-o novamente na pilha de um sebo. Aliás, dessa vez ele me encontrou, e até o fim não consegui parar de ler. A história se passa em Barcelona. Daniel, o narrador, estava com 11 anos em 1945.

Romance picaresco de cavalaria do terceiro milênio, pois a Barcelona do livro é uma cidade sombria com características medievais, na figura dos grandes senhores e seus vassalos, nos becos sombrios, nas instituições atemorizantes, nos personagens que parecem saídos de romances de Cervantes ou Victor Hugo, nos segredos guardados pelas gerações, e que parecem indevassáveis. E detetivesco pela trama de suspense que não se desfaz até o fim do livro. Fremín é ao mesmo tempo um quixote, e o escudeiro de Daniel. Carlos Ruiz Zafón tem um belo fôlego literário.

Daniel tinha onze anos quando seu pai o convidou para conhecer o “Cemitério dos Livros Esquecidos”. O menino perdera a mãe quando bem pequeno, uns três anos. Em seu quarto conversava com a mãe sem ouvir suas respostas, aflito por não se lembrar do rosto dela.

No lugar misterioso, sagrado e mágico onde o pai o leva, o “Cemitério dos Livros Esquecidos”, o menino precisa escolher um livro, como parte de um ritual, que não pode contar para ninguém, nem para o melhor amigo. O livro escolhido é: “A Sombra do Vento”. Dos onze aos dezenove anos Daniel vive uma série de aventuras relacionadas com o livro e com Julián Karan, o autor de "A Sombra do Vento", homem misterioso, que não se sabia se estava vivo ou morto, e que pouco sucesso obtivera da literatura, apesar da diferenciada qualidade de seus escritos. Havia vários outros livros de Julián Karan, embora Daniel só tenha acesso ao que escolheu.

No decorrer das aventuras de Daniel em torno do livro e de seu autor, Julián Karan, o menino se transforma em homem, conhece a amizade, o sexo e o amor, sempre envolvido com a literatura.

Há diferentes tempos na narrativa _ de 1945 a 1953, a época de Daniel. A história também se passa em tempos anteriores à segunda guerra mundial, quando o rapaz ainda não havia nascido, e após os dezenove anos do narrador, pois a história vai continuar. Os diferentes tempos se atravessam, e Zafón liga impecavelmente cada personagem, tanto à trama como uns aos outros. O afeto encontra-se presente em cada um dos personagens, sejam eles luminosos ou sombrios. E há de sobra ambas as categorias.

Vale a pena ler A Sombra do Vento em um fim de semana, perder-se nos meandros sombrios ou ensolarados de Barcelona, descobrindo que Carlos Ruiz Zafón, o autor, cede generosamente seu lugar a Julián Karan, esquecido de si mesmo, provocando no leitor tal esquecimento.