Resenha do livro “A pesquisa sócio-linguística” de Fernando Tarallo.

Fernando Tarallo começa o seu livro “A pesquisa sociolingüística” estabelecendo o principal objetivo de estudo da sociolingüística, que, segundo ele é sistematizar o caos lingüístico. No princípio pode parecer meio infrutífero se lançar por um caminho tão distinto e tão obscuro como o de um combate desvirtuoso num terreno inimigo. Entretanto, o autor deixa claro que o pesquisador que se lançar nessa empreitada, embora não sendo fácil, poderá compreender que há algo de profundo e agradável na relação entre língua e sociedade mesmo que para muitos revele apenas um desconforto.

Vale lembrar que um dos principais sociolinguístas foi o americano William Labov. Em seu modelo de estudo, de uma forma veemente, destacou a importância do componente social para o essencial entendimento da língua falada. Segundo ele, havia uma variação na língua falada que deveria ser sistematizada.

De acordo com Tarallo, é visivelmente freqüente que o fenômeno da variação ocorre em toda a comunidade de fala. “A essas formas de variação dá-se o nome de variante” (Tarallo, 1990. P.08). Um determinado conjunto de variantes recebe o nome de variável lingüística.

Podemos observar que as variantes sempre estão num processo de concorrência. As comunidades de fala promovem esta disputa uma vez que em seu uso estão inseridos distintos grupos e diferenças sociais no convívio da comunidade. Assim, variantes-padrão se opõem a não-padrão, conservadoras a inovadoras e variantes estigmatizadas a variantes de prestígio.

O autor afirma que para uma pesquisa ter base e apresente resultados seguros porque condizentes com a realidade é necessário haver consonância na relação entre teoria, método e objeto. Em primeiro lugar, devemos considerar que essa relação parece ser óbvia e imperativa. Mas, é comum questionar-se qual deve ser o ponto de partida mais adequado. Segundo que um ou outro parece desencadear, como mola propulsora, o processo de investigação científico.

Em respostas ostensiva, Tarallo propõe que o objeto, considerando-o como “fato lingístico”, sempre deverá ser o ponto de partida para qualquer pesquisa sociolingüística, posto que este constitui a base deste estudo. É através dele que se configuram hipóteses a serem comprovadas desencadeando, por sua vez, um movimento para a aquisição de respostas e também para a construção de novas hipóteses.

Seguindo esse raciocínio observamos que a língua falada é o vernáculo. É a forma com que usamos a língua diferentemente em distintos lugares. Nesses termos, o vernáculo constitui basicamente o acervo para a análise sociolingüística.

Embora pareça simples, a coleta de dados pelo pesquisador exige cautela, pois, este terá que registrar os dados sem interferir na naturalidade da comunicação. O propósito é que o pesquisador se coloque devidamente na posição de observador. Essa seria a sua primeira alternativa.

Tarallo coloca – de acordo com o modelo proposto por Labov – que a narrativa de experiências pessoais é a principal estratégia usada pelo pesquisador sociolinguísta para coletar informações. É que a narrativa sendo um modelo expressivo que exige maior participação do informante, pertencente a uma determinada comunidade em estudo, dá maior liberdade para que ele (o informante) que é um colaborador pertencente à comunidade em questão, se importe o menos possível com a presença do pesquisador que por sua vez deverá estar gravando a conversa.

Já foi colocado que na pesquisa sociolingüística o maior cuidado deve ser reservado para que o colaborador seja o mais natural possível. O pesquisador jamais deverá informar aos participantes que ele está estudando a língua. Se por acaso deixar escapar essa informação correrá o risco de sua pesquisa ser deficiente, pois, o colaborador preocupando-se com a forma de se expressar, não fale com naturalidade.

Entretanto, o material que por ventura não representar o vernáculo em questão não deve ser descartado. Poderá ser utilizado para outros objetivos posteriores.

Além do dado não-natural que forçosamente estará gravado em sua fita cassete, você poderá elaborar testes de língua sobre as variantes estudadas a fim de ampliar o escopo estilístico. Nesse momento você dirá a seu informante que o teste é de língua. Com o teste você terá ampliado a dimensão estilística a um terceiro nível: dado natural e não-natural da entrevista, e teste. O último irá refletir um estio ainda mais pensado, mais intencional que o dado não-natural da entrevista, pois você terá lembrado ao informante que preste muita atenção à questão da linguagem. (Tarallo, 1990. p.31).

Dessa forma, Tarallo não descarta a relevância da pesquisa em todos os sentidos possíveis. Coloca que há dimensões mais elevadas que a pesquisa pode alcançar. Neste caso, dimensões que abrangem tanto o aspecto natural quanto o não-natural do falante.

Quando se trata do entendimento das variantes deve ser considerado que ela pode ter a presença do segmento [s] como também a sua ausência [*]. O segmento [s] é marca de plural no SN do português falado no Brasil. Para bom entendimento, devemos observar que estes casos são exemplos apenas da variação filológica.

De acordo com Tarallo, quando se levar em consideração às classes de palavras o resultado será o de que os determinantes dão forças à variante [s]. Assim, em enunciados como: “as casas amarela”, observamos a ausência do segmento [s] no modificador e a presença no núcleo do SN e em seu determinante. Neste outro exemplo: “as casa amarela”, notamos que o segmento [s] tem bastante força no determinante deixando que o SN e o modificador marquem sua ausência [*]. Nesse segundo exemplo é visível que o determinante exerce maior força no enunciado.

Com relação às variantes de natureza sintática, Tarallo observa um fenômeno bastante pertinente. É que há pronomes que confrontam variantes. Na posição de sujeito, por exemplo, há uma alternância entre o sujeito pronominal que é expresso e sujeito zero. Vejamos neste enunciado: “eu tenho uma amiga que [*] é ótima”. A elipse marca a ausência de um pronome. Em classes sócias menos favorecidas esta ausência é preenchia transformando essa forma padrão em não-padrão. Exemplo: “eu tenho uma amiga que ela é ótima”.

Evidentemente, isso corrobora a idéia de que a língua varia de acordo com a classe social. As tidas classes média e alta tendem a valorizar mais as variantes de prestígio. A classe baixa, de acordo com o exemplo já exposto onde a marca principal do enunciado “eu tenho uma amiga que ela é ótima” é a utilização do pronome “ela” denominado por Tarallo de “pronome-lembrete”, diferentemente das outras classes que marcam uma utilização mais intensa da forma não-padrão.

Dois pontos principais devem ter se firmado em você até agora: 1. a língua falada é heterogênea e variável; 2. a variabilidade da fala é passível de sistematização. A língua falada é, portanto, um sistema variável de regras. Obviamente, a esse sistema de variação devem corresponder tentativas de regularização, de moralização. Como grande estandarte dessa regularização surge a língua escrita tal qual ensinada nas escolas. A língua portuguesa veiculada na escola é, em princípio, um reflexo da norma-padrão do português. (Tarallo, 1990. P.57-8).

De acordo com essa normalização lingüística, Tarallo traz como reflexão a tentativa de busca para uma unidade da língua nacional. Certos meios de comunicação midiáticos de o seu princípio se propõem em fazer essa unificação. Entretanto, pode-se observar que embora procurem refletir a norma-padrão utilizam-se muitas vezes de traços variáveis da fala.

Pode-se facilmente ver isso em textos de televisão como jornais, documentários, mesas-redondas e novelas. O que Tarallo não deixou claro foi que para se observar esse sutil uso de variáveis não-padrão, em alguns programas de televisão como os jornais, é preciso que o telespectador disponha de certos conhecimentos lingüísticos que permitam na sua abrangência a identificação dessas variáveis e sua possível alternância entre uma e outra. Isso parece imprescindível, senão, esta problemática não teria razão de ser.

Também no uso de certas orações relativas com ou sem o “pronome-lembrete” como já foi dito, é preciso ter certo acervo de informações para se compreender que a ausência desse pronome marca certa valorização da norma-padrão da língua ao passo que sua utilização reflete, sobremaneira, a forma lingüística estigmatizada pela comunidade. É evidente que o pesquisador já disponha desse esforço precípuo. Mas, o fato lingüístico como marca de uso numa determinada comunidade de fala, pode ser visível a todos desde que disponham dessa percepção e dessa estrutura marcada pelo que comumente chama-se de “conhecimento prévio”, neste caso do uso lingüístico.

Assim, em textos veiculados pela mídia, há a gritante predominância da forma padrão sendo, portanto, bastante intolerantes à infiltração de variáveis não-padrão. No entanto, quando procuram explorar a língua falada, como, por exemplo, é o caso dos documentários e das mesas-redondas, esta rigidez cai por terra e então podemos ver a sutil infiltração de certas variante não-padrão. Fica, portanto, demonstrado que a língua em toda a sua abragência, também no que se refere à estrutura, pode ser relacionada ao seu uso promovendo a predominância de uma variável sobre a outra.

Cabe, então, perguntarmo-nos se não há mudança, isto é, se estas formas distintas de variantes quando marcam a predominância de uma sobre a outra, durante certo tempo, as pessoas não param de usar aquela e aderem ao uso desta? Toda variação pode ser encarada como mudança?

A isso Tarallo procurou responder levando em conta toda a evidenciação posta até aqui:

Nem tudo o que varia sofre mudança; toda mudança lingüística, no entanto, pressupõe variação. Variação, portanto, não implica mudança; mudança, sim, implica sempre variação. Mudança é variação! (Tarallo, 1990. p 62).

Parece repetitivo, mas é bom para fixar na mente a distinção entre mudança e variação. Quando o autor se refere à mudança, pressupõe um movimento sem o qual parece que esta não seria possível. É necessário, portanto, compreender o processo histórico dessa configuração, pois, se assim não fosse não seria possível entender o que levou a língua a chegar nesse ponto.

Quando se fala em mudança é imprescindível compreender que a língua é uma estrutura heterogênea ordenada. Aqui não há falantes ideais. Os fatos lingüísticos são, evidentemente, entidades teóricas.

A mudança ocorre quando há competição entre variantes e uma se sobrepõe à outra. O terreno dessa competição é a comunidade lingüística. Dessa forma, o contato entre os falantes estabelece este fluxo contínuo sendo decisivo e fundamental. Mudança em pregresso marca o movimento contínuo desse fluxo preparando o caminho para uma definição.

O livro “A pesquisa sócio-linguística” de Tarallo é ideal para estudantes de letras (pesquisadores em potencial) e para quem quiser se aventurar na busca de uma compreensão da língua em seu processo sincrônico e diacrônico. Isso mesmo! O autor afirma a impossibilidade de compreender e sistematizar a língua sem o apoio desses dois princípios. Assim, há uma relação inevitável entre língua e sociedade passível de sistematização. De um lado uma típica característica humana (a língua), do outro o desejo de compreender mais (a pesquisa).

Referência bibliográfica:

TARALLO, Fernando. A pesquisa sócio-linguística. Ática S.A. 3ªedição. São Paulo, 1990.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 09/07/2009
Reeditado em 14/07/2009
Código do texto: T1690275
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