Dom Casmurro
Ao revirar os lapsos memoriais Dom Casmurro acorda numa manhã cinzenta e percebe-se ilezo e solidário a sua tristeza , a solidão e a dúvida que corroeu sua mente, e transformou sua vida de forma que nunca mais viria a ser o jovem inocente e passivo , como era quando tinha 15 anos.
Bentinho é um garoto ingênuo, oriundo de uma tradicional família brasileira do século XIX, morava com sua mãe D. Gloria, que enviuvara cedo, José Dias um agregado, seu tio Cosme e sua prima Justina.
Sua mãe era bastante religiosa e o educara de acordo com os preceitos da igreja Católica. Vivia uma vida normal quando criança, sua mãe o levava para ás missas e ele dividia suas travessuras com sua amiga Capitu , sua vizinha criatura doce, forte , altiva e de família pobre. Sua mãe tinha-lhe projetos desde que foi concebido: ”Tendo lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus prometendo que se fosse varão metê-lo na igreja.” Porém Betinho é surpreendido por um amor sincero e uma paixão arrebatadora por Capitu. ”Com que então eu amava Capitu e Capitu a mim?”
“A emoção era doce e nova, mas a causa dela fugia-me, sem que eu buscasse nem suspeitasse.”
Condicionado a dedicar o resto da sua vida a religiosidade, Bentinho viu uma única solução para a qual voltaria todas as suas atenções, afinal de contas era ir para o seminário e dedicar-se a religião ou viver o seu amor por Capitu.Bentinho pediu a José Dias para que ele convencesse sua mãe de que o interessante era a vocação e não a indução , ou simplesmente a obrigação que repousava sobre ele naquele momento. Com o passar do tempo o amor de Capitu e Bentinho aumentava “Capitu a principio, não disse nada. Recolheu os olhos , mete-os em si e deixou-se estar com as pupilas
vagas e surdas, a boca entreaberta , toda parada. Então eu , para dar forças as afirmações comecei a jurar que não seria padre.Naquele tempo jurava muito rijo , pela vida e pela morte.” Bentinho porém vivia entre o medo e ternura e Capitu o encorajava a fazer o que deveria ser feito , pois além de corajosa a menina foi intitulada pos José dias de “Olhos de cigana obliqua e dissimulada.”
Certo dia Bentinho foi à casa de Capitu como de costume e se ofereceu para pentear os cabelos de sua amada e ao termino das tranças foi surpreendido: ”Não quis, não levantou a cabeça e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus e... Grande foi à sensação do beijo.”
Agora o fato já estava confirmado, o amor já estava confirmado, e o que restava aos jovens além de sonhar com o casamento, além de jurar amor eterno, além de... Sonhar não era o bastante já que o tempo passava e Bentinho não teve êxito com a tentativa de José Dias, então vencendo as barreiras do medo, acreditando na possibilidade de que o amor é o sentimento mais nobre que existe na humanidade Bentinho encoraja-se e resolve ele mesmo falar com sua mãe sobre sua vocação que naquele momento existia somente para compreender os mistérios do amor. ”Como eu buscasse contesta-la, repreendeu-me sem aspereza, mas com alguma força, e eu tornei ao filho submisso que era. Depois, ainda falou gravemente e longamente sobre a promessa que fizera; não me disse as circunstancias nem a ocasião, nem os motivos dela, coisas que só vim saber mais tarde. Afirmou o principal, isto é, que a havia de cumprir em pagamento a Deus.”
O padre Cabral amigo da família há anos, percebendo o sofrimento do menino em relação a sua vocação faz uma proposta para sua mãe: Bentinho passaria dois anos no seminário e caso não percebesse sua vocação, ele retornaria para casa e se dedicaria a estudar Direito ou outra ciência. Assim foi feito, Bentinho vai para o seminário “Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas. Minha mãe apertava-me ao peito. Prima Justina suspirava. Talvez chorasse mal ou nada. Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca; diz-se que padecem mais que as outras.”
No seminário Bentinho conhece a realidade dos padres, o grande legado e poderio da igreja Católica, porém seu coração permanece assim intacto, o seu amor por Capitu é maior que tudo!
Dentre esses amigos Bentinho conheceu Ezequiel de Souza Escobar “Era uma rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. E para ele se tornou especial com o passar do tempo.” Escobar é muito meu amigo Capitu..” Bentinho foi se acostumando com a rotina , durante a semana permanecia no seminário e ao final ia para casa visitar os seus familiares e a Capitu. O tempo passava-se Capitu e sua mãe uniam-se cada vez mais , no entanto certo dia sua mãe fica muito adoentada e por conta disso ordenou que chamassem seu filho para que o mesmo a visitasse. Ao receber a visita do seu filho , D. Gloria percebeu sua tristeza e passou a fazer uma longa reflexão em relação a sua atitude de internar-lhe num seminário.
Em um desses sábados Escobar resolveu fazer uma visita de cortesia para o seu amigo, já que soubera do estado de saúde de sua mãe que não estava nada bom, tornando assim os laços de amizade mais estreitos ainda.
Após um grande momento de reflexão, D. Gloria ouvindo os conselhos do padre Cabral, que já havia consultado o bispo e escrito para o papa sobre a situação de Betinho decidiu deixar seu filho caminhar com suas próprias pernas. Bentinho sai do seminário e vai estudar Direito. ”-Venceu a razão; fui-me aos estudos. Passei os dezoitos anos, os dezenove, os vinte, os vinte e um; aos vinte dois era bacharel em Direito.”
Agora só lhe faltava um desejo para que sua felicidade ficasse completa. Aquele que o encorajara a vencer as barreiras do medo, a enfrentar o mundo se fosse preciso, o sonho que alimentava sua alma, a loucura que o mantinha vivo e o amor, o amor maior que tudo, maior até a razão, que a lógica, maior até que aquele menino que foi criado de acordo com as tradições burguesas e o desejo efêmero que o conspirava quando adolescente.Agora sim Bentinho já era homem, Bentinho já era o Bacharel Bento Santiago.
“Foi em 1865, numa tarde de março por sinal que chovia. Quando chegamos ao alto da Tijuca onde era o nosso ninho dos noivos, o céu recolheu as chuvas e acendeu as estrelas.”
O tempo correu como o esperado, agora casados Capitu e Bentinho viviam a eternidade do amor e o amor os eternizava com sua benção divina. ¹ Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos sem o amor eu nada seria...”
Seu amigo Escobar também se casa com Sancha, com a qual teve vários filhos dentre eles Capitulina, nome que escolheu para homenagear a amiga. Passaram-se alguns anos e Capitu realiza o desejo de Bentinho: Deu a luz a menino e deram-lhe o nome de Ezequiel. Aos cinco anos Ezequiel é batizado por sua avó materna D. Gloria e por Escobar melhor amigo da família.
Num desses dias em que o sol brilha mais alto e o mar resgata o brilho nos olhos acontece uma tragédia: ”Escobar mete-se a nadar, como usava a fazer, arriscou-se um pouco mais fora do que de costume, apesar do mar bravio foi enrolado e morreu. As canoas que o acudiam mal puderam-lhe trazer o cadáver.”Sancha agora viúva é consolada por Capitu que olhava para o cadáver de forma tão apaixonante que deixava as lágrimas rolar disfarçando a presença do marido.
Ezequiel ia crescendo e a este passo iam crescendo em seu semblante as aparências de Escobar. Certo dia ao comparar as fotos de Ezequiel e Escobar Bentinho notou semelhanças efêmeras a ponto de decidir enviar Capitu e Bentinho para a Europa, temendo o escândalo que seria uma nova descoberta.
¹CORÍNTIOS, cap.13 vers.1
“Capitu começara a escrever-me cartas a que respondi com brevidade e sequidão. As delas eram submissas, sem ódio e afetuosas...”
Os anos passaram-se Ezequiel tornou-se homem e ao regressar ao Brasil, voltando-se para o pai com a dolorosa missão de informa-lhe sobre a morte da sua mãe. ”A mãe creio que ainda não disse que estava morta e enterrada. Estava lá repousa na velha Suíça.”
Voltando-se para o filho agora Bento Santiago não demonstra muito afeto por sua mãe e prefere ignorar o assunto e continuar a conversa com assuntos relacionados a visão que Ezequiel tinha do mundo já que agora era um homem além dos seus amores e projetos para o futuro.Porém o fantasma de Escobar ainda os ronda e Bento Santiago faz a seguinte conclusão: “-Era o próprio Escobar , o verdadeiro Escobar.”
Porém onze meses depois Ezequiel volta para os braços de sua mãe. Morre de uma febre tifóide e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, pois havia ido estudar por lá.
Não havendo mais o que esperar, Bento Santiago espreitava o relógio, esperava na esquina, olhava para o horizonte a espera de uma realidade passada, uma família devastada, e um amor que não se consolidava com a sua atual realidade.
(...) ”Não consultes no dicionário. Dom Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo.
Agora, porém não havendo mais luzes, flores e restando apenas alguns espinhos que lhe fustigavam o peito o Dom Casmurro, ex-menino Bentinho, e ex-Bento Santiago, respirava o ar da liberdade morta, sombria, de uma tristeza profunda que adentrava sua alma e chegava sabe-se lá onde.
²Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Agora que sou adulto parei de agir como criança. O que agora vemos é como uma imagem imperfeita num espelho embaçado, mas depois veremos face a face.
²CORÍNTOS 1, cap.13 vers.11-12
Análise da Obra
Machado de Assis fez com que nos fizéssemos uma ampla reflexão sobre os costumes brasileiros no século XIX, quando nos coloca frente a frente com a dúvida sobre a existência do adultério de Capitu , fato que em nenhum momento é explicitado , fazendo com que permaneçam apenas as suspeitas.
O romance é apresentado em primeira pessoa, os fatos são expressos pelo narrador-personagem. A ação do livro acontece em duas fases: A primeira estende-se da adolescência de Bentinho, passando pela decisão de sua mãe em fazê-lo padre, ao convívio com Capitu e a sua ida para o seminário. A segunda estende-se a partir da sua saída do seminário, o seu casamento com Capitu, sua separação motivada por desconfianças sobre a paternidade do seu filho, até o seu fim solitário. Machado de Assis nos permite fazer uma adoção de um final já que deixa uma questão em aberto, fazendo com que nós leitores penetrem na obra de forma que possamos estipular o seu final.
Referências Bibliográficas
• Assis, Machado de, 1839-1908.
Dom Casmurro: Machado de Assis. -5ª Ed.-São Paulo: FTD, 1999. -(Coleção Grandes leituras).
• 1 Coríntios 13