AS SOMBRAS DE CHICO LOPES
As Sombras de Chico Lopes
Antonio Luiz Fontela*
Literatura é arte. Como toda arte, deve ser mais sentida do que analisada. Foi assim que conheci Chico Lopes. Ao ler seu livro de estréia, "Nó de Sombras", senti a pena criativa do artista, através das almas dos personagens. Como um Guernica, uma Pietá, uma Maja Desnuda, ou um Bolero de Ravel, ou uma Carmen de Bizet, senti os contos. De pronto, fiz a comparação: - Este Chico está para o conto, como Orides Fontela está para a poesia. Imaginei o autor: - Deve ser uma personalidade psicopática! Nada disso... depois o conheci pessoalmente. É apenas um artista, de personalidade alegre e comunicativa. Nada a ver com as sombras dos protagonistas, que adquirem vida própria em mundos fechados.
Agora, pela terceira vez, estou relendo seu segundo livro: "Dobras da Noite". O autor se supera. A narrativa é de fácil assimilação. No entanto, e aqui um paradoxo, os personagens são extremamente complexos, de difícil compreensão psicológica. São seres de personalidade hermética ou esquizóide. Tipos contraditórios, de condutas sem nenhuma previsão lógica. Vivem no nosso mundo, mas não vivem conosco. Misteriosos habitantes de mundos distantes, inadaptados à sociedade convencional. Introvertidos com tendência ao autismo. Fantasia e realidade se misturam no mundo psíquico dos protagonistas. Vivem e sonham ao mesmo tempo. O autor, em quase todos os contos onisciente, apenas relata. Não é um maldito ou um marginalizado. Os personagens, pelo contrário, o são. Vivem em planos entre a realidade e a fantasia. Incapazes de distinguir esta daquela. É dentro desse mundo hermético/psíquico que se desenrolam as tramas.
Mas outro tipo de personagem surge na narrativa. Em geral, mães e irmãs, às vezes um amigo. Não são protagonistas ou antagonistas, sequer podem ser considerados coadjuvantes. Surgem mais como meros figurantes, com pouca ou nenhuma fala, mas se revelam personagens confabuladoras. Vivem no mundo convencional. São mitômanas, vivendo de ilusões ou aparências. E, dentro de suas reduzidas capacidades criativas e de autocrítica, em uma análise freudiana, projetam as suas sombras sobre o protagonista.
O narrador, por sua vez, pouco interfere. A trama se desenvolve por si própria. Incomoda e causa dor ao leitor. Mas é para isso que deve servir a literatura. E o autor Lopes faz isso magistralmente.
Não tenho dúvidas. Chico Lopes é um dos melhores, senão o melhor, contista contemporâneo do Brasil. Sua obra é digna de ser objeto de tese de doutorado em universidades.