O que é Linguística
Referência da Obra
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é lingüística. São Paulo, Brasiliense, 2006.
O ser humano busca, desde sua essência, a dominação plena do mundo que o rodeia para nele se estabelecer. Para isso, necessita de conhecimento. Isto resulta na procura incessante por explicações para tudo existente. A procura por explicações para a linguagem se mostra como um importante exemplo. Ela o acompanha onde quer que esteja, pois é algo próprio do ser humano e é de suma necessidade para o convívio humano. Apossado do saber acerca da linguagem, este homem doma seus poderes “selvagens” e os guia para junto de si. Seu êxito é garantido?
A linguagem seduziu o homem desde os primórdios de sua existência e este se vê fascinado com as manifestações na área da literatura, poesia, religião, filosofia, etc. Ao longo do tempo, provas do espírito curioso do homem em desvendar a linguagem foram surgindo (lendas, mitos, rituais, estórias e polemicas).
A Antiguidade grega foi palco de extensos questionamentos de pensadores com o intuito de desvendar um assunto: as palavras, de fato, tinham semelhança com as coisas ou eram convencionadas tão somente? A linguagem se estrutura obedecendo à ordem existente no mundo, a qual segue preceitos referentes a aspectos similares ou divergentes?
Os antigos hindus foram perspicazes as tratarem da linguagem verbal. Redescobriram o sânscrito, que era a língua sagrada da Índia antiga, no século XIX. Surgiram, então, estudos requintados de linguagem de tempos passados. O interesse hindu pela linguagem era unicamente religioso. Queriam firmar, através da palavra, um vínculo estreito com Deus, sem deixar de lado seu rigor.
A Europa medieval viu nos Modistae uma expressão importante, de caráter reflexivo, acerca da linguagem. Propuseram uma teoria geral da linguagem sem interferência da Lógica na Gramática. Assim, criaram três modalidades da linguagem (modus):
* o modus essendi (relacionado ao ser)
* o modus intelligendi (relacionado ao pensamento)
* o modus significandi (relacionado ao significado).
A Linguística surgiu para dar a estas preocupações com a linguagem, um ar científico, com características peculiares. Ela nasce no começo do século XX, enfrentando obstáculos para se firmar ciência, pois devia provar sua precisão metódica e estruturação concreta de seu estudo. Pertencente as campo das Ciências Humanas, a Linguística configurou-se como e estudo cientifico quês descreve e/ou explica a linguagem verbal.
É comum confundir análise lingüística com análise gramatical. Diferente da gramática normativa, que dita regras e normas do uso correto da língua, a Linguística objetiva estudar a língua e suas diversas dimensões manifestadas. Contudo, este estudo se restringe apenas à linguagem verbal (oral e escrita). Quando o ser humano fala ou escreve ele produz sinais, chamados signos. São estes signos que dão sentido a sua própria existência e o integram ao convívio inter pessoal. Além destes, existem ainda os signos não – verbais: pintura, mímica, código de transito, moda, que juntamente com os verbais são objetos de estudo de uma ciência especifica: a Semiologia.
O processo de criação da Linguística é marcado por dois momentos: século XVII (gramáticas gerais) e século XIX (gramáticas comparadas).
Neste primeiro, o racionalismo reinou sobre os estudos linguísticos. A linguagem é tida como representação do pensamento e as línguas se pautam em preceitos lógicos, racionais. Desta forma, a linguagem é geral e possui diversas particularidades (as línguas). Nascem daí as gramáticas gerais. Sendo assim, a língua deveria ser usada de forma clara e concisa, sem ambiguidade ou confusão.
Nesta situação, a gramática remove de maneira automática as impurezas e preserva o que esta em bom estado, usando como combustível a Lógica. Tudo isso para alcançar a língua – ideal, aquela única, perfeita, livre de falhas, que seria falada por todos: a língua do ser humano.
A gramática modelo de século XVII é a Gramática de Port Royal ou Gramática Geral e Racional de CI. Lancelot e A. Arnaud (1690). Ela contribuiu ao tomar a linguagem como algo geral.
No segundo, o século XIX (da Linguística Histórica) inaugurou as gramáticas comparadas. Aqui, é negado o ideal universal. Contempla-se a transformação das línguas.
É a mudança que interessa. Os estudos históricos mostram a necessidade que a língua tem de evoluir, que se dá de maneira característica e independe do querer humano. Destaca-se o alemão F. Bopp. Sua influência marca o início da Linguística Histórica, com seu trabalho encima da língua sânscrita, equiparada a outras línguas europeias. Ele observou que havia uma grande semelhança entre certas línguas, as quais chamou de línguas indo – europeias. Elas pertenciam a uma mesma família. Descendendo de uma língua de origem: o indo – europeu.
Assim, visavam à língua – mãe: uma língua que originou as diversas existentes. Não se tem nenhuma prova documental que garanta a sua existência, pois não passa de uma criação conceitual, mas chegou a ser utilizada em fábulas. As gramáticas comparadas revelam com convicção a regularidade das transformações na língua, com rumo certo. Ex.: “sol” e “sor”. O “l” se transforma em “r”, mas nunca em “p”.
Os neogramáticos enunciaram as leis das mudanças da língua (leis fonéticas) que explicariam esta evolução.
Mesmo gerando divergências, foi-se possível a reconstituição de suposta língua – origem (indo – europeia).
É a partir desta escrita sugestiva que a Linguística se veste de cientificidade. Passa a analisar a própria língua através de signos. A isto se dá o nome de metalinguagem: a linguagem que se explica. Há metalinguagens formais (uso de símbolos abstratos) e as informais (linguagem ordinária). O estudo lingüístico vale-se de formal em sua análise da língua. Mas é com o lingüista americano Noam Chomsky que a escrita linguística atinge um rigor vinculado à teoria matemática, provocando a formação de adeptos e contrários a ela.
Duas tendências povoaram a história lingüística: a do percurso psíquico (relação linguagem/pensamento), chamada de Formalismo e a do percurso social (relação linguagem/sociedade), que se intitula de Sociologismo.
A importância dos estudos de Ferdinand Saussure inaugurou a Linguística. A obra Curso de Linguística Geral, publicado em 1916 pelos seus discípulos Bally e Sechehaye, reunia os manuscritos do mestre. Porém, esta obra talvez não seja a mais lapidada por Saussure. Ele passou boa parte de seu tempo decifrando anagramas, que são palavras transcritas com as mesmas letras de outras.
Ex.:
I R A C E M A => A M É R I C A
Também mostrou ser possível existir um texto atrás de outro texto. Saussure estipulou para esta ciência da linguagem quatro disciplinas que correspondem a quatro níveis de linguagem: a fonologia (unidades sonoras), a morfologia (forma das palavras), a sintaxe (estrutura das palavras) e a semântica (o significado).
A partir da perspectiva teórica de Saussure, a língua trona-se o principal objeto de estudo da Linguística. Ela é um sistema de signos, um conjunto de todas as unidades sonoras e sintáticas que formam uma unicidade. O signo seria a combinação do significante (parte acústica, som) e significado (representação psíquica), sendo o significante o suporte material do signo ou de uma expressão. Contudo, significante e significado possuem uma relação arbitraria, pelo fato de a íngua se estruturar em unidades abstratas e resultantes de convenção.
Ex.: O “cão” se chama “cão”, independente de razão, porque é fruto de um acordo convencional.
“Cão” é “cão” porque não é “gato”.
Saussure também evidencia um pressuposto importante: separação entre língua e fala. A língua é o conjunto de todas as regras que determinam o emprego dos signos e relações sintáticas necessárias para a produção de significação. U sistema abstrato, de caráter social, universal e virtual. Em contrapartida, a fala é uma execução da língua pelo individuo falante; depende de quem a utiliza e do contexto aplicado.
Uma ultima distinção é o rompimento entre a sincronia (situação recente em que a língua se encontra) e a diacronia (série de seqüências dos “momentos” estáveis da língua em evolução através dos tempos). Ele exclui a fala e a diacronia, deixando no campo lingüístico os conceitos de língua, valor e sincronia.
Saussure atribui o nome de sistema à organização interna da língua. Entretanto, é de estrutura que fica sendo denominada por seus sucessores. Cada unidade elementar da língua só tem valor quando possui relação com a totalidade em que esta inserido. Sendo assim, qualquer unidade linguística é identificada pelo seu lugar ocupado na unidade geral da língua, o método estrutural.
É percebido que, a partir de seu principio, o estruturalismo obteve êxito e expressou-se de diversas maneiras. Entre lãs está o funcionalismo. Ele objetivava os papéis (funções) executados pelos elementos lingüísticos, sejam fônicos, gramáticos, semânticos. Com relação aos aspectos fônicos, dentro da fonologia, os traços sonoros presentes na pronúncia são distribuídos em alguns casos. São chamados, fonologicamente, pertinentes.
As diferenciações fônicas analisam não somente os sons, como ainda as unidades gramaticais e semânticas. Assim, emergem uma serie de complicações na busca por traços que diferenciem significados ou formas e construções.
Ex.: Que traço distingue, semanticamente, “amor” de “afeição”?
Que traço distingue, morfologicamente, “cantei” de “cantava”?
Em vista das dificuldades, os funcionalistas se viram na necessidade de requintar suas ferramentas descritivas. A partir daí, consideraram diversas formas de relação, como as oposições e os contrastes. Estes instituem dois eixos: paradigmático e sintagmático. Aquele estrutura as relações opositivas, onde há substituição de unidades.
Ex.: mola/cola
Já este congrega as relações contrastantes, havendo combinações de unidades.
Ex.: (s+o+n+o = sono).
A língua se pautaria nestas duas formas relacionais. Os estruturalistas compreenderam de diversas formas a noção de relação e de função. Eles sistematizaram as funções constitutivas da linguagem, caracterizadas pelos seus desempenhos no processo comunicativo. Por conseguinte, as funções da linguagem são:
* Expressiva: centra-se no sujeito emissor e tende a suscitar a impressão de u sentimento verdadeiro ou simulado.
Ex.: Que sol esplendoroso!
* Conativa: centra-se no sujeito receptor (destinatário) e é eminentemente persuasiva.
Ex.: Ilumine-me, ó sol!
* Referencial: centra-se no conteúdo da mensagem e aponta para o sentido das coisas e dos seres.
Ex.: Durante o dia, vemos o sol no céu.
* Fática: centra-se no canal e visa estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação e serve para testar a eficiência do canal.
Ex.: Alô, alô, explosões no sol, vocês estão explodindo?
* Poética: nela predominam a conotação e o subjetivismo. Há a manipulação das palavras pelo autor.
Ex.: o sol me dava beijos ardentes e dourados.
* Metalinguística: centra-se no código. Consiste numa recodificação e passa a existir quando a linguagem fala dela mesma.
Ex.: O sol é a maior estrela do Universo.
Com este tipo de funcionalismo, a Linguística viu-se próxima d a Literatura. Outra expressão do funcionalismo estuda a língua analisando seus desvios: erros, inovações, usos populares, gírias, etc. eles são funcionais na medida em que o individuo falante busca algo na língua, do qual necessita e não o encontra, que pode ser a brevidade, assimilação, distinção, invariabilidade e expressividade. Isto trouxe uma preciosa contribuição, pois consideraram os desvios peças constitutivas da linguagem e presentes na própria concretização desta.
Nesta conjuntura, surge nos Estados Unidos, uma teoria geral da linguagem: o distribucionalismo, idealizada pelo americano L. Bloomfield e que foi desenvolvida por seus alunos. Esta reflexão linguística é contraria às interpretações ate então formuladas acerca da linguagem, que recorriam à “incorporação” do homem. Bloomfield sugere o caráter comportamental dos eventos lingüísticos, pautado na teoria do behaviorismo, através da relação estímulo/resposta.
O primeiro passo distribucionalista é a descrição. Ela elimina a doutrina histórica da linguagem e ainda o menor sinal que alude ao sentido de significação. Segundo esta corrente, analisar a língua requer a reunião de um grupo de proposições proferidas pelo falante num dado instante (corpus0, procurando descobrir sua organização (regularidade) percebida pela observação da distribuição das unidades no contexto existente. Tal projeto linguístico é verificado em todos os níveis da linguagem: fonológico, sintático e semântico.
Os círculos linguísticos foram preponderantes no progresso da Linguística. Eram reuniões de pessoas (estudiosos) que debatiam a linguagem sob certos pontos de vista. São eles:
* Círculo Linguístico de Moscou (CLM) – de 1915, iniciado pelo russo R. Jakobson. Ele agrupava formalistas, que queriam estudar cientificamente a língua e as leis que regem a produção poética e, assim, tirar de vez o titulo de linguagem obscura, “dos deuses”, atribuída à linguagem poética.
* Círculo Linguístico de Praga (CLP) – fundado pelo theco Mathesius, porém dado principio pelo manifesto de 1928, em Haya, dos russos Tranbetzkoy, Karcevsky e Jakobson. Nele houve o domínio da fonologia e da poética. Por outro lado, sua atuação foi conturbada: instauraram a idéia de comunicação como objeto de estudo cientifico e cruzaram o objeto linguístico com o literário.
* Círculo Linguístico de Copenhague (CLC) – de 1931. Aqui a Literatura é posta à parte. O que importa é a Lógica e a Matemática para a constituição de uma teoria linguística universal. Raramente a concretizaram. Interessaram-se mesmo em radicalizar, abstrata e logisticamente, o pensamento de Saussure. Surgi daí o dinamarquês L. Hjemsley, que separa denotação (sentido real) de conotação (sentido figurado).
* Círculo Linguístico de Viena (CLV) – a fim de remover suspeitas de ilusões na linguagem , os estudiosos tentaram purificá-la, eliminando irracionalidade e ligando-a à razão. Caracteriza-se o projeto da língua universal.
Emerge, nos anos 50, Noam Chomsky. Ele revolucionou a Linguística, apesar desta ainda estar sob domínio do estruturalismo. Foi seguidor do distribucionalista americano Z. Harris. Não obstante, criticou a ação classificatória distribucionista, propondo uma reflexão teórica da linguagem, ou seja, uma gramática dirigida à sintaxe, a qual explicaria a linguagem.