HOBBES, TODO PODER AO REI

Resenha da parte de Hobbes do livro “Clássicos da Política” organizado por Francisco Weffort.

Toda vez que se ouve falar sobre Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, autor do livro “O Leviatã” invariavelmente as pessoas deslizam pelo lugar-comum. São sempre as mesmas duas frases para definir todo um pensamento: “Guerra de todos contra todos”, “O homem é o lobo do homem” e parece que tudo acaba por aqui.

Certamente nossos contemporâneos mais simplórios, que são a maioria da população, não têm o capricho nem a paciência de colocar um “Leviatã” entre as mãos e sorver página por página as ideias (sem acento, nova ortografia) de um dos grandes expoentes do pensamento ocidental.

Já dissera Descartes (1596-1650), em seu “Discurso do Método” que ler os grandes autores do passado é como ter uma conversa com as pessoas mais interessantes que já viveram, expondo apenas suas melhores ideias. Sábio Descartes! Vamos dialogar com esse mestre do passado e com isso instigar o nosso próprio pensamento.

Renato Janine Ribeiro, professor da FFLCH/USP e grande comentador da obra de Hobbes já no início de seu texto diz que a chave para se compreender o pensamento do filósofo inglês é compreender o que este diz sobre o estado de natureza. E este já responde que a natureza do homem não muda com o tempo, ou seja, desde os tempos primitivos, passando pelo tempo em que viveu Hobbes e invadindo o futuro afora, a natureza do homem é a mesma, conforme interpretação que faz do pensamento hobbesiano.

Assim, a raiva que um dia um ateniense de uma Grécia antiga sentiu, seria o mesmo sentimento de um japonês da Idade Média. O medo e o desejo sexual de um homem primitivo seria muito semelhante, senão idêntico, num homem pós-moderno.

Para Hobbes a história não transforma o homem. Que eu conheça, somente Hegel(1770-1831), concebeu a história como tendo uma finalidade em si, ou seja, a história iria aperfeiçoar o homem e o mundo com o decorrer do tempo.

Muitos, posteriores a Hobbes e a Hegel discordaram deste último como por exemplo, Schopenhauer (1788-1860) e Nietzsche (1844-1900). Para o filósofo do martelo, se o universo tivesse algum fim ou objetivo este já deveria ter sido alcançado. Mas isso é outra história.

Voltando ao nosso autor, Hobbes concebe os homens como muito semelhantes, não vou incorrer no erro de dizer iguais, pois não foi isso que o autor disse. E por serem muito semelhantes, não há como haver domínio do mais forte sobre o mais fraco por muito tempo. Por viverem em liberdade e serem semelhantes, os homens vivem em constante conflito. Neste ponto que ele toca quando fala da “Guerra de todos contra todos”.

É aqui que a liberdade generalizada e sem freio deve dar lugar a um poder que embora retire parte desta liberdade, poderá oferecer maior segurança e momentos de paz aos súditos. Por incrível que pareça a liberdade é a causadora da guerra generalizada, pois os homens possuem basicamente as mesmas paixões, os mesmos desejos e aspirações, assim, vivendo livres, sem nenhuma instância superior para que reprima seus apetites, o homem é perigoso para o outro homem. “O homem é o lobo do homem”. Hobbes, assim como nosso recém estudado Maquiavel, concebe o homem como naturalmente mau.

Diferente de Rousseau, que será objeto de nossos futuros estudos, que acredita que o homem é naturalmente bom, mas que a sociedade o corrompe. Cabe aqui fazer uma pequena menção a Jean Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês existencialista, que concebia o homem como livre. Não é mesmo de fazer a cabeça do vulgo pirar?

Então o que é o estado de natureza? É justamente o homem viver livre sem ter que obedecer a ninguém, por isso e por ser naturalmente mau, entra em guerra com seu semelhante, vivendo uma vida sórdida, bruta e mesquinha, com o perigo de perder seus bens ou ser morto a qualquer tempo.

Viver no estado de natureza é não ter um poder maior que seja necessário ser obedecido, é exercer o direito pelas próprias mãos. Este poder maior retiraria parte da liberdade dos homens, contudo lhe garantiria a vida. Não é à toa que Hobbes é considerado como teórico do absolutismo, este filósofo faz uma defesa ferrenha da necessidade do poder centralizado nas mãos do monarca pois somente assim viveria-se em paz. Hobbes aspira a paz entre os homens, o fim do estado de natureza, e para ele isto somente será efetivado sob as mãos de um soberano que detenha plenos poderes, ou seja, o governo absoluto.

Outro aspecto importante na obra de Hobbes é fato de este ser considerado um contratualista. E a parte mais importante, no que diz respeito ao contrato social, é transcrita na página 62 do livro, que é um excerto ipsis literis do “Leviatã”. Farei a bondade de transcrever como está, letra por letra para o deleite de meu leitor.

“Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”. Esta seria a hipotética declaração da instituição do contrato social.

E é através de um hipotético contrato social onde todos sederiam parte de sua liberdade para que um soberano pudesse oferecer um bem maior, que é efetivada a vida em sociedade. Para Hobbes a civilização é fruto deste contrato. Como bem observou o professor Renato Janine Ribeiro, não se trata de selvagens em meio a clareiras na floresta celebrando uma constituinte. Foi assim que alguns autores do século XIX pensaram que Hobbes concebia aqueles que efetivaram pela primeira vez o contrato social. Diz o uspiano que os oitocentistas erraram. Pois não é de um homem selvagem que o inglês fala, mas do mesmo que vive em sociedade (pág 54).

Depois de tudo isso, percebi e concordei com o professor Janine que realmente a chave para se compreender o pensamento de Hobbes é a compreensão do estado de natureza. De início não confiei muito, mas após muita pesquisa concluí que a questão do homem sem o Estado absoluto ou este vivendo conforme suas vontades (estado de natureza) plasma e é justificativa para todo o pensamento hobbesiano.

Não é possível falar da necessidade do absolutismo sem considerar o estado de natureza, não conseguimos pensar o contrato social sem fazer referência a tal estado, ele pensa o homem levando em consideração a sua condição natural, enfim, tudo se justifica pela singela questão de que o homem sem a tutela do Estado é um ser degenerado e que literalmente destruiria os seus semelhantes ou por estes seria aniquilado.

Fiquei curioso em relação ao título do livro “O Leviatã” e fui procurar seu sentido em meu melhor dicionário de sinônimos da língua portuguesa, o Houaiss. Este assim diz:

“Leviatã: substantivo masculino. 1- Mitologia. Monstro marinho do caos primitivo mencionado na Bíblia, e cujas origens remontariam à mitologia fenícia; encarna a resistência oposta a Javé ou Jeová pelos poderes do mal. 2 – Política. O Estado, como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam pelo pacto social. 3 – Estado totalitário provido de vasta burocracia”.

Há outros sentidos, mas já me cansei de copiar o dicionário, que é bem pesado e de difícil manipulação. Fui até a minha surrada Bíblia, que é bem menor e de mais fácil manuseio. Mais especificamente fui até o Velho Testamento, mais especificamente ainda, fui ver o livro de Jó. Vamos ver o que dizem as Escrituras Sagradas.

O livro de Jó é quase todo escrito em forma de poema e fala de um homem que nunca havia feito nenhum mal, era próspero e seguia os mandamentos de Deus. Este homem (Jó) foi testado por Deus e este mandou-lhe muitas desgraças para validar sua fé.

Logo no início, no capítulo 3 versículo 8, “A queixa de Jó” este faz menção ao Leviatã. O que percebi é que este monstro representava as forças do mal. E acreditava-se que os feiticeiros tinham o poder de fazê-lo engolir o sol.

Saindo das Sagradas Escrituras e retornando ao pensamento hobbesiano, penso que a escolha do nome tem todo um significado especial para Hobbes. Este queria um Estado Absoluto, onde não coubesse questionamentos sobre a legitimidade dos mandos e desmandos do soberano, portanto não haveria nada mais assustador do que um monstro capaz de engolir o sol para representar tamanho poder.

A alusão ao monstro Leviatã, ou seja, o Estado, significa que este tudo podia e que “engoliria” aqueles que tentassem contrapor seu poder ilimitado. Somente o medo de uma morte violenta faria que o homem deixasse o seu direito a todos os bens e corpos (pág 71). Como a professora bem explicou em sala de aula. No Estado de natureza vive-se o terror. O terror de que a qualquer tempo, por causa da guerra de todos contra todos, o súdito seja uma vítima deste modo de sociedade desgovernada.

Já na civilização, no Estado sob as mãos do soberano absoluto, viveria-se pelo temor do Estado. A vantagem deste para o estado de natureza é que neste o verdadeiro fim é a paz social. Aqui um individuo sensato, que não se envolvesse em confusões, ou não questionasse o poder, poderia viver uma vida tranquila, sem o medo de ser morto repentinamente.

Fazendo uma analogia com Maquiavel, neste a escolha do título se assemelha ao que pensou Hobbes pelo fato de que ambos defendiam um Estado centralizado em que o poder absoluto ficasse nas mãos do soberano, são teóricos do absolutismo. A estabilidade para Maquiavel era o mais importante, junto à conquista, manutenção e perpetuação do príncipe no poder. Parece, depois da leitura de Hobbes, que o fim que este almeja é a paz. Mesmo que esta seja instaurada mediante grande temor dos súditos pelas instituições que governam.

Em Maquiavel, a sua condição pessoal de funcionário público que foi demitido de suas funções e até torturado motivou a escrita do manual “O príncipe”. Seu interesse era o retorno às suas funções. Por isso dedicou a Lourenço de Medici na esperança de que fossem reconhecidos seus conselhos como importantes regras de condução de um governo e para que este o reintegrasse ao funcionalismo

Finalizando, o contexto histórico diz muito sobre o que ambos autores pretendiam. Viviam momentos de grande instabilidade política e se debatiam na questão de como conseguir um Estado ou um soberano que governasse de maneira a trazer mais paz e estabilidade. Podemos dizer, talvez de maneira inusitada, que para os dois autores, os fins justificam os meios. Pois os fins que o renascentista almejava eram bons, ou seja, a estabilidade do Estado. Já o seiscentista, ambicionava pela paz. Ambos pregavam meios violentos e pouco aceitáveis, talvez para um leitor moderno, mas que por fim queriam o bem geral e amplo, mesmo que coisas terríveis fossem necessárias para efetivar este bem maior.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 31/03/2009
Reeditado em 01/04/2009
Código do texto: T1515660
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