Tragédia de D. Inês de Castro
Antônio Ferreira, o mais alto representante de uma concepção de vida baseada na cultura clássica, para o sapiente crítico Segismundo Spina é um ícone fundamental da literatura portuguesa por ser o doutrinador do classicismo luso. Fundamentando-se nos princípios clássicos, especialmente os horacianos, Antônio Ferreira teorizou, na carta XII dirigida a Diogo Bernardes, a perceptiva clássica lusa. Eis, a enumeração de alguns desses princípios: o uso da razão e da lima pelo artista; bagagem literária como pressuposto fundamental para o bem escrever; o termo romano “ne quid nimis”; arte como mimese humana; adequação da linguagem ao assunto; emprego da “serena medida”e a arte como fruto da miscigenação entre honesto estudo e longa experiência.
Vê-se que a postura do artista e do teórico Antônio Ferreira é, essencialmente, clássica. Destarte, suas obras brotaram do adubo misto entre elementos lusos e clássicos. Tome-se, pois, a obra “Castro”, como exemplo. Dada a lume em 1587, a “Tragédia de Inês de Castro, constitui conforme Massaud Moisés, “ a expressão máxima do teatro clássico em Portugal e é uma das obras mais bem acabadas da dramaturgia de todos os tempos”.
Analisamos, pois, a face clássica da célebre tragédia “Castro”. Primeiramente, faz-se necessário resgatar o conceito de tragédia à luz de uma definição aristotélica: “tragédia é uma representação duma ação grave em linguagem exornada, com autores agindo, a qual inspirando pena e temor, opera a catarse própria dessas emoções” (VI, p.24).
Eis, que “Castro” adequa-se à tal princípio, uma vez que, a obra tematiza o conflito oriundo do romance entre o infante Dom Pedro e a dama honor de sua esposa, Inês de Castro. E manuseado o decassílabo, Fereira confere à sua tragédia a gravidade e solenidade exigida pelo gênero, ou seja, adequa o pé métrico à expressão dos sentimentos elevados, que é o foco da mesma. Logo, emerge se outra característica clássica em Castro: enfatiza-se não a ação, mas sim os conflitos internos das personagens protagonistas, que aqui também são três: Inês, D. Pedro e o rei D. Afonso. E é totalmente, aristotélico a escolha dessas três “personas”. Pois, Aristóteles afirma, que a “tragédia é a imitação do superior”, e “Castro” assim o faz: dispõe altas personagens a fim de enobrecer a importância e gravidade do acontecimento. Inês é sublime por suas qualidades femininas e morais, D. Pedro, pelo amor inmensurável e devoto por Inês e o rei D. Afonso, por sua posição social e princípios humanos.
Destrincemos, agora, os elementos da tragédia grega presentes em “Castro”. Em relação à ação, contata-se a presença, no ato I, do elemento HYBRIS: o amor entre o infante e a dama de honor constitui um desafio perante a figura do rei e do império luso. No ato II, a presença do NEMESIS sobressai-se: os conselheiros imperiais “aconselham” o rei a aplicar a pena de morte para o caso de Inês, e assim o faz. Tal ato, também, envolve o elemento CATÁSTASE , pois a situação constitui o ponto alto da peça. Eis, pois, a vingança do reino quanto aos excessos do casal. Nesse mesmo ato, nota-se o elemento “ANANKE” que determina o destino mortífero de Inês, e concomitantemente, sente-se a presença do “PATHOS” que constitui o sofrimento suscitado em Inês pelo elemento “NEMESIS”. E, o ato IV, por sua vez, constitui o clímax dramático da peça, pois, configura a gradação máxima do “PATHOS” da amada do infante. Eis que, quanto à ação, o teatro poético “Castro” engloba todos os elementos clássicos, exceto um, a ANAGNORISE, pois não há como na tragédia “Édipo”, o reconhecimento inesperado da identidade de uma personagem.
Ocorre, que o penoso fado da desdita Inês e o profundo “PATHOS” por ela vivenciado causam no leitor ou espectador uma “CATHARSIS”, ou seja, há uma purificação das emoções do mesmo ao contemplar a sublimidade da figura de Inês. Assim, como a condenada, o leitor sente o “PHOBOS” pela condenação, e concomitantemente, sente piedade, “ÉLEOS”, do fim trágico de uma personagem tão cativante.
Destarte, a “Tragédia de D. Inês de Castro” harmoniza-se com a terminologia exigida para uma análise operativa do gênero. Além desses elementos, há outras que situam-na como sendo clássica. A divisão em 5 atos; a presença de três protagonistas, a presença do coro, da ama e dos conselheiros como “confidentes”; o sonho de Inês como elemento de pressagio de sua morte; verossimilhança do tempo e a unidade de ação são iscas clássicas que contribuem para a elevação da obra tanto na literatura lusa como na universal