Panorama sobre padre Antônio Vieira
Antônio Vieira, autor do seiscentos, constitui o ícone mais representativo do barroco luso-brasileiro. Exímio orador, o padre missionário pronunciou inúmeros sermões que se tornaram expressão máxima do Barroco e, concomitantemente, uma das principais expressões ideológicas e literárias da Contra Reforma.
Indiscutivelmente, o jesuíta Vieira é senhor de um soberano estilo: clareza; simplicidade; rigor sintático e dialético; rigor da lógica do pensamento; arquitetação de metáfora acessíveis ao publico alvo; simetrias internas; figuras; prosa parentética; encadeamento segura das idéias; abundância de oposições e antíteses e inserções de passagens biblícas, fábulas, anedotas e provérbios são algumas das características marcantes de seu método de construção.
Destarte, manuseando tais recursos, o orador atingia os fíeis de modo direto e insinuante. Hipnotizados por sua avalanche dialética, os mesmos, facilmente, permitiam serem conduzidos por sua infalível persuasão. Massaud Moisés, a respeito da maestria línguistica e persuasiva de Vieira, infere que “apanhado desprevenido, o ouvinte não tem como escapar e acaba assimilando a mensagem do pregador.
Por meio, então, de eficazes manobras lingüísticas, o missionário do Estado português, nas palavras do crítico Alfredo Bosi, “induzia os ouvintes à uma restruturação conceitual de valores e a uma redistribuição de pessoas e dos grupos”. Ocultava, portanto, em sua figura e discurso religiosos, o sistema respiratório da política colonial lusa dos seiscentos: A companhia de Jesus. Vê-se que, Vieira era, concomitantemente, intermediador celeste e conselheiro do imperador. Outrossim, a retórica do grande jesuíta não soam em direção os excluídos e explorados da sociedade colonial brasileira: nas raízes dos discursos, sonoramente, de caráter cristão reside o gérmen político e não a piedade de um homem nobre preocupado com a real e precária situação de seus circundantes. Em suma, vale dizer que está, antes de tudo à serviço do Estado.
Exemplo concreto de tal comprometimento com o projeto político lusitano é o Sermão XXVII. Manobrando uma mesclagem de alegoria bíblico-cristã e pensamento mercantilista, o mestre Vieira dirige-se à um público negro a fim de persuadi-lo quanto à sua equidade humana e cristã em relação à raça de seus senhores. Sonoramente, colocando-se como defensor das injustiças e maltratos impostos sobre os mesmos, o feiticeiro da persuasão barroca tece um mirabolante sermão a fim de justificar, politicamente , a transmigração e escravidão dos filhos da África.
Faz-se necessário, portanto, esclarecer como de aparente defensor do escravo, o Vieira político entrega-se como defensor da escravidão. Eis, a essência do Sermão da XXVII! No princípio, o jesuíta condena a mercantilização dos homens negros sentenciando que tal “mercância diabólica” é responsável pela execução das almas tanto dos negros como dos mercantilistas. Para ele, tanto senhores e escravos são semelhantes, uma vez que, ambos são “filhos do mesmo Adão e da mesma Eva”. Partindo, pois, desse pressuposto que os irmãos negros, também, constituem imagem e semelhança divina, segue-se uma mirabolante explicação sobre a constituição cósmica dos homens: todos, sem exceção, são constituídos de corpo e alma!
Após tal conclusão, o orador persuade os ouvintes que o domínio dos senhores coloniais recaem apenas sobre o CORPO do escravo, uma vez que, o domínio da ALMA é propriedade do senhor celeste, mas responsabilidade individual de cada ser. Logo, sistematiza que o escravo é apenas meio escravo de um meio cativeiro: apesar de não possuir o arbítrio do próprio corpo (justificação da escravidão), o escravo desfruta do arbítrio da alma, consequentemente, não deveria sujeitar-se aos vícios mundanos, e sim livrar-se das tentações demoníacas por meio da promessa de libertação sentenciada pela “Virgem Senhora nossa do Rosário”: pois ela é a única capaz de compadecer-se com os martirizados convertidos, que assim, como seu filho foram condenados a derramação sangüínea, e dar a eles a carta de alforria, mas não, para o cativeiro terreno e sim para o celeste. Eis, a emergência de um discurso salvacionista! A mãe de Deus é incapaz de libertar os homens de cativeiros terrenos, uma vez que, tal libertação só se efetivaria por homens! O que ela pode, “gentilmente”, fazer é liberta-los dos cativeiro do demônio que reside nas almas dos mesmos e proporcionar-lhes uma carta de alforria para outro cativeiro: o celeste! É isso mesmo! A virgem por libertar os negros do domínio espiritual dos demônios passa a ser senhora dos mesmos, e esses mesmos passam a ser cativos desta!
Ufa! Percebeu a magia persuasiva do mirabolante Padre! E, para finalizar o seu sermão da XXVII, Vieira manipula a noção que Bosi denominou de sacrifício compensador. Por meio de um discurso providencialista, sensível e inteligível ele aconselha os negros à esforçarem-se no trabalho árduo voluntário, a fim de servirem aos senhores como se estivessem servindo ao próprio Cristo. Destarte, se assim fizerem alcançarão a promessa da glória celeste, é lá serão servidos por seus próprios senhores. Logo, o político jesuíta faz parecer que o sacrifício e martírio terreno é compensador e semelhante ao padecimento do próprio Cristo, e por conseqüência, Deus se compadecera de todos aqueles que padeceram com paciência e os recompensarão nomeando-os como seus herdeiros celestes. Grande recompensa!