Filhos $ Amantes (TVD) Cap.49
Capítulo 49
O Metrô parou na estação Santa Cruz. Marino, sentado num dos carros, via pessoas entrarem e saírem. Apenas uma restou na plataforma, sem qualquer atitude: Max. Maduro, pelas suas contas com vinte e oito ou trinta anos, parecia bem. O coração de Marino pulsou mais forte. Encontrá-lo após oito anos era no mínimo ironia do destino. Um defeito reteve a composição de portas fechadas por mais tempo e pode contemplá-lo e relembrar...
“Marino ao vender a quitinete, meses após a saída dele, veio trabalhar em São Paulo. A frustração de tê-lo perdido como alugatário e a insistência de Dorinha em querer enrabichar-se apressaram sua decisão. Comida de traficante é sempre indigesta, um três oitão nas fuças! Não queria morrer assassinado com apenas vinte e cinco anos. A “foda” entre ambos foi tão boa para ela que pediu mais. Sabendo-o solteiro e sozinho intitulou-se no direito de mudar de andar. Como contar-lhe que tinha os sentidos em frangalhos. Que o “rolo” entre eles fora simples auto-afirmação de macho. Sofrera profundo golpe sentimental dado por um garoto de programa. Ela o colocaria no rol dos frescos que borboletavam no edifício.
___ Por que o garotão foi embora? perguntou Dorinha.
___ Arranjou lugar melhor... Aliás, qualquer lugar é melhor do que este... Vou passar isto pra frente, disse Marino.
___ Então vais dar o fora também? Pensei que havia pintado um clima sério entre nós... Até ficaste com minha calcinha, observou ela decepcionada.
___ Dorinha, és mulher de bandido! Queres que o malandro finalize nós dois?
___ Não desisto tão fácil com quem cismo... Até pensei em contar tudo pro corno, disse a moça, armando um jogo.
___ Corta essa de maluca! O sorvetão derreteu! O que era doce acabou-se...
___ Isso não fica assim, desgraçado! Vocês homens são todos iguais... Me aguarde...
Marino só relaxou quando a polícia invadiu o edifício e fez a “limpa”. Levou Dorinha como cúmplice do meliante...”
Max continuava no mesmo lugar, parado. Recostara-se na parede com placas de propaganda. Marino, por minutos, martelou na cabeça os diálogos ditos à saída dele do apartamento.
___ “Mas, vais visitar os amigos, não vais, Marino? dissera Max.
___ ( Filho de uma cadela )...
___ Devias vender isto aqui e vir com a gente! Os três mosqueteiros, sugerira Marcel. O Sérgio ia adorar!
___ (Boga, traíra, veado!)
___ Sou assim mesmo, marinheiro! Hoje aqui, manhã ali... Não tenho morada certa... Dois anos, já fiquei tempo demais... Os aluguéis estão todos em dia, falara Max com quase indiferença.
___ ( Enfia a porra dos aluguéis no cu! )”
“Afeiçoara-se a Max de forma irremediável. Acostumara-se a vê-lo fazer a barba pelado, tratá-lo frágil de algum mal-estar, contar-lhe histórias, divertirem-se em pagodes, curtirem futebol no Maracanã... Uma única vez chegaram a vias de fato. Tudo fora facilitado pela ingestão de álcool a mais por Marino.
___ O que estás olhando, Max?
___ Não agüentas o meu olhar?
___ Vai te fodê! Estou de caco cheio, garoto!
___ O de bêbado não tem dono!
___ Sai pra lá fanchono! Tás a fim de me enrabá? Ainda posso tomá conta de mim, falou Marino, erguendo-se, tentando fazer um quatro com a perna direita.
___ Cuidado, marinheiro! Vais te embucetá no chão, disse Max, segurando-o.
___ Estou feliz ao teu lado, seu boga!
___ Chi, negão apaixonado é fogo! gracejou Max.
___ Pára de debochar de mim, seu merda!...
___ O que queres Marino, um programa?
O quê responder num instante como aquele? Seria embaraçoso rolar na cama, acariciar, tratar Max feito uma fêmea. Seus malditos bloqueios o angustiavam. Não tinha a malícia de Marcel para tratar daquelas situações. Vira escrito no pára-choque de um caminhão: amizade é amor sem sexo. Poderiam morar juntos para sempre, cuidar um do outro. Aquilo era idéia de quio...
___ É melhor a gente puxá o carro, Max!
O movimento de sexta-feira no edifício Week-End era intenso quando eles chegaram. Ninguém tinha sono. O calor pedia muitas latas de cerveja. Dorinha bebia uma, sentada no balcão da portaria. O short e a blusa sumários salientavam-lhe a sensualidade. Estava injuriada. Descobrira uma vadia na vida de seu facínora. Sorriu para Marino, oferecendo-lhe um gole.
___ Não agüento beber mais nada, boneca! Estás alone?
___ Tô... e com uma vontade danada de vingança...
Max ouvia a conversação enquanto apertava o botão a chamar o elevador. O monstrengo era como ônibus da madrugada: demorava.
___ Se for por amor, desaconselho... É melhor beber, dormir e esquecer, disse Marino com a língua meio enrolada.
___ Sê trocada por uma neguinha!... Tá a fim de me comê, marinheiro? Dô pros dois, falou, apontado para Max.
___ Oba! E esse corpinho agüenta a fúria de dois machos? perguntou Marino.
___ Agüento a torcida do Flamengo inteira, disse ela com raiva.
___ Faço aniversário hoje, vinte e cinco anos, comentou Marino. Seria ótimo presente!
Ela, dando-lhe parabéns, beijou-o na boca. Max observava-os curioso. Seria divertido os três fornicarem. Ia propor a Marino que aceitasse o convite da morena quando o elevador chegou rangendo. Do lado de dentro alguém pediu ajuda. Abriu a porta e deparou com outro ‘bebum’ sendo amparado. Auxiliou arrastar o miserável e colocá-lo sentado numa poltrona no hall de entrada. Achou o braço dele frio, enrijecido demais.
___ O que aconteceu com ele? perguntou Max.
___ Está morto, respondeu o acompanhante. Não sei o quê fazer...
Max soltou o cadáver, eriçado, e gritou para Marino:
___ Vamos nessa, negão!
Marino desvencilhou-se dos braços de Dorinha que tomava gosto pelos ‘amassos’ e seguiu Max para dentro do elevador.
___ O cara estava morto, meu!
___ A morena hiper viva! Dava pra nós dois...
___ Nunca toquei um defunto assim... Nem em meu pai...
___ Vai rolá muita sacanagem...
___ Nem olhei pro rosto dele, ainda bem...
___ Faço aniversário hoje, repetiu Marino.
___ É! Parabéns, parabéns...
Eles saíram do elevador, tropeçando no lixo espalhado pelo chão do corredor. Max abriu a porta às reclamações do aniversariante que chutou uma lata e berrou: imundície, pocilga! Entraram. Marino dirigiu-se ao banheiro. Necessitava tomar um banho para livrar-se da morrinha. Continuava saboreando a proposta de Dora. Devia ter aceito de pronto. Iria lá em baixo buscá-la. Fazia tempo que não “metia”. Ela era gostosa. Com raiva seria melhor ainda. Abriu o chuveiro e despiu-se. Olhou-se no espelho. Cobriu, esfregou o rosto em fogo com desespero. Não viu Max passar silencioso, nu.
___ Vim dar um mijão! desculpou-se Max.
Marino não se conteve. Abraçou-o por trás, encostando o ‘peru’ nele. Beijou-lhe a nuca. Mordiscou-lhe o ombro. Molhou as mãos com a urina quente que ele jorrava abundante. Max puxou-o para baixo do chuveiro. Estavam em ponto de bala.
___ Cara, vamos pará com isso! Não somos veados! disse Marino.
___ Hoje é teu aniversário, cacete! Aceita o meu presente...”
Marino, adolescente, aprendeu a masturbar-se. Não conseguia o gozo pleno de início. Sentia um misto de desconforto e prazer... Acumulava energia... Quando ela desprendeu-se foi como a explosão de uma caldeira. As pernas afrouxaram igual ao que aconteceu agarrado a Max... Desejou-o outras vezes. Ele ignorou as investidas, voltou a tratar Marino como de costume. Tinha facilidade para esquecer. Dormia tranqüilo na cama de baixo sem culpa. Desconhecia a insônia que provocava. Passou a fechar a porta do banheiro, vestir bermuda, dormir de calção. Um mês depois arrumou as malas e se foi...
A solidão é algo voraz. Acordava durante a noite e tinha a impressão de ver Max adormecido, por instantes. Esqueceu um frasco de colônia. Marino despejou-o na pia para livrar-se dele definitivamente. O perfume se alastrou pelo ambiente como se o castigasse. Tornou Max e Marcel inimigos. Não os procurou mais. Se eles telefonavam atendia, mas ficava mudo. A ferida foi cicatrizando...
A porta do carro do metrô se abriu. Marino precipitou-se para fora e foi ao encontro de Max.
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