A VALIDADE DA ESTOURADA NO TRANSCURSO VITAL HUMANO
Rubem Alves,educador, escritor, psicanalista e professor emérito da UNICAMP, em seu envolvente e catártico ensaio intitulado A pipoca, tece intrigantes considerações elucubrativas no tocante ao valor metafórico humanístico de um dos itens da culinária Ocidental: o milho de pipoca. Para tal, mune-se de um discurso filosófico poético que é avalizado por uma tríade de princípios: bíblico, profano e folclórico.
Astuto observador da potencialidade filosófico-poético das pequenas coisas cotidianas, Alves, em uma conversa com uma paciente, surpreende-se diante uma extraordinária analogia existente entre a pipoca e o ato de pensar. Percebe que todo bom pensamento, assim como a pipoca, emerge de uma maneira, digamos , “ estourada”.
Após se purgar do sentido metafórico-poético da pipoca, Rubem Alves busca na mitologia cristã o sentido religioso da mesma. Constata a similaridade entre o milagre do milho de pipoca e a morte e ressurreição de Cristo, uma vez que, ambos pressupõem mudanças. Logo, tal constatação constitui o primeiro argumento teórico que ratifica a hipótese alvesiana sobre as dimensões metafísicas e psicanalíticas do milho de pipoca.
O segundo argumento emerge da sabedoria profana. É no candomblé que o autor encontrou a grande dimensão humanística presente na simbologia do milho de pipoca, pois, conforme a crença profana a transformação do milho duro em pipoca alude à “grande transformação que devem passar os homens para que eles venham a ser o que dever ser”.
E por último, Alves apropria-se do vocábulo piruá oriundo do folclore mineiro a fim de demonstrar o quanto que os milhos inestouravéis, piruá, equivalem metaforicamente “àquelas pessoas que por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Destarte, Rubem Alves, sapientemente, descobre uma alusão capaz de desvendar o transcurso vital de todo ser humano ao assinalar as vantagens da incidência de “estouros” que, apesar de á princípio parecerem destrutivos e mortíferos, resplandecerão, à posteriori, enquanto válidas engrenagens detentoras de um dom, extremamente, necessário , o dom da mudança que é, segundo o ensaísta,o responsável pelo crescimento emocional, cognitivo e existencial do ser humano.
Tais constatações elucubrativas fazem, portanto, do interessante e reflexivo ensaio de Rubem Alves uma inestimável contribuição à todos aqueles que ainda se encontram na condição de miseráveis e esnobes piruás e, ainda, à todos aqueles que sabem contemplar e sofrer o martírio e o milagre dos estouros das pipocas cotidianas.