Miséria e Grandeza do Amor de Benedita – João Ubaldo Ribeiro. Editora Nova Fronteira, 2000.
 
     Aqueles que acompanham os meus escritos sabem o quanto me apraz escrever resenhas. Eu vivi uma resistência particular em relação a este livro e ele não é um livro difícil, você pode lê-lo em um dia ou dois. Acredito que há inúmeras razões para esta resistência, mas o quê me interessa dizer é que eu não me sinto à altura de resenhar um livro de Ubaldo. Eu gostaria de reverenciá-lo e não sei se serei capaz. Então vamos ao quê deu para fazer…
     Eu sempre pensei que a primeira resenha que eu destinaria a um livro do João Ubaldo Ribeiro, neste meu humilde espaço, seria para Viva o Povo Brasileiro. Parece, entretanto, que às vezes esqueço que nós não podemos planejar ou predizer nada, e eu me vejo, aqui e agora, enredada com Miséria e Grandeza do Amor de Benedita, editado pela Nova Fronteira, em 2000.
     Enredada é palavra perfeita quando se trata de algo escrito pelo Ubaldo. Não é possível lê-lo se você não se entregar à história que ele gostosamente conta, sem se deixar ir para onde ele quiser te levar, mesmo se durante um tempo você ficar com a sensação de não saber “onde é que isso vai dar”.
     Se você o conhece do seu (dele) espaço dominical no jornal O Estado de São Paulo, Ponto de Vista, já deve saber que eu estou falando de alguém que não dá para viver sem, mas se você ler Miséria e Grandeza entenderá que eu estou falando de um autor realmente vital para quem ama ler bons livros.
     No dia três de agosto de 2008, por ocasião do Prêmio Camões para autores de língua portuguesa, O Estado de S. Paulo dedicou uma página a uma crítica literária de Vinícius Jatobá sobre Ubaldo. Para ele
 
...são muitos Ubaldos Ribeiros que cabem em João Ubaldo Ribeiro. Do hermético e cerrado ao leve e legível e divertido; do sério pensador político ao politiqueiro de botequim; do existencial e etéreo ao profano e carnal; o prosador exigente dos romances, o escritor relaxado das crônicas.

    
Adiante Jatobá prossegue:
 
     No espectro geral, existem dois Ubaldos. O primeiro Ubaldo, furioso e cerrado, agressivo e selvagem, autor de inegociável sequência de obras primas Sargento Getúlio, Vila Real e Viva o Povo Brasileiro. Depois, o Ubaldo enveredando na curiosa e arriscada aventura da legibilidade com obras instigantes e envolventes (e subestimadas) como O Sorriso do Lagarto, O Feitiço da Ilha do Pavão e Miséria e Grandeza do Amor de Benedita… Miséria e Grandeza é o produto mais bem acabado desse segundo Ubaldo… uma sublime e iluminada realização da leveza, generosidade e alegria criadora que não ultrapassa meras 100 páginas mas contagiam uma vida.
     Ubaldo consegue dedicar aos temas vulgares e quotidianos uma prosa invulgar e prestimosa.
 
     Perdoem se me estendi muito em Jatobá, mas eu não teria palavras mais justas e elogiosas para me referir ao autor e a este livro. Depois delas me é difícil acrescentar algo a respeito de seu estilo. O quê me resta é descrever a minha experiência de leitura de Miséria
     Foi muito atraente perceber a criatividade sem fim com a qual nomeia seus personagens: o protagonista Deoquinha Jegue Ruço, “de pia” Deoclécio Pimentel, Lourival Divino Beiço, Antonio Cabide, Zé da Lainha, Aloísio Peixe Magro, Eduardinho Gasolina, Bertinho Javali, Roxo Lírio, Juvenal de Jaguaripe, o amigo açougueiro e o ajudante Lourenço Bode Novo e mesmo o nome do açougue: Orgulhoso Talho São Roque.
     Com as suas mulheres ele é mais generoso ou menos esculhambador. Elas chamam: Iaiá Naninha, Zazá, Nadinha, Mocinha, Cadinha e Benedita. Esta última guarda surpresas que mais que justificarão o título. No final o leitor poderá desfrutar do ápice de uma boa ‘engenharia’ de personagens ou, na literatura é possível, engenharia ‘de vida’, num enredo que te parecerá demais verossímil e plausível. Isto porque Ubaldo é tão conhecedor da alma brasileira, e é este aspecto o que fica claro nas esdrúxulas alcunhas que atribui a seus personagens.
     Ainda sobre o título, o que é miséria para um será grandeza para outro e vice… O quê ninguém vai discutir é a grandeza deste nosso autor. Voltando às palavras de Jatobá:
 
     O único escritor de língua portuguesa que hoje faz frente a João Ubaldo Ribeiro, colunista do Estado, tanto no manejo luxuriante da língua quanto na versatilidade imaginativa e criadora, é José Saramago e a diferença entre eles é o Prêmio Nobel. Diferença essa, inclusive, que qualquer outubro sueco desses poderia anular sem a menor surpresa.
 
     Eu, certamente, prefiro João Ubaldo Ribeiro e para outubro faltam apenas oito meses.