Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 34
Capítulo 34
O rapaz, com um gorro preto na cabeça, esfregava as mãos e olhava para o posto de gasolina. Fazia frio. Tencionava assaltá-lo. Aguardava o momento oportuno para chegar à caixa registradora. Ele sentia-se como num filme.
“Vinha rolando pela vida desde os dezessete anos. Desbravava atalhos para chegar a um lugar de descanso. Trazia na ponta da língua histórias decoradas sobre seu passado. Chamava-se Luigi Giovanni Papini Marighati ou Ivo do Nascimento Souza e Silva ou ainda Ciro O. Gonçalves... Horas atrás, deitado na cama de casal de Leandro, abraçado a ele, sentia-se seguro. Por que então resolvera fugir? Sabia que tudo era provisório. Retribuía os favores que ele lhe fazia com sexo e carinho. A face de anjo, que apresentava aos quinze anos, diluía-se aos dezenove, dando lugar às feições do futuro homem. Uma cigana previra: perigo e muito dinheiro em seu destino. ‘Temos a mente repleta de balões coloridos, inflados de ilusões que nos levam a esmo. Um a um eles vão estourando. Forçamos o último vôo, mas o que nos resta são os pés para vencer as distâncias. Ficamos dependentes de nós mesmos.’ Que seria dele quando os ‘tios’ não o quisessem mais? Pressentimento o invadia: morrer antes dos trinta anos...Não conheceu o pai. Aos doze anos descobriu que a mãe, vistosa, se prostituía. Chorava ao vê-la cercada de homens, a beber em bares, com marcas pelo corpo, a praticar abortos. Um misto de alegria e sofrimento o dominava ao observá-la a dormir como se estivesse morta. Não seria mais usada. Por quê não se dedicava somente a ele? Tinham vivido tão intimamente ligados por um cordão umbilical! Não aceitava seus afagos e o afastava:
___ Sai, estou cansada, estás suado!...
Assemelhavam-se na impulsividade e em parte do comportamento ilícito para sobreviverem...”
O posto vendia refrigerante, biscoito, balas. Fingiria comprar qualquer bobagem... O movimento estava diminuindo. A senhora permanecia impassível em frente da caixa registradora. Não seria difícil dominá-la. Com uma arma de brinquedo a renderia. Não gostava de violência, por isso não podia errar, ser pego, fichado, conhecido pela polícia. O tempo chuvoso o deixava inquieto. Ficava nesse estado próximo de um roubo... O luminoso mostrava o nome do posto: Carranca. Ignorava seu significado. Considerava assustador aquele tipo de escultura.
“Criança, ele vira uma. Levantara-se durante a noite e se encaminhara à cozinha para beber água. Viu-a sobre a mesa representando o demônio. De tão real, ria para ele. Voltou para o leito, encolheu-se cheio de medo, sozinho. A mãe não havia chegado. Ao contar-lhe da fantasmagórica aparição, ela praguejou:
___ Deve ser o desgraçado do teu pai que não tem sossego no inferno! Reza pra alma dele, se é que o crápula a teve um dia...
E Luigi rezou. Viveu interno numa instituição, até os dezesseis anos, onde recebeu orientação religiosa e estudos. Pediu a Deus que não os desamparassem, tão desprotegidos que estavam no mundo...”
“Há seis meses hospedara-se na casa de um ‘entendido’. Conhecera-o no parque Trianon. Sentado num banco viu-o passar. Encaminhou-se para o banheiro e voltou logo. Luigi abrira a guarda com sorriso amistoso, perguntando:
___ Dando um rolé, tio?
___ É... saí para pagar umas contas... Este lugar é tão atraente: pássaros, esquilos, temperatura amena... Moras aqui mesmo em São Paulo?
___ Não... estou de passagem... Vim de Antonina e daqui a três dias vou para o interior: Ribeirão Preto. Um emprego de futuro... Sou tratador de cavalos...
___ Interessante... Não conheço nada sobre eqüinos...
___ Meu pai teve uma criação, mas vieram os planos dos governos...
___ Qual tua idade? Qual teu nome?
___ Tenho 23 anos... Chamo-me Luigi Giovanni Papini Marighati... Sou de origem italiana... Um parente distante, homônimo, foi conde...
___ Onde estás hospedado, Luigi?
___ Caraca, entrei na maior rabuda, meu! Fui furtado na rodoviária. Levaram minha mala com os documentos e dinheiro... estou na rua... Nem almocei ainda...
Notou que o homem se condoeu de seu infortúnio. Luigi abaixou a cabeça, demonstrando mais preocupação. Como chegar ao local onde o emprego o esperava? Não podia perder essa oportunidade. Estava desconectado naquela cidade.
___ Tô mals, tio! Qual teu nome mesmo?
___ Leandro, disse, sentando-se ao lado de Luigi.
O jovem permitiu que ele colocasse o braço em seu ombro. Que encostasse a perna à sua. Arriscou perguntar:
___ És casado ou moras só, Leandro?
___ Não tenho ninguém... moro sozinho... Sabe, acho que posso te ajudar... se quiseres ir à minha casa... não é longe daqui... Comerás alguma coisa... tomarás um banho...
___ Não sei... não gostaria de incomodar, afinal sou um desconhecido...
___ Pareces ter boa índole Luigi Giovanni Papini Marighati...
___ Puxa, faz um tempão que ninguém fala meu nome por inteiro!...
Havia adquirido a confiança do “tio” que devia ter uns trinta e sete anos. Dentro de seus olhos, notou desejo intenso. Luigi levou a mão ao próprio sexo, ajeitando-o. Leandro acompanhou seu gesto com um riso nervoso. O rapaz aproveitou essa observação para selar a conquista:
___ Às vezes ele se agita, é muito grande... Não uso cuecas... gosto de deixá o bicho solto...
Leandro tinha carro, um Astra branco, e isso animou Luigi. Refestelou-se no banco do passageiro. Seu sonho era aprender a dirigir, mais do que ter um cavalo. Entusiasmado falou sobre sua infância, dos pais saudosos que perdeu num desastre de avião. Um parente, usurpador e sócio, ficou com tudo o que herdara. O outro não prestava atenção ao seu relato. Procurava colocar a mão livre entre as pernas de Luigi. Depois de meia hora chegaram à residência de Leandro: um sobrado. Na confortável sala, o dono da casa com a voz sensivelmente excitada não permitiu que o rapaz se banhasse.
___ Para que tomar banho, garanhão? Gosto, gosto de cheiro de suor... senta, senta ali...
___ Não queres que eu tire a roupa? perguntou Luigi.
___ Não... põe tudo pra fora, até o saco... assim, assim... hum, hum... adoro cheiros... que maravilha!...
Seis meses na companhia de Leandro, este se revelou egoísta, possessivo. Arquiteto, controlava-o pelo telefone da empresa. Levava-o aos shopping-center, enchia-o de presentes, exibia-o para outros “tios”: mauricinho. ‘Não precisas de dinheiro, dizia’. Fartou-se da jaula amorosa, das fantasias eróticas de Leandro. Ele tomava calmante. Esperou que adormecesse e escapou. Pegou, antes, alguns trocados e um revólver de brinquedo que guardava na gaveta de uma cômoda”...
A situação o favorecia a realizar o assalto. Atravessou a rua, resoluto. Encaminhou-se para a entrada. Porém, um Astra branco entrou no posto e cortou sua frente, chamando a atenção do único frentista. Luigi não conseguiu ver de imediato quem estava no interior, porém, imaginou. O atendente se aproximou e a porta abriu, surgindo mulher emperiquitada. Ouviu sua voz esquisita:
___ Enche o tanque, querido! Estou indo para o Rio.
___ Ok, Miss Planet! Vou verificar o óleo e o alinhamento, disse o frentista, amistosamente.
Luigi, pasmo, não sabia o quê fazer. Aquela coisa o confundira. Tomou-a por Leandro e atrapalhara seus planos. Surpreendeu-se mais ainda quando ela lhe ofereceu um cartão:
___ Me liga, gostei de ti, pode ligar a cobrar...
Assustado, Luigi pegou o cartão e afastou-se... Dentro de um táxi, resolveu voltar para casa de Leandro. Não era hora de partir...
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