RESENHA
VALENTIM, Jorge. A Quintessência Musical da Poesia: Rodomel
Rododendro, um Poema Sinfónico de Albano Martins. Porto:
Campo das Letras, 2007.
José Fernando de Castro Branco
Universidade do Porto
Íamos pela Ribeira, pátio de escamas, desperdícios, sol deposto. Do outro lado do rio,
incendiando a margem, velas de sombra, um vento inchado, apodrecido, varrendo as
casas, os telhados. Um vento de giestas salgadas, de caruma. De guitarras ciganas.
De aquáticas lucilações. Íamos ao encontro da foz. Ruas altas, trilhos de velhos
carros de hortaliça e rododendros. Um perfume de cal estagnada. Íamos soltos, nus,
desprevenidos. À luz sonâmbula das colinas, os passos adensados calcando as
ervas moles do silêncio, o ralo e raro sopro das violetas da mulher da esquina. Das
esquinas lavradas na sombra vertical do desespero, da dor estancada no rosto e
nas rugas. Da água lavrada no rio.
Albano Martins
Esta é certamente uma das ekfrasis poéticas mais deslumbrante acerca de um dos lugares míticos e fundadores do Porto. Uma enternecida declaração de amor a uma cidade, através de uma obra esteticamente superior. Um cântico, um hino a uma terra, que não sendo o lugar do berço, é o lugar que racional e voluntariamente se adoptou para habitação do ser e da linguagem. Falo, como já se intuiu, de Albano Martins e de Rodomel Rododendro, poema integrante do património da Cidade Invicta, como a Ribeira Negra ou os Clérigos, a Praça da Liberdade ou a rua de Cedofeita, a Sé ou a Igreja de S. Francisco.
Se, como é por muitos reconhecido, na obra de Albano Martins se processa, de forma exímia, uma verdadeira correspondência das artes, através de uma relação fluida tendente a esbater fronteiras e a recuperar a imemorial utopia da unidade das artes, pela procura de equivalências e contaminações que ultrapassem as suas naturais idiossincrasias, então podemos dizer que o poeta encontrou o ensaísta certo para analisar, eventualmente, a mais cintilante das suas obras. Isto porque também Jorge Valentim, por formação académica em Letras e Música e um temperamento reflexivo a que não é alheia uma concepção sensível e, nessa medida, estética, da análise e da escrita, congrega em si essa cultura abrangente tão presente nos filósofos da classicidade, como nos pensadores da modernidade. A Quintessência Musical da Poesia é um dos três capítulos de Concerto Literário: intertextos musicais e sons metafóricos em Hélder Macedo, Albano Martins e Vergílio Ferreira, tese de doutoramento em Literatura Portuguesa, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde o autor faz uma pertinente leitura comparativista e interdisciplinar de três autores que, por caminhos e em contextos diversos, marcaram, e continuam a marcar (dois deles), a literatura portuguesa dos séculos XX e XXI. Porém, do que aqui trataremos, não é a globalidade desse trabalho hercúleo, mas o seu capítulo charneira, pilar central que em si mesmo possui uma unidade própria e autónoma, claramente independente dos restantes. Por isso mesmo, deu azo, sem que seja detectável nenhum tipo de lacuna ou incongruência, a este belíssimo e pertinente livro, que muito vem enriquecer o espólio, já vasto, dos estudos versando a poesia deste autor raro. [...]
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O texto completo da resenha encontra-se na seção e-books, revista Teia Literária 2.
VALENTIM, Jorge. A Quintessência Musical da Poesia: Rodomel
Rododendro, um Poema Sinfónico de Albano Martins. Porto:
Campo das Letras, 2007.
José Fernando de Castro Branco
Universidade do Porto
Íamos pela Ribeira, pátio de escamas, desperdícios, sol deposto. Do outro lado do rio,
incendiando a margem, velas de sombra, um vento inchado, apodrecido, varrendo as
casas, os telhados. Um vento de giestas salgadas, de caruma. De guitarras ciganas.
De aquáticas lucilações. Íamos ao encontro da foz. Ruas altas, trilhos de velhos
carros de hortaliça e rododendros. Um perfume de cal estagnada. Íamos soltos, nus,
desprevenidos. À luz sonâmbula das colinas, os passos adensados calcando as
ervas moles do silêncio, o ralo e raro sopro das violetas da mulher da esquina. Das
esquinas lavradas na sombra vertical do desespero, da dor estancada no rosto e
nas rugas. Da água lavrada no rio.
Albano Martins
Esta é certamente uma das ekfrasis poéticas mais deslumbrante acerca de um dos lugares míticos e fundadores do Porto. Uma enternecida declaração de amor a uma cidade, através de uma obra esteticamente superior. Um cântico, um hino a uma terra, que não sendo o lugar do berço, é o lugar que racional e voluntariamente se adoptou para habitação do ser e da linguagem. Falo, como já se intuiu, de Albano Martins e de Rodomel Rododendro, poema integrante do património da Cidade Invicta, como a Ribeira Negra ou os Clérigos, a Praça da Liberdade ou a rua de Cedofeita, a Sé ou a Igreja de S. Francisco.
Se, como é por muitos reconhecido, na obra de Albano Martins se processa, de forma exímia, uma verdadeira correspondência das artes, através de uma relação fluida tendente a esbater fronteiras e a recuperar a imemorial utopia da unidade das artes, pela procura de equivalências e contaminações que ultrapassem as suas naturais idiossincrasias, então podemos dizer que o poeta encontrou o ensaísta certo para analisar, eventualmente, a mais cintilante das suas obras. Isto porque também Jorge Valentim, por formação académica em Letras e Música e um temperamento reflexivo a que não é alheia uma concepção sensível e, nessa medida, estética, da análise e da escrita, congrega em si essa cultura abrangente tão presente nos filósofos da classicidade, como nos pensadores da modernidade. A Quintessência Musical da Poesia é um dos três capítulos de Concerto Literário: intertextos musicais e sons metafóricos em Hélder Macedo, Albano Martins e Vergílio Ferreira, tese de doutoramento em Literatura Portuguesa, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde o autor faz uma pertinente leitura comparativista e interdisciplinar de três autores que, por caminhos e em contextos diversos, marcaram, e continuam a marcar (dois deles), a literatura portuguesa dos séculos XX e XXI. Porém, do que aqui trataremos, não é a globalidade desse trabalho hercúleo, mas o seu capítulo charneira, pilar central que em si mesmo possui uma unidade própria e autónoma, claramente independente dos restantes. Por isso mesmo, deu azo, sem que seja detectável nenhum tipo de lacuna ou incongruência, a este belíssimo e pertinente livro, que muito vem enriquecer o espólio, já vasto, dos estudos versando a poesia deste autor raro. [...]
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O texto completo da resenha encontra-se na seção e-books, revista Teia Literária 2.