Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 30
Capítulo 30
Marcel gostava do inusitado. Fazia horas que estava na companhia de Max. Notou seu olhar de cachorro faminto quando cruzaram pelo calçadão de Copacabana. Permitiu que se aproximasse. Não se interessou por ele para fazer programa. Dificilmente aceitava assédio de novatos. Porém, foi sua cara de índio e necessidade que lhe chamaram a atenção. Procurava um cúmplice para “baladas” de cifrões noite afora. Sondara Marino. Travado, o máximo que permitia era ouvir alguns relatos. Conheceram-se num lugar e situação incomum: um cemitério. A mãe de Marino e o pai de Marcel foram sepultados no mesmo dia. Dois adolescentes, a conter as lágrimas diante da perplexidade da morte, iniciaram amizade.
“No dia do falecimento do pai, Marcel, aos dezessete anos, ausentara-se de casa pela manhã. Cedo, ganhou responsabilidade e independência para ir e vir. Freqüentava o apartamento de seu iniciador, um trintão chamado Sérgio. Sexo e grana recompensavam as horas juntos. Relação regada a vinho, vídeos pornôs e nenhum afeto. Entre urros de prazer, promessas eram firmadas. Roupas de grife, dirigir um carro, moto, conta bancária rendosa. Anos mais tarde, num acordo de cavalheiros, outros “coroas” ingressaram na confraria de doadores de Sérgio. Fonte inesgotável. Alguns apreciavam transar a três. Mais íntimo de Marino contava com a presença do amigo nas futuras surubas. Um negro bem dotado povoa a fantasia de muitos pederastas. Contudo, garoto tímido, ele sempre desconversava e escapulia de tais bacanais...”
Max era diferente. Nos poucos instantes de conhecimento, sentiu nele um quê de especialista latente, nômade, sem ater-se a nada. Apenas deixar a vida imatura ao sabor do vento. Ambos não criavam raízes, eram mundanos. A existência, dessa forma, havia de ensiná-los com suas próprias regras...
Marcel subsistia de meias verdades. Adulto, para a namoradinha de Niterói, não prometia, mas não descartava casamento e filhos. A mãe, após a morte do pai, habituou-se às suas ausências prolongadas. Afirmava trabalhar como representante de importante laboratório de remédios. O pai não desleixara das finanças para que viúva e filho não perdessem o padrão de vida de classe média. Já desejara um carrão e uma cobertura de frente para o mar. Ainda não conseguira. Mas, não era como Marino preso a cor da pele, limitado pela homofobia, aceitando a pobreza como coisa do destino. O local onde morava e empatara capital virara um pardieiro...
“Ao chegar em casa e ouvir a notícia da morte do pai, ficou mudo. Hospitalizado há um mês, sucumbira perante a um câncer de estômago. Trancou-se no escritório em que o pai passava o tempo e lhe cobrava os estudos. Objetos, quadros, livros formavam um acervo considerável. Discos, filmes, literatura fizeram-no um ser culto e diferente. Na pilha de álbuns de fotografias destacava-se escrito: decifra-me... fomos tão felizes. Convivera bem com ele, com suas exigências e esquisitices. Começaram a se afastar, sutilmente. Um primo da mãe, agregado à família, também teve sua importância. Às vezes, em seu desenvolvimento de criança, achava ter dois pais. O parente morrera um ano antes. Foram todos felizes, um dia...”
Max, ao seu lado no carro, não dizia nada. E involuntariamente permitia que recordasse. Marcel tentou contatar Marino pelo celular.
___ Acho que o negão está trabalhando. Há quem precise disso, observou ele.
___ Como é esse tal de Marino? perguntou Max.
___ É um afro-brasileiro de 1m e 80, saradão, desejo freqüente do mulherio e imaginário gay. Mas, ele não sabe disso... Gostas de mulher, Max? perguntou Marcel.
___ Não tenho nada contra! Na cama sou sempre o melhor amante do mundo...
___ E homem, já encaraste um?
___ Só fiz troca-troca no tempo dos primeiros pentelhos... Mas se precisar encarar...
___ É isso aí parceiro! Funcionar quando necessário, com camisinha, sem viadagem. Tudo por dinheiro, concluiu Marcel.
___ Acho que vamos nos dar bem, Marcel!
___ Sinto um clima no teu olhar por mim...
___ Vai te fudê, cara! E o marinheiro, é gente boa? perguntou Max.
“Marcel teve a impressão de ouvir a voz do pai a perguntar:
___ E como é esse teu amiguinho de escola com quem vais sair?
___ É negro, mas é gente boa, pai.
___ Raciocinaste no que disseste, garoto?
___ Ele é preto...
___ Não tem importância a cor dele para ser bom ou mau...
___ Todos falam desse jeito, pai! E meu colega não está presente...
___ Não quero que cresças um ser humano idiota, preconceituoso...
___ Sei, desculpe... Ouvi uma apresentadora de TV dizer que o Pelé é um negro de alma branca, observou o menino.
___ Somos educados pequenos, ignorantes... Ofendemos as pessoas, inconscientemente, disse o pai. Vi teus cadernos e tua letra está horrorosa... Precisas praticar caligrafia... Escreve várias vezes: preto é cor... negro é raça...”
Max insistiu na pergunta:
___ O marinheiro é gente boa?
___ Claro que é! Vais gostar dele, respondeu Marcel.
Marcel tinha planos para Max. Conduzi-lo para a “pocilga”, onde ficava o apartamento de Marino, era um teste. Enquanto isso não ocorria podiam conhecer o Cristo Redentor. Depois passearem de bondinho no Corcovado. Seriam dois nativos pousando de turistas. Juntos, haviam de bagunçar muito. Prostituição é a mais velha profissão amoral do mundo, disse Marcel. De madrugada foram procurar Marino. Metódico, estaria em casa a ver TV. Subiram ao oitavo andar de elevador, após passarem pela portaria animada. Bateram na porta sem que ninguém atendesse de pronto...
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