Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 25
Capítulo 25
Marino assistia a um canal de TV. Atento às imagens não ouvia as batidas na porta. O embate entre USA e Iraque começava. Líderes arrogantes faziam da guerra um espetáculo pirotécnico e bilionário. A invasão do Kuwait por Saddam Hussein fez George Bush por em prática a “Operação Tempestade no Deserto”. Dois tiranos destruíam vidas como se elas não valessem nada. Não entendia de política. Só de disciplina pois servira na Marinha de Guerra Brasileira. Mas isso se tornara coisa do passado... Ouviu as batidas fortes à porta. Sem campainha e olho mágico, perguntou quem era, abaixando o volume do aparelho. Bandidos, putas, crianças viviam nos corredores a zoar. Travestis também animavam o circo. Soubera que um traficante se escondia ali. Famílias e alguns estudantes formavam o lado bom dos condôminos. Logo que pudesse mudar-se-ia... Reconheceu a voz do outro lado e abriu a porta. Marcel, acompanhado de um desconhecido com cara de índio, sorria.
___ Que demora para abrir, seu boga! Tá escondendo alguma vadia aí dentro?
___ Entra quio! A vizinhança vive pedindo para usar o telefone, explicou Marino.
___ Este é o Max! Tá sem lugar pra ficar. Pode te ajudar a pagar as despesas, sugeriu Marcel.
___ É isso aí! Tudo aqui é simples e acanhado. Tem um beliche, falou Marino. A cama de cima é minha...
Marino esclarecia sem tirar os olhos de Max. Tentara morar com alguém, dividir despesas, porém não dera certo. Estava com vinte e cinco anos. Sua vida não tinha sido fácil. Criança, fora favelado. Perdera o pai, cedo. A mãe criara a ele e mais um irmão com dificuldade. Só Marino continuava vivo. A genitora sucumbiu de pneumonia e o irmão morrera afogado. Viu-se sem rumo e decidiu ingressar na marinha. Foi época de aprendizagem. Juntara algum dinheiro nesse período e comprara aquele pequeno apartamento. Cansou da vida no mar, ingressou num curso de torneiro mecânico e fez-se profissional. Conhecia Marcel desde a morte da mãe. Sabia da vida que ele levava. Evitava aprofundar-se em detalhes quando o amigo fazia confidências. Tinha um misto de nojo e medo de suas aventuras. Os putões, que moravam no edifício, furtivamente, olhavam-no com ares libidinosos. Odiava os dissimulados. Não queria aqueles invertidos miando em seus ouvidos. Tinha vontade de matar a todos. Safados! A idéia de vender o apartamento ganhava força. Assim se livraria dos vizinhos indesejáveis... Não dera certo com as mulheres ainda. As pretendentes infernizavam-lhe os dias com exigências. Tudo ali era modesto, insistiu.
___ Não sou de luxo! disse Max. Tô acostumado a dormir em banco de pedra...
___ Tá safo! exclamou Marino. É só não “sair no pulo” na hora de pagar o aluguel.
___ Fica frio, Marin. Vou arranjar uns fregueses pro grumete, prometeu Marcel
___ Com quem o garotão aí vai “estourar fato” não é de minha conta. Pode “dar um soco” com quem quiser, afirmou Marino no seu linguajar de marinheiro.
___ É isso aí, mariner! Notei ponta de ciúme na preleção, caçoou Marcel.
___ Sai fora, quio! reagiu Marino. Tá psico?
___ Garoto tímido! Vamos pedir uma pizza! Eu pago, disse Marcel.
A porta ficara aberta. Uma jovem passou e parou defronte. De olhos esbugalhados, parecia, perdida, ter dado um “tapinha”. Marino não a reconheceu como moradora. Devia ser mais uma “cafungadora” que vinha passar a noite com alguém. Sua indecisão deixou o rapaz impaciente.
___ Tá perdida, gata? disse ele.
___ Acho que desci no andar errado!... Vou para o décimo primeiro, explicou ela. Sou a Dorinha...
___ Este é o oitavo, Dorinha! Dá licença que estou com uns amigos, disse Marino, fechando a porta. Aqui tem de tudo: cachorro, gato, papagaio, vagabunda, veado, malandro, viciado... É um balança mas não cai!
___ E agora o Max Xandaro! falou Marcel. Põe uma música aí, boga!
___ Bem-vindo ao inferno, mocorongo! disse Marino mais descontraído. Meu gosto musical não bate com o de Marcel. Sou Roberto Carlos e Evaldo Braga. Minha mãe dizia: só existem esses dois, o resto é bosta!
Todos riram. Ligou o rádio numa FM. Marino deixou-os na saleta e foi ao banheiro. Recuperara o humor, empanado pelas cenas da guerra. A chegada deles o animou. Ouviu a voz de Marcel a pedir pizza. Apesar de suas falas serem carregadas de ironia, tinha momentos de reflexão. Decantava que o pai lhe deixara cultura por herança e não podia ser um bisonho. Abandonara a faculdade de Economia no segundo ano. E não se arrependia. Afeito aos livros, tinha tiradas intelectuais para as situações que surgiam. Ao atropelar um cão ficou com remorso.
___ Pára com isso, quio! Era só um vira-lata e as ruas estão cheias deles... Não sou nenhum “jacaré” para te entregar à sociedade protetora dos animais, consolou-o Marino.
___ A vida é negócio sério! Extinta de forma banal é tristeza profunda. Uma que seja...
___ Deixa disso, cabeção! protestou Marino.
Marino se olhou no espelho. Estava, repentinamente, alegre. Ensaboou as mãos, depois o rosto. A espuma branca fazia contraste com sua pele escura. Lembrou-se de recomendação que a mãe fazia: negro tem de estar sempre limpo para não incomodar os outros. Marcel execrava tal descriminação, e alterava seu sentido original. Repetia: pobre tem de estar sempre “limpo” para que os ricos paguem a conta. A fome e a falta de dinheiro geram seres indigestos de engolir e fáceis de comprar... Quando bebiam demais ficavam vulneráveis e abriam os corações. Andavam em busca do algo, mas não sabiam o quê... Escovou os dentes. Para que tanta higiene se ia rangar? Um tio, cheio de manias, lavava as mãos antes de dar um mijão... O entregador de pizza não tardou.
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