Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 22
Capítulo 22
O tio Bocudo, parado num ponto de ônibus, parecia nervoso. Sentia a bexiga cheia. Resmungava a todo instante:
___ Merda, onde se enfiaram aquelas vacas? Devem estar gastando o quê não têm na porra do shopping! E eu aqui, esperando feito um paspalho...
A mulher Lalinha e a sobrinha Carrel iam escutar! Ah, se iam! Uma dessas moças, a distribuir panfletos religiosos, aproximou-se dele. Olhou para o outro lado, tentando ignorá-la. Como ela insistisse pegou o folheto e ouviu sua voz suave:
___ Que Jesus ilumine teu caminho, irmão!
___ É melhor que ilumine lá em casa. Com essa ameaça de apagão!
___ Apagão? perguntou a jovem sem entender.
___ Qual é tua igreja, condenada? quis saber o tio Bocudo.
___ “Jesus é Mais Amor,” respondeu surpresa com o palavreado dele.
___ Sei... Já vi vocês na TV... Falam de Exu, de feitiçaria, de descarrego... A igreja é do mal?
___ Não! O senhor não compreendeu nossa palavra! Nós convertemos, combatemos o pecado! esclareceu ela.
___ Vocês costumam é secar os crioulos sambando, estrebuchando na areia da praia, na festa de Iemanjá...
___ O pastor diz que eles vivem nas trevas, rebateu ela.
___ Convertido ou invertido? Lembra daquela maluca da Baby do Brasil? disse ele, referindo-se à cantora.
___ Não, respondeu a jovem mais confusa.
___ Bem se vê que não assistes o “Programa do Jô”. Só ouve o sacana do pastor, olhando as tetas das ovelhinhas...
___ O senhor é um biruta, uma aberração! disse ela revoltada.
___ Aberração é tua avó!
___ Velho degenerado!
___ Sai pra lá, chupim de Cristo! Sabes com quem estás falando? tentou impor-se tio Bocudo.
___ Sei sim, com o demônio! Com o capeta! Vá de retro!
___ Demônio é teu pai, sua merdinha! E pega de volta este papel de bunda...
Alguns transeuntes se reuniam atentos à discussão de ambos. Por sorte o carro da sobrinha parou e livrou o tio Bocudo da situação embaraçosa.
___ O quê houve, tio? perguntou Carrel.
___ Não sei... Acho que uma coitada teve um desconforto por causa do calor, respondeu ele cinicamente. Onde vocês foram?
___ Fomos comer manjubinha frita e beber cerveja, falou a esposa. Se bem que não se compara a que o Vôvo prepara. Estava meio amarga...
___ Que nojo! Aqueles peixinhos de canal, cheios de fezes! Nem o ordinário do Barão comeria tal porqueira, desdenhou o tio Bocudo.
___ Não liga, tia! Ele está dizendo isso porque acha que demoramos demais, ponderou Carrel.
___ E não demoraram? Enquanto o bocó aqui ficava chuchando o dedo, as princesas se empanturravam de...
___ Que exagero, tio! Nós não demoramos tanto assim! insistiu Carrel.
___ Cambada! Mulher quando se junta perde a noção de tempo...
___ Está bem, tio! concordou Carrel. Nós demoramos, mas põe o cinto de segurança que não quero ser multada...
A desgraçada da sobrinha sabia que ele não gostava de usar o cinto. Porém, quando a manhosa da tia estava junto lhe satisfazia as vontades. Inclusive deixá-la ir no banco de trás, refestelada. A sonsa sofria de tontura, tinha medo de escada rolante. Um traste! Estava precisando de uma terapia eqüina. Feito criança contrariada, ele perguntou:
___ O quê ela está fazendo atrás?
___ O senhor está farto de saber que a tia não passa bem no banco da frente, disse Carrel.
___ E eu também não! Fico com vontade de mijar... Pára essa porra que vou passar para trás, ordenou o tio Bocudo.
___ Deixa de ser implicante, homem! Logo chegamos em casa, interveio a tia.
___ A retardada falou! disse o tio.
___ É, fiquei assim de te aturar todos esses anos... Esse teu gênio de cão...
___ Infeliz! disse o tio entre dentes.
Antes de irem para casa a tia queria passar numa floricultura e comprar um vaso de begônias. Avisou para Carrel. O marido engoliu seco. Já não bastava a floresta que ela transformara o apartamento? Qualquer dia lhe dava a louca e jogava todo aquele lixo verde janela abaixo.
___ Qualquer dia ponho fogo naqueles vasos cheios de dengue, ameaçou o tio Bocudo.
___ És bem capaz, mesmo! Até de colocar fogo em mim quando eu estiver dormindo, falou a tia Lalinha.
___ Não dá idéia, tia! alertou Carrel.
___ Quanto mais velho esse homem fica, mais maldades comete, constatou a tia chorosa.
___ Velha és tu, estrupício! Não sei porque não te abandonei, ainda! lamentou-se ele.
___ Pára com isso, tio! pediu Carrel.
___ Deixa filha, ele desabafar! È capaz de morrer e por a culpa em mim...
___ Morrer, eu? Tu ainda vais na minha frente, urrando de dor pelo corpo inteiro...
___ O quê é isso, tio? Aprendeu a rogar praga também? perguntou Carrel em tom de censura.
___ Não sei o quê estou fazendo na companhia de duas pítonisas melindradas, disse o tio, procurando abrir a porta.
Carrel brecou o carro, bruscamente.
___ O quê o tio pensa que está fazendo? Quer causar um acidente? Comporte-se! Já encheu o saco! Vai ficar quietinho aí, sem dar um pio, até chegarmos em casa. Entendeu? preveniu Carrel com o dedo em riste.
Ela movimentou o carro. Quando não era o boboca do Barão a espalhar-se no banco traseiro, era a esposa. Para provocá-lo ela lia parte de um jornal. Não sabia o porquê aqueles jornais tinham tantos cadernos. Viviam num país de analfabetos... Depois de minutos calado, o tio Bocudo começou a assobiar. Pensava em ir até a casa do amigo, o professor Papeco. Falou, resignado:
___ É, vamos comprar o vaso de brigonas...
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