A escrita telegráfica de Ellroy
James Ellroy: sua escritura me encanta. Sua maneira de retratar os Estados Unidos na época áurea do romance noir. Seus personagens: nunca o mocinho perfeito, ninguém inocente em Los Angeles, todos participando ativamente da corrupção generalizada: departamentos de polícia, chicanos, negros, traficantes, bookmakers, policiais, Howard Hughes (alguém se lembra do filme "O Aviador"?), médicos. Ellroy implode o sonho americano. Ele não mostra o avesso dos fatos: eles já não têm um lado bom e ruim. O bem não é um dentro que o fora do mal venha desestabilizar. Relação intrínseca entre os dois: os dois no mesmo plano de composição de sua literatura. Quanto mais as relações entre o bem o mal se estabilizam num plano propagandístico, da versão dos jornais, mais pequenos incidentes vem desestabilizar essa pequena ficção midiática. No meio, a revista "Hush-hush'.
É claro que estou escrevendo de modo geral: nem todos os romances de James Ellroy contém todos os elementos: a revista "Hush-Hush" ainda não existe em 1950, época dos crimes investigados pelo detetive Upshaw (querendo subir na carreira por meio de um caso importante), o corrupto, e cafetão para Howard Hughes, Buzz Meeks e Mal Considine (ex-soldado na guerra com os nazistas, que trouxe na bagagem uma mulher e Stefan, que ele considera seu filho). Mas a inventividade de Ellroy está aí: criar um mundo novo para uma visão, ainda, pacífica dos anos 50 e 60 nos Estados Unidos. Este panorama que tracei diz respeito ao romance "O Grande Deserto".
Em romances como "Jazz Branco" e "6 mil em espécie" vemos um novo estilo de escritura: uma escrita telegráfica. Pequenas frases, muito concisas, de leitura rápida. "Pete se misturou. Os policiais o ignoraram. Policiais bloqueavam o trânsito. Policiais marcavam presença. Policiais isolaram a 'J'" (ELLROY, "6 Mil em espécie")
Ellroy joga com o leitor: a leitura é tão rápida quanto o pensamento, seja ele do personagem ou do narrador. Desfazer a distância, o delay, entre a ação do texto e nossa leitura. Mergulhamos no texto de Ellroy, entramos no submundo de LA, com grandes magnatas, gangsters, homossexuais e a moralidade hipócrita americana desta época. Ele não perdoa ninguém: após a leitura de qualquer de seus romances ou contos somos nós que perseguimos os suspeitos, desvendamos os crimes mais intrincados: será Dudley Smith que está por trás de tudo como em "Los Angeles – Cidade Proibida"? Ainda não. Em "O Grande Deserto" ele ainda não é chefe do DPLA: mas já mostra toda sua força.
A escritura de Ellroy nos dá a sensação de "jetlag": somos arrastados indescritivelmente através do tempo e do espaço, perdemos nossa inocência de simples leitores para virarmos cúmplices das falcatruas, da corrupção e dos assassinatos. Não dormimos, trocamos o dia pela noite, ficamos bêbados junto com Danny Upshaw e sua fixação pelo assassinato de Martin Goines (Marcas de mordidas que parecem não humanas, os globos oculares arrancados e depois penetrados pelo assassino até sua satisfação), comemos a mulher de Mickey C., gangster judeu e o principal “amigo” do Departamento do Xerife de Los Angeles (guerra entre DPLA e DXLA), arriscando nosso próprio pescoço pela sedução desta ex-stripper que sabe fazer um truque incrível com os peitos (girá-los em sentidos diferentes ao mesmo tempo): nos tornamos Buzz Meeks. E nada disso é feito impunemente: sofremos as mesmas coisas que o personagem, nossa culpa é jogada fora por um sentimento paranóico que diz que alguém nos traiu, nos viu arrochando a testemunha errada. Polícia, gangsters, chicanos ou uma simples senhora que passava pela rua pode nos denunciar. Consiga favores, junte informações comprometedoras sobre alguém: sobreviva.